Orgulho!

Orgulho!

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Marcus Tulius Cicerus empresta seu lugar para Khaled Mohamad al-Asaad


Khaled Mohamad al-Asaad
(1934, Tadmor [Palmira], Síria, 2015, Tadmor [Palmira], Síria.)

A partir de hoje, 30 de novembro de 2015, o blog trocou de nome.

Voltarão para Roma as sábias palavras de Marcus Tulius Cicerus, "Historia testis temporum, lux veritatis" e virá do Berço da Humanidade, da Síria, da cidade de Palmira, um novo título, o do arqueólogo que aprendi a conhecer, respeitar e chorar pelo seu assassinato para o qual não tenho palavras.


Oitenta e um anos de sabedoria. A existência dele associada ao seu trabalho
em prol da arqueologia foram um presentes aos homens!

O arqueólogo tinha 81 anos quando foi executado em praça pública, na frente de uma multidão de bestas, seu corpo profanado, pendurado num poste com sua cabeça aos pés. Seus braços estavam amarrados para cima e seu corpo encharcado de sangue. 

Foi interrogado durante um mês. Chris Doyle, diretor do Conselho de Entendimento Arábico-Britânico, afirmou que uma fonte síria o informara que o arqueólogo havia sido interrogado pelo EI sobre a localização dos tesouros de Palmira e executado quando se recusou a cooperar.


O arqueólogo junto aos reis da Espanha

Carregava um cartaz redigido pelos seus carrascos,  com palavras horripilantes que me fizeram lembrar as vítimas do nazismo que por uma vertente de razões, eram enforcadas, penduradas em praça pública com cartazes pendurados junto ao peito "esclarecendo" ao público o motivo daquela barbárie.

"Representante da Síria em conferências infiéis, gestor da coleção de ídolos de Palmira, leal ao Presidente da Síria, Bashar al-Asaad ..."


Dois dos seus filhos junto à homenagem ao pai

O arqueólogo Khaled tinha 81 anos e ajudou a preservar os tesouros arqueológicos durante meio século. Ele próprio era um tesouro para a arqueologia. Durante 50 anos ajudou a descobrir e a preservar muitas das peças do gigantesco e inestimável "puzzle" que é a cidade de Palmira, patrimônio da UNESCO que caiu nas mãos do autoproclamado Estado Islâmico em maio de 2015.

Howard Carter de Palmira



Para Amr al-Azm, antigo diretor dos laboratórios de ciência e conservação da Síria, era "impossível escrever sobre a história de Palmira", ou sobre qualquer coisa relacionada com Palmira, sem mencionar o trabalho de Khaled al-Assad.

"É como falar sobre Egiptologia sem referir Howard Carter"  , disse Amr al-Azm ao jornal britânico  The Guardian, referindo-se ao arqueólogo inglês que descobriu o túmulo de Tutankhamon, em 1922.

A Veneza de Areia

Assim conhecida, a antiga cidade síria de Palmira está localizada na beira de um oásis de palmeiras e jardins. Era um centro rico de caravanas entre os séculos I e III, às vezes independente e em outros momentos sob controle de Roma.

Inacabado, o teatro romano remonta ao século II d.C., quando Palmira era um dos centros culturais mais importantes do mundo antigo. Em meados do século XX, foi restaurado e utilizado como um local para o festival anual de Palmira...




Um oásis cultural
Tetráfilos

Ainda hoje, a paisagem está repleta de colunas greco-romanas antigas, arcos, templos e anfiteatros. Parte deste patrimônio já foi destruído, como o Templo de Bel (séc. I d.C.)


Templo de Bel - DESTRUÍDO!

Obras publicadas por Khaled Mohamad al-Asaad

Asaad, Khaled (1980). Nouvelles découvertes archéologiques en Syrie. Damascus. Direction général des antiguités  et des musées.

Asaad, Khaled; Bounni, Adnan (1984), Palmyra, Geschischte, Denkmäler, Museum. Damascus.

Asaad, Khaled (1995). "Restoration Work at Palmyra". ARAM Periodical.

Gawlikowski, Michael; Asaad, Khaled (1995). Palmyra and the Aramaeans. ARAM periodical 7. Oxford: The ARAM Society for Syro-Mesopotamian Studies.

domingo, 29 de novembro de 2015

What's goin' on?

