Orgulho!

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domingo, 23 de janeiro de 2011

NA INTENDÊNCIA MUNICIPAL

Em primeiro plano, Teatro Municipal, posteriormente Escola Elementar e mais adiante Escola Complementar. Ao fundo, Intendência Municipal em excelentes condições. Hoje está em ruínas, semi-abandonada.
Esta e demais imagens: Museu Municipal Patrono Edyr Lima


Na Intendência Municipal

À noite, em sua honra, houve recepção oficial no edifício que esteve repleto. A frente foi iluminada com lâmpadas elétricas poderosas, de cores várias, que foram dispostas de modo a formarem o dístico: Salve O. Bilac.

Houve reunião extraordinária do Conselho Municipal, sob a presidência do sr. coronel João Batista Carlos e com a presença dos conselheiros srs. Ramiro Ramos de Chaves, Felippe Moser, Augusto Brandão, Leonel Friedrich, Henrique Möller Filho e do suplente Virgílio de Abreu.

Às 8 ½ acompanhado por uma comissão de cavalheiros, composta dos srs. dr. Arlindo Leal, coronel Baptista Carlos e major Paulino Breton, Bilac chega, conduzido em automóvel, ao local da recepção, nessa ocasião a banda musical executou o Hino Nacional que foi ouvido respeitosamente.

Penetrando no salão principal do edifício, a numerosa assistência saudou-o com prolongada salva de palmas.

Alguns minutos depois subiu à tribuna o dr. João Neves da Fontoura pronunciando o discurso que adiante reproduzimos e que o seu autor ofereceu ao dr. João Minssen, membro da comissão de festejos.


Imagem: João Neves da Fontoura


Imagem: João Minssen

"Accedo à instância gentil do ilustre intendente do município e venho trazer a Olavo Bilac as palavras de boas vindas, em nome nome de nossa pequena terra engastada no coração geográfico do Rio Grande do Sul.

Pena é que a pobreza intelectual do intérprete, longe de dar corpo, antes diminua a vibração das ondas de simpatia cívica, que emanam da multidão entusiasta, em vibrações luminosas ao redor do ex-poeta que nos visita. Mesmo assim, ouvi-me senhores, nunca é fraca a voz quando traduz as pulsações do grande coração coletivo nem a frase velada pela obscuridão permanente de quem a profere morre sem eco quando se inspira nos sentimentos generosos, que enlevam a alma das nacionalidades.

Olavo Bilac

Um dia, um plebiscito de senso alto, escrutínio que apenas concorreram os grande eleitores da poesia brasileira, foste sagrado o Príncipe dos Poetas delicioso múnus que exerces sem contraste nem confronto com o referendo unânime da população do país.

E que no patriciado da poesia brasileira, a tua referendum voz privilegiada, meigo cantor da Via Láctea, evocador feliz das Panóplias, nacionalista delicado do Caçador de Esmeraldas, a tua voz tem o ascendente soberano que a aristocracia do talento impõe no seio das democracias sem ideal e corre nas tuas veias este suspirado sangue azul, que é o emblema da supremacia intelectual.

Mas nunca imaginou ninguém que no sonetista exímio rival perfeito de Petrarcha em cantar o amor, estivesse oculto o missionário da regeneração brasileira, numa cruzada patriótica, a prol da instrução e da força ao serviço do direito.

Bendita oportunidade que revelou no maior dos nossos artistas o mais apaixonado paladino da nossa grandeza futura.

A tua missão fascina; energias latentes despertam ao contato da tua palavra mágica e o Brasil de amanhã acordará para a transformação definitiva.

Estamos pagando os tributos que os povos jovens devem aos erros do passado.

Nascidos da mescla de raças diferentes, aquecidas ao calor de um sol enervador acampados ao longo desse território desesperadamente grande, onde coexistem todas as tonalidades do clima, da flora e da fauna, mostruário completo de acidentes geográficos, senhores de um reino encantado, em que tudo nasce e prospera, desde a palmeira real, importada da África até a gramínea rasteira, emigrada do extremo oriente, temos sido até aqui os dissipadores inconscientes da fortuna, de que Nos fez doa a providência e, com a imprevidência atávica do aborígene, nunca realizamos a fórmula de TH. Buckle*, para quem a civilização consiste no domínio do homem sobre a natureza.

Padecemos do mar da plethora. Organismo dotado de uma vitalidade maravilhosa, malbaratamos a saúde e não pela corrigimos pela educação do caráter os exageros da força criadora, que transforma os rios em oceanos, as matas em florestas, os prados em vergeis, numa tela em que a gama indefinida das cores da natureza viva parece retratar as maravilhas da Bíblia, no jardim privilegiado das delícias.

