Orgulho!

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domingo, 23 de janeiro de 2011

NA GRANJA DA PENHA

Na Granja da Penha*

Desde às 9h da manhã de 15 começou o movimento dos automóveis, carros e outras viaturas conduzindo gente para a bella granja que, a meia légua desta cidade, possui o Dr. Balthazar de Bem, e na qual devia realizar-se uma festa campestre dedicada a Olavo Bilac.

A manhã, fresca, serena e clara, brilhando sob um céu de puríssimo azul, juntava, assim, aos esforços dos ofertantes da festa, um poder decisivo para que esta assumisse, desde logo, a feição de carinho e de altíssimo apreço com que a sociedade cachoeirense vem acolhendo o laureado poeta emissário da egrégia Liga da Defesa Nacional.

Às 10 horas e um quarto chegava à granja o automóvel conduzindo o ilustre visitante, acompanhado dos srs. capitão Francisco Gama, Coronel Horácio Borges, Major João Augusto Leitão, Franklin Araújo, Virgílio de Abreu e do nosso companheiro Guilherme Antônio Möller. Ali já o aguardava uma quase multidão de senhoras, senhoritas e homens entre umas quarenta meninas pitorescamente trajadas à camponesa que o recebeu com aclamações e grandes manifestações de carinho.

Introduzidos no vasto salão da Granja, as meninas, ao som de pandeiros e de uma orquestra de violões e violinos, entoaram canções populares em honra ao príncipe da poesia contemporânea brasileira. Essa parte da festa campestre produziu em Olavo Bilac um quase deslumbramento: meio envolvido no grupo das graciosas meninas aplaudia-as calorosamente, fazendo bizar todas as canções, ao fim das quais beijava as mãos daquelas que se destacavam pelo donaire, pela graça.


Imagem: A minha Cachoeira, João Carlos Alves Mór

E, como houvesse morrido uma vaquilhona Devon da qual, lá fora, preparavam-se os churrascos, as meninas cantaram O meu boi morreu, dedicada ruidosamente ao dr. Balthazar de Bem, dono do lindo animal sacrificado em holocausto ... à Poesia.
Foi um sucesso!

Após essa lindíssimas expansões de alegria, o dr. Balthazar convidou o laureado poeta a fazer uma pequena volta pela floresta de eucaliptos, terminando por mostrar-lhe algumas das dependências da Granja.

Esse estabelecimento, como todos sabem, está caprichosamente organizado e tem uma feição particularmente pitoresca. Há menos de quatro anos aquilo era uma coxilha completamente nua, de aspecto estéril. Hoje é a miniatura de uma fazenda modelo com a vantagem de possuir uma floresta de mais de 100 000 pés de eucaliptos, disposta de maneira a fazer abrigos para o gado e produzir trechos de paisagens de notável beleza, sendo ao mesmo tempo, essa floresta, uma riqueza a explorar.

Ali tudo está bem disposto: potreiros, currais, baias, tanques para bebedouros e para banhos, servidos por encanamentos partidos da caixa d’água alimentada pela força de um moinho de vento.

Olavo Bilac não pode deixar de manifestar repetidamente a excelente impressão que lhe causava a beleza e o bom arranjo da granja admirando no dr. Balthazar de Bem a sua inteligente operosidade.

Ao meio-dia, mais ou menos, foi oferecido o churrasco abundante, e gordíssimo, e saborosíssimo da Devon à numerosa assistência que, na verdade, já andava vibrando de entusiasmo pela chegada desse bendito momento.

O nosso grande poeta não se fez de rogado: radiante de um contentamento expansivo, honrou como devia, o saboroso churrasco. Enquanto isso, o grande número de senhoras, senhoritas, criançada que também churrasqueava heroicamente, postadas ao longo das extensas mesas rústicas, aclamavam-no seguidamente. Por vezes, as senhoritas, do alto das bancadas diziam sonetos seus e muito grato lhe foi ouvir os que recitaram as senhoritas Lygia Araújo e Horaida Pinheiro.

Terminada a refeição, foi Olavo Bilac atraído do alegre grupo feminino e com a sua soberba arte de dizer declamou o soneto Benedicite, em meio de um silêncio quase religioso.

O poeta-apóstolo, então, assumia o papel de um verdadeiro pontífice abençoado, sob a sombra de uma floresta semeada pela mão do homem, todos os que neste mundo, concorrem para o conforto e para a dignificação da humanidade.

Imaginem os leitores que não tiveram a felicidade de assistir a esse ato, qual não foi a emoção da multidão que o cercava, acolhida à sombra das árvores amigas, quando caíram dos lábios do poeta estes versos magistrais e benditos:

Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o ouro brotar, do trigo;
E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;
E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano...
Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

Seria banal dizer-se que Olavo Bilac ao terminar esse belíssimo soneto foi delirantemente aplaudido, por que o que realmente se deu não foi isso: - foi religiosamente idolatrado.

Esta festa campestre prolongou-se até além das duas horas, sem nunca desmerecer de encanto.

Depois do almoço, grande parte da concorrência afluiu de novo para o edifício da granja e as camponesas, (meninas da melhor sociedade cachoeirense) repetiram, a pedido do eminente patrício, as canções populares.

O salão da granja, apesar de vasto, não podia conter senão uma parte relativamente pequena da concorrência, pois, neste dia, quase toda Cachoeira abalou para esse formoso arrabalde. Ali, em meio de cânticos e danças eram, de vez em quando, chamados à fala diversos oradores. Mas não houve, propriamente discursos. O Dr. João Neves, disse, com muitos aplausos, um soneto do festejado poeta. Waldemar disse um bom soneto de sua lavras; e por fim, fez uma breve alocução o Dr. Arlindo Leal.

Fez-se depois uma colossal polonaise em que quase todos tomaram parte. Tiraram-se algumas fotografias, sendo uma especialmente do grupo das “camponesas” cercando Olavo Bilac**.

** Onde estarão guardadas?


O Dr. Balthazar e sua excelentíssima esposa foram sempre de uma gentileza extremamente cativante.



Dr. Balthazer e família
Local: sua residência na época, hoje Casa de Cultura Paulo Salzano Vieira da Cunha

Foto: cortesia Museu Municipal - Patrono Edyr Lima

A vaquilhona Devon era engordada a campo na própria granja e estava em estado quase superior às exigências dos que gostam de carne gorda.

Desta granja é que saíram os touros, um dos quais conquistou na Exposição a medalha de ouro e o prêmio de dois contos de réis.

A floresta dos eucaliptos, que tem apenas três anos e meio de plantada, apresenta, apesar disso, o característico de uma mato frondoso.

Uma nota interessante e que impressionou vivamente o benemérito emissário da Liga da Defesa Nacional, foi a sua chegada receber a continência militar de um interessante filhinho do dr. Balthazar, que ainda parece não ter três anos de idade.

Depois das duas horas da tarde, começou o regresso a esta cidade, sendo Olavo Bilac acompanhado pelos membros da comissão organizadora das homenagens ao preclaro cidadão, que desta festa levará certamente uma recordação indelével.



Foto: cortesia Museu Municipal

*OBS: a Fazenda da Penha, na verdade eram duas. A da visita de Olavo Bilac localizava-se no Bairro Marina. Marina era o nome da esposa de Baltazar. Hoje há uma igreja católica no bairro Marina chamada Igreja da Penha.

Continua ...

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