Twenty-five years
[...]
I said, hey! What's goin' on?
[...]

Vinte e cinco anos
[...]

Eu disse: hey! O que está acontecendo?
[...]

What's Up?
4 Non Blondes

En passant, matando uma saudade do Oasis

[...]
"Times are hard,
when things have got no meaning
[...]

"Tempos são difíceis
quando coisas não tem significado algum"

Stand by me, Oasis.

Olhe as estrelas, veja como elas brilham para você e por tudo o que você faz [...], Yellow, Coldplay

Look at stars
Look how they shine for you
And all the things that you do
[...]

sábado, 28 de novembro de 2015

Cano de Johann Palchebel


Maravilhosa interpretação de James Gallaway, como parte da trilha sonora da  série "Cosmos" de Carl Sagan.

O Berço da Humanidade vai desparecer!

Museu de Aleppo, Síria
A Síria, juntamente com o Iraque, compuseram o BERÇO DA HUMANIDADE

O VILAREJO QUE CONSEGUIU DERROTAR A PESTE NEGRA

Albrech Dürer - Os quatro cavaleiros do apocalipse
Fome-Guerra_Peste-Morte
Em apenas oito dias de agosto de 1667, Elizabeth Hancock perdeu seus seis filhos e seu marido. Cobrindo a boca com um lenço para evitar o cheiro da decomposição, ela arrastou os corpos para um campo próximo e enterrou-os.
Os parentes de Hancock foram vítimas da peste negra, a praga mortal que atingiu a Europa deforma intermitente entre os séculos XIII e XVII, matando cerca de 150 milhões de pessoas.
A epidemia ocorrida de 1664 a 1666 foi particularmente grave e o último grande surto da doença na Inglaterra. Apenas em Londres morreram cerca de 100 mil pessoas, ou um quarto da população da cidade.


Lápides de Eyam são testemunhas do sacrifício
de um pequeno povoado na Inglaterra
Em meio à devastação, o vilarejo de Eyan, lar da família Hancock, virou palco de um dos episódios de autossacrifício mais heroicos da história da Grã-Bretanha - e foi um dos principais motivos pelos quais a disseminação da doença foi interrompida.
Eyan fica a cerca de 56 quilômetros de Manchester e tem, atualmente, cerca de 900 habitantes. É um típico vilarejo do interior da Inglaterra: tem pubs, cafés aconchegantes e uma igrejinha idílica.


Local onde Elizabeth Hancock enterrou sete membros de sua família
Há 450 anos, porém, só se via a destruição causada
pela peste negra: ruas vazias, portas marcadas com cruzes brancas e sons de agonia de pacientes moribundos atrás dessas portas fechadas.
A peste chegou a Eyan no verão (inverno no hemisfério sul) de 1665, quando um comerciante de Londres enviou a Hadfield, George Wickers que acabou agonizando até a morte. Em breve, toda a sua família contrairia a doença e morreria. Até aquele momento, a doença estava restrita ao sul da Inglaterra.
Apavorados com perspectiva de a praga se espalhar pelo norte, destruindo cidades e comunidades, os moradores perceberam que só tinham uma opção: a quarentena.


Pedras como esta delimitavam limites que não podiam ser
ultrapassados por moradores

Isolamento

Sob a orientação do padre anglicano William Mompesson, eles decidiram se isolar, criando um perímetro delimitado por uma barreira de pedras que eles prometeram não ultrapassar - até aqueles  que não apresentavam sintomas.
"Isso significava que eles não podiam evitar o contato com a doença", explica Catherine Rawson, secretária do Eyan Museum, que conta o caso em detalhes.
Também significava que era preciso fazer planos cuidadosos para assegurar que os moradores ficassem dentro dos limites e que outras pessoas fossem mantidas do lado de fora, mas que aqueles que estavam em quarentena ainda pudessem receber alimentos e outros mantimentos que precisavam.
Os moradores estabeleceram um sistema de barreiras feitas com pedras com pequenos buracos, onde deixavam moedas empapadas de vinagre, que acreditavam ter ação desinfetante. Comerciantes de vilarejos vizinhos pegavam o dinheiro e deixavam carne, grãos e enfeites em troca.
Atualmente é possível visitar a barreira de pedras. Localizadas a menos de um quilômetro do vilarejo, essas pedras chapadas e ásperas viraram uma atração turística. Para honrar as vítimas da doença, até hoje as pessoas deixam moedas nos buracos, que ficaram menos marcados com o tempo - e com crianças colocando os dedos dentro deles. 
Ainda não há consenso sobre a forma como a notícia da quarentena foi recebida pelos moradores. Alguns tentaram deixar o local, mas aparentemente a maioria aceitou seu dia de forma estoica e pediu a Deus para continuar viva.