Desde o infinitamente grande até o infinitamente pequeno, tudo conspira para envaidecer a supremacia a que nos julgamos com direito.

E assim, nessa congestão de força, de grandeza e de sangue novo, esquecemos de aprender na história dos outros povos as lições de amargura, que esperam os enamorados da própria imagem, nesse momento de narcisismo nacional, de que tão bem nos falou o ilustre Afrânio Peixoto.

Ao lado dessa contemplação de nossas belezas como um reverso lógico de exaltações mal pensadas um outro sentimento de seguido nos assalta e nos desencoraja, cada dificuldade que encontramos no caminho desencoraja covardia geral, que entibia os povos apetrechados de elementos de resistência à todas às desilusões, é esse desânimo sem causa a cada obstáculo, é esse esmorecimento infantil, essa preguiça nativa em resolver os problemas mais sérios, o desencontro das idéias, os esfervilhar das correntes interesseiras, o gregarismo estúpido que enfileira os homens diante de improvisados fetiches.

Desta sorte, o Brasil a cada crise se sente, vencido antes de ter lutado e se entrega algemado no primeiro autor de panacéias patrióticas.

É preciso ter a coragem da reação e que todos os homens válidos de caráter se agrupem em torno da bandeira salvadora hasteada pela Liga da Defesa Nacional e que traz rutilando nas dobras verde e outro o programa de ensino das letras e das armas, a sistematização das energias dispersas, o levantamento em massa à sombra da unidade da pátria, para que esta, livre de receios e curada de fantasias, se erga em toda a magnificência da sua grandeza, estimulando o trabalho, cultivando o sentimento da fraternidade e da honra, lendo, escrevendo, pensando, senhora efetiva de uma soberania real e não somente fictício para que o Brasil termine a longa elaboração das raças, dos princípios e dos sentimentos e seja afinal a pátria feliz de todos os brasileiros.

A ti, Olavo Bilac, reservou o destino o papel de ser o pregoeiro do ressurgimento nacional, o orientador da nova corrente, que se avoluma com a adesão espontânea de todos os cidadãos ...... aplauso fervoroso de todas as crenças e com a colaboração de todos os patriotas.

Depois de sagrado príncipe da poesia, te transformas em apóstolo e nenhum fecho mais digno para a vida excelsa do que o de prefaciar nesta excursão memorável o catecismo, que na tua frase inspirada aos estudantes primeiros irá parar em mãos de cada professor e de cada discípulo, de cada patrão e de cada operário, de cada oficial e de cada soldado.”

O Brasil não acalenta sonhos de imperialismo nem busca hegemonias continentais.
Sem problemas externos, com suas fronteiras extremadas pelo homem, que Rui Barbosa chamou o Deus Terminus de nossa pátria sem a necessidade apremiante de forçar com as armas a conquista do mercados, porque os seus produtos primaciais têm escoadouros seguros e clientes certos na feira das nações, está fadado a resolver no tribunal da arbitragem, as pendências que lhe forem criadas no futuro pela eventualidade dos sucessos.

Pacifistas, não devemos, esquecer, que na vida dos homens e das nações a força, dentro dos limites da prudência é a sanção coercitiva do direito.

Até que a utopia do desarmamento geral se corporifique, até que os votos da consciência humana se concretizem num código de lei imposto às sociedades políticas, até que a humanidade, cansada de lutas resolva na frase de Pascal “fortificar o direito e não justificar a força”, até aí o dever dos povos másculos, que queiram viver, é instruir os cidadãos, para que sejam agentes de defesa e possa pagar à pátria num dado momento o imposto de sangue.

Pelo serviço militar, pelo cultivo da força física nos desportos favoritos, pela educação primária e profissional, pela guerra sem tréguas ao analfabetismo, pelo culto do passado e das tradições imperecíveis da nacionalidade, é que o Brasil se há de transformar, sem necessidade de apelo a reformas constitucionais e despreocupado de fórmulas de governo, porque o futuro de prosperidade, de grandeza cabe nas linhas esculturais de qualquer sistema político.

Se aos indivíduos, a sociedade, que os não pode amparar no momento preciso, em que recebem o ataque pela violência, lhes delega a missão de repelir a força com a força, delineando a figura jurídica de legítima defesa, porque a humanidade não há de conceder às nações o exercício do mesmo direito e a prática da mesma garantia?