Doze esqueletos do século XIV foram descobertos a dois metros e meio de profundidade
em Charterhouse Square, centro de Londres. No século XVI, a peste matou 50% da população inglesa.

'A peste, a peste'

Mesmo se tivessem deixado o local, ele certamente não seriam bem recebidos em outros lugares. Uma mulher saiu de Eyam para ir ao mercado do vilarejo de Tidesweel, a 8km de distância. Quando as pessoas perceberam de onde ela vinha, atiraram comida e lama, aos gritos de "a peste, a peste!".
À medida que as pessoas foram morrendo, o vilarejo começou a entrar em colapso. Estradas começaram a desmoronar e o mato dominou os jardins. 
Ninguém fez a colheita das plantações e os moradores passaram a depender de alimentos trazidos de outros locais.
Eles estavam vivendo com a morte, literalmente, na esquina, sem saber que seria a próxima vítima de uma doença que ninguém entendia. A peste de 1665 provavelmente lembrou o ebola em 2015, mas com ainda menos conhecimento médico.
Foram tomadas algumas providências para tentar impedir a disseminação da doença. Na primeira metade de 1666, 200 pessoas morreram.
Após a morte do homem responsável pelas lápides, os moradores passaram a gravar suas própria. 
Alguns como Elizabeth Hancock, enterraram eles mesmos os seus mortos, carregando os corpos das vítimas por meio de cordas amarradas aos pés delas para evitar contato com o morto.
Missas eram feitas ao ara livre para evitar a propagação da doença, mas em agosto de 1666 os efeitos foram devastadores: 267 pessoas, de UMA POPULAÇÃO DE 344, haviam morrido.
Acreditava-se que aqueles que não pegaram a doença tinham uma característica especial - hoje, especula-se que fosse um cromossomo - que impedia a contaminação. Outros acreditavam que rituais supersticiosos (como fumar tabaco) ou preces fervorosas paralisavam a doença.
A mulher de William Mompesson, Katherine, percebeu que o ar estava adocicado uma noite antes de apresentar sintomas - só por isso ele soube que ela sido infectada. Ironicamente, o odor agradável surgia quando as glândulas olfativas detectavam que os órgãos internos do paciente estavam apodrecendo.
"Isso e a crença dos moradores de que doenças eram transmitidas pelo ar os levaram a usar máscaras com ervas dentro", diz Aldridge. "Alguns chegavam a sentar em tubulações de esgoto: pensavam que a praga não poderia atingi-los em um local que cheirava tão mal".
Após 14 meses, a doença se auto-consumiu, desaparecendo quase tão subitamente quanto apareceu. A vida voltou ao "normal" e o comércio se restabeleceu de forma relativamente rápida porque a mineração de chumbo, a maior fonte de riqueza de Eyam, era muito valiosa para ser ignorada.
Hoje o vilarejo se transformou em uma cidade-dormitório para quem trabalha em Sheffield e Manchester, mas ainda há fazendas centenárias no caminho.
Para que visita a cidade, uma das coisas mais impressionantes são as placas verdes que foram postas nas casas de campo atingidas pela peste. Muitas listam inúmeros membros que cada família perdeu.
As placas são uma lembrança constante para os habitantes do norte da Inglaterra de que eles e seus ancestrais podem dever suas vidas a esse corajoso povoado.


Catacumbas de Paris com esqueletos de milhares de mortos pela peste


Reportagem BBC Britain
Eleanor Ross
20 de novembro de 2015
Texto original em inglês (clique nesta frase).

terça-feira, 24 de novembro de 2015

AMÉRICA: INDEPENDÊNCIAS - TRABALHO PARA OS MEUS ALUNOS

INDEPENDÊNCIAS
Voltaire Schilling
Historiador

A festa e a parada

Não importa o tamanho da comunidade, sejam nas megalópolis como Nova Iorque ou Los Angeles, sejam nos minúsculos condados da Nova Inglaterra ou os rincões perdidos do Arizona, quando se trata do 4 de julho -  a data nacional dos Estados Unidos da América - todos norte-americanos entram em ebulição. Nesse dia festivo, o povo inteiro sai às ruas para celebrar. São desfiles de bandas, com as indefectíveis(1) balizas, carros alegóricos exibindo os orgulhos locais, rojões por todos os lados e, no fim do desfile, os veteranos sobreviventes, os madurões ou velhinhos, que participaram das guerras da América. À noite, a festa cívica termina invariavelmente com um baile e uma barulhenta explosão de estrelas e fogos de artifício. Que DIFERENÇA do que por aqui se passa, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Na América do Norte a independência resultou de uma revolução popular, aqui um acerto, ou um conflagração exclusivamente militar onde o povo nativo não teve quase que nenhuma participação. A representação figurada dessa independência sem povo reflete-se na parada do 7 de setembro entre nós, ou no 9 de julho argentina: as forças armadas desfilam e a multidão ao lado, passiva(2), separada delas pelo cordão de isolamento, aplaude.


Os tipos de independência

A independência das Américas não foi, como se sabe, conseguida num só ímpeto, num repente. Ao contrário, resultou de um processo relativamente moroso (3), da crise do Sistema Colonial, iniciado com a Revolução Americana de 1776-1783, radicalizando-se com a Revolução Haitiana de 1791-1804 e, finalmente, concretizando-se entre 1810-1825, com a liberação das ex-colônias ibéricas, espalhadas da fronteira com os Estados Unidos até a Terra do Fogo. Durou, pois na sua totalidade, quase meio século. Como não  poderia deixar de ser, cada um desses episódios, o norte-americano, o haitiano e o hispânico-brasileiro, apresentou particularidades muito próprias.


A Revolução Americana

A Revolução Americana, por exemplo, se foi incapaz de abolir com a escravidão, inovou no terreno das formas políticas. Ela erigiu(4) pela primeira vez no mundo ocidental uma República Federativa Presidencialista, aprovada na Constituição de 1787, na cidade da Filadélfia, baseada na autonomia dos três poderes. Um sistema onde a representação popular se fazia presente em praticamente todas as esferas do governo e dos poderes, sendo que a maioria dos magistrados eram eleitos pelo voto direto dos cidadãos (apenas os homens livres). O federalismo(5), por sua vez, garantia que os pequenos estados, além de preservarem suas constituições, tivessem uma autonomia respeitada e os direitos de representação senatorial quase equivalente aos dos estados bem maiores.


A Revolução Haitiana

Haitiano, proveniente do Acre, desembarcando em Porto Alegre, RS
Quinze anos depois de ter-se iniciado a revolução Americana, um ex-cativo haitiano chamado Toussaint L'Overture, o jacobino negro, liderou a partir de 1791 a mais radical revolução de escravos da história moderna: a revolução haitiana, que, entre idas e vindas, se estendeu até 1804. Ela foi a mais radical de todas porque praticamente eliminou fisicamente toda a pequena classe de senhores de terras brancos, de origem francesa, que eram os principais responsáveis pela produção de açúcar daquela ilha caribenha. Como não poderia deixar de ser, a escravidão foi abolida e a independência alcançada, graças à vitória que Jacques Dessalines obteve em Vertiers contra o general francês Rochambeau, mas o Haiti foi incapaz de criar mecanismos institucionais democráticos.
A partir de 1804, aquela meia-ilha de São Domingos, foi governada por terríveis tiranias. A revolução dos escravos, por sua vez, além de encher de medo, colocou em estado de alerta o resto da América escravista. A solução de independência negociada que terminou sendo adotada no Brasil, o maior império escravista do mundo naquela época, de certo modo foi decorrente do pavor que a rebelião haitiana provocara.


A revolta dos crioulos(6)

Simon Bolivar, o Libertador

Com a ocupação das terras da Espanha pelos exércitos de Napoleão Bonaparte, a partir de 1808, e a insurgência(7) e dos padres contra o invasor que se generalizou por toda a Península Ibérica(8), os lados que mantinham os vice-reinados espanhóis da América com a metrópole começaram a ser desfeitos. As oligarquias crioulas hispânicas (latifundiários, grandes comerciantes, membros da burocracia civil e militar), inspirando-se no exemplo dos norte-americanos de 1776, e explorando uma certa hesitação da poderosa igreja católica colonial, viram na desordem que acometia o Reino, a oportunidade de também lutarem pela independência.
Em cada canto do colossal império hispano-americano surgiu, a partir de 1810, um "Libertador":

Bolivar (na atual Venezuela);
San Martin (na Argentina);
Artigas (no Uruguai);
Sucre (na Bolívia);
O'Higgins (no Chile);
Santander (na Colômbia);
Francia (no Paraguai);
Itúrbide (no México), etc.

Em nenhum deles, talvez com exceção do caso Uruguai, registrou-se uma participação popular significativa.
Desde as terras mexicanas, passando pela Cordilheira dos Andes, chegando até a Patagônia, os antigos vice-reinos espanhóis (da Nova Espanha, da Nova Granada, do Peru e do Prata), fragmentaram-se, depois de 15 anos de guerras, em inúmeras repúblicas. Essa conquista da autonomia ao peso de socorrer-se das armas, fez com que inevitavelmente as instituições civis se fragilizassem perante a soberba dos militares. Portanto, as constituições republicanas, outorgadas(9) ou proclamadas pelo continente liberado, inspiradas na norte-americana, na maioria das vezes reduziu-se a letra morta(10). O regimento interno do exército e a vontade de um general quase sempre se sobrepunha à normalidade constitucional, quase sempre tumultuada pelos "pronunciamientos" dos comandantes militares.



José Bonifácio, o Patriarca da Independência

Num primeiro momento, as forças pró-independência no Brasil tentaram a via insurrecional(11), com o fracassado levante autonomista de 1817 no Nordeste (que voltou à cena da política nacional com o movimento republicano-separatista da Confederação do Equador de 1824). O temor porém que ocorresse um super-Haiti ou uma longa e dolorosa guerra fraticida como estava ocorrendo nos outros países vizinhos, fez com que as oligarquias brasileiras refletissem em busca de uma ou outra solução, uma terceira via entre a terrível matança de brancos que a revolução dos escravos haitianos provocara e a guerra contra a metrópole  espanhola. Daí independência brasileira procurar navegar em águas mais calmas da solução negociada e conciliatória. A saída encontrada, com o empenho especial de José Bonifácio , foi convencer o Príncipe Regente português D. Pedro de Alcântara a aceitar romper com as Cortes metropolitanas, ao mesmo tempo em que por aqui - seguindo o exemplo do General Itúrbide do México (que proclamou-se imperador como Augustin I) -, entronavam-no como Imperador do Brasil, tornando-se D. Pedro I. Para evitar uma calamitosa rebelião das senzalas e por força do espírito iluminista a que aderira, José Bonifácio estudou a possibilidade de uma proibição progressiva do tráfico de escravos que demandava uns cinco ou seis anos, bem como apresentou à Constituinte de 1823, um projeto que visava a abolição. Não conseguiu nenhum dos intentos(12).


A conciliação

Com a adoção vitoriosa dessa política de conciliação (entre os interesses de uma independência inevitável e uma dinastia que aqui garantiria os interesses de continuidade dos portugueses) liderada pelos irmãos Andrada:

* mantinha-se ainda um lado afetivo e dinástico com o Reino de Portugal, dando continuidade à soberania civil e à integridade territorial do ex-Império Colonial Português).

* contornava-se a praga caudilhista(13) que assolava o resto da América espanhola e, evitando a sucessão de tiranos militares, ou a intermitente guerra intra-caudilhista que infelicitava os países latino-americanos.

 * impedia-se que uma guerra civil de longa duração contra a metrópole "contaminasse" as senzalas levando-as à rebelião sangrenta e vingativa.


A exceção baiana

A resistência maior a esse acordo, além de outros focos de intransigência(14), como ocorreu em Belém do Pará, deu-se por parte do General Madeira de Mello, o comandante português da Bahia, talvez a província mais rica do Brasil naquela época, que rebelou-se contra a solução negociada, negando-se a reconhecer a autoridade de D. Pedro I, bem como sua ordem para que regressasse a Portugal. Por isso, até hoje, os baianos celebram a data da independência num dia especial, o 2 de julho de 1823, quando as tropas portuguesas cercadas pelo General Lima e Silva e pelo Almirante Cochrane, reembarcaram em Salvador de volta para a metrópole