Senhor desses princípios, inscritos na consciência geral, tomaste a ti, Olavo Bilac, a missão de concatená-los, pregá-los, divulgá-los, para que todos os brasileiros partilhem da mesma crença e pratiquem os preceitos da mesma fé.

Um dia, um padre, obscuro pelos talentos, mas animado de intenso fervor apostólico, aportou a estas terras ainda quase virginais do Brasil e, simples na sua modéstia evangélica, com o breviário debaixo do braço, se embrenhou pelas florestas para a catequese silvícola. José de Anchieta começou a iniciar os habitantes deste país nas doçuras e nos mistérios da nova crença atraindo para Deus os espíritos aos quais faltava a luz da fé.

Quatro séculos depois, um novo taumaturgo inicia a conversão dos pessimistas, destes novos silvícolas descrentes já de dias melhores e, só com a sua religião, sem a munificência dos governos, sem o ascendente oficial vai percorrer o país nesta peregrinação patriótica, educando os catechumenos que desesperam do futuro do Brasil, animando os fracos, visitando as escolas, ensinando, pregando, batizando outra vez com a água da redenção nacional.

Na França, Maurice Barrés chefiou o movimento renascença patriótica, mas em condições difíceis. Nós não temos territórios a reconquistar, não temos nódoas a lavar com sangue nem procuramos revanches.


Maurice Barrés

A tua missão é de paz; querem apenas despertar o Brasil desse crepúsculo de consciência para a alvorada da vida nova.

O Rio Grande do Sul não podia deixar de formar a teu lado na campanha, em que te empenhaste.

Ele tem ligações decisivas no cimentar com sangue e com lágrimas os alicerces sobre os quais há de repousar no futuro a nossa nacionalidade.

Mal compreendidos lá fora, em que há quem pinte como guerrilheiros insubmissos em eterno tropel de aventuras revolucionárias, somos antes um povo de pastores e lavradores, amando a ordem, presa ao arado do trabalho, que sulca a terra fecunda e florida.

De certo a crônica registra fundos abalos na nossa vida cívica, porque, individualistas, habituados a suportar a aspereza do clima e colocados parede meia com dois povos estrangeiros, não raro temos empunhado as armas, em defesa da pátria e da liberdade.

Mas nada mais injusto do que atribuir-nos instintos selvagens ou sentimentos de violência, porque escondida na energia do gaúcho palpita uma bondade de criança.

Tu nos viste agora, tu nos amarás, como irmãos iguais aos outros plasmados na mesma argila, virtudes e defeitos comuns, postados aqui no extremo sul, cuidadosos e vigilantes como vedetas imperturbáveis do coração do Brasil.

Podes contar conosco – juramos bandeira nos arraiais do Brasil – nós te seguiremos no caminho da regeneração nacional.

Coroa digna de uma carreira rutilante, o teu nome está ligado aos nossos destinos, como um legenda de tenacidade e esperança.

O grande espírito de Metterlinck afirmou que bastaria um nada um lóbulo cerebral destacado da circunvolução de Broca, orientada de maneira diferente e provida de um feixe de nervos, para que o homem descortinasse o porvir, porque o tempo é um mistério, que nós dividimos arbitrariamente em passado e futuro.

Pois bem – nós dividimos esse futuro, o futuro da tua missão – o êxito, a vitória, a digna coroação desse esforço.

Não, o Brasil não desertará, não deixará que se apague o lume irisado no tope dos seus mastros pela mão querida, que traçou nas páginas do seu livros, os mais lindos versos da sua história literária.

Olavo Bilac – líder dessa revolução proveitosa e pacífica – és o méneur da multidão que por toda parte te escuta; nós te seguiremos tranqüilos e crentes.

E, se por infortúnio imprevisto, a geração de amanhã falhar ao compromisso de honra, outras virão reatar os elos da cadeia quebrada, restaurando o apostolado, de que te pertencem as primícias.

Já o velho Homero, na Ilíada, pela boca de Glaucos, assim falava na continuidade dos seres: “ A geração dos homens é como a das folhas. O vento atira as folhas à terra, mas a floresta fecunda as reproduz de novo, quando a estação da primavera volta; do mesmo modo a raça dos humanos nasce e passa.

Humildes cidadãos riograndenses congregados em torno de ti, nesta hora de júbilo patriótico, depomos nas tuas mãos o fervor das nossas homenagens e a sinceridade da nossa adesão.

A tua campanha triunfará e o Brasil de amanhã emancipado de tutelas odiosas, esquecido dos erros, reconciliado, unido, no gozo perfeito da sua maioridade nacional, há de ser belo e viril, cabendo toda a sua história na frase eloqüente de Saint Victor sobre o gênio de Shakespeare – “A sua graça iguala à sua força, o seu gênio sutil e robusto lembra a tromba do elefante, que tanto pode colher uma flor como estrangular um leão”.

E o Brasil do futuro será a terra descrita e cantada no teu soneto impecável:

Pára! Uma terra nova no teu olhar fulgura!
Detém-te! Aqui, de encontro a verdejantes plagas,
Em carícias se muda a inclemência das vagas...
Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura!

Treme-lhe a voz afeita às blasfêmias e às pragas.
Ó nauta! Olha-a de pé, virgem morena e pura,
Que aos teus beijos entrega, em plena formosura,
Os dois seios que, ardendo em desejos, afagas!

Beija-a! O Sol tropical deu-lhe à pele doirada,
O barulho do ninho, o perfume da rosa,
A frescura do rio, o esplendor da alvorada!

Beija-a! É a mais bela flor da Natureza inteira!
E farta-te de amor nessa carne cheirosa,
Ó desvirginador da Terra Brasileira!"

Ao terminar o orador foi longamente aplaudido.
Olavo Bilac respondeu, manifestando-se profundamente reconhecido pelas elevadas homenagens que lhe rendia o povo de Cachoeira, nos termos seguintes:


Imagem: acervo Eduardo Minssen
Não é Olavo Bilac. É alguém muito parecido com ele lendo "algo" posicionado numa sacada de uma casa na rua Sete de Setembro.
Quem é ele? Se souber, entre em contato.
Porém, sem dúvida que o cidadão é muito parecido com Bilac, por isso postei a foto. Fiquei imaginando uma cena meio parecida.


"Senhores

Vindo de Porto Alegre, e iniciado por esta formosa cidade uma curta excursão pela campanha do Rio Grande do Sul, é para mim um grande prazer esta recepção festiva.
Compreendendo bem, que não estimais em mim o meu próprio valor, mas o valor das ideias de todos os bons brasileiros, que acidentalmente represento e proclamo.

No Rio Grande, como já disse em Porto Alegre, seria ociosa, e até irritante, qualquer propaganda em favor do revigoramento do civismo brasileiro. As tradições desse povo, perpetuadas no brasileirismo e na dedicação de tantas gerações, repeliriam qualquer estímulo alheio. Seria triste e ridícula a pretensão de quem pregasse heroísmo a um povo de heróis.

Mas a minha presença, aqui, significa esta certeza, que deve ser grata a todos os corações rio-grandenses: em todo o Brasil, um largo sopro de novo entusiasmo sacode todas as almas; a Pátria, destinada para dias gloriosos, está recebendo, como num estuário imenso, as torrentes de fé e de fé que descem de todas as vertentes da racionalidade; e este frêmito de esperanças, esta vibração de energia, este fulgor de crença estão resgatando a triste indiferença de tantos dias sem brilho e de tantos erros acumulados.

E há ainda outra vantagem da minha presença: os vossos aplausos, dirigidos não à mim, mas à Liga da Defesa Nacional, vão chorar em todo o Brasil, premiando e esforçando a propaganda que se difunde por todo o território nacional.

Não esperais de mim, estou certo, um discurso. Todas as ideias essenciais do nosso programa estão lançadas e afirmadas no que foi dito na capital do vosso grande Estado. Mais do que todas as palavras, que eu pudesse dizer, fala o entusiasmo desse povo, e significa o acolhimento que me dais, senhores representantes desta cidade.

Agradeço, senhores, a generosidade com que me recebeis nesta Casa do Povo. Saúdo a cidade laboriosa e leal que hora me hospeda; saúdo o trabalho intenso que a anima, nas lavouras que a rodeiam, nas fábricas que no seu seio se agitam, no comércio que lhe dá prosperidade; e saúdo o patriotismo sagrado que sempre exaltou os seus filhos.
Glória à cidade de Cachoeira!"

Esta oração de agradecimento, o poeta ofereceu-a ao senhor coronel Baptista Carlos, presidente do Conselho.

Em seguida, a comissão de festejos, constituída dos senhores dr. João Minssen, capitão Francisco Gama e Virgílio de Abreu, ofereceu farta mesa de champagne aos presentes, realizando-se, após, um animado baile no vasto salão.



Imagem: Francisco Fontoura Nogueira da Gama

Continua ...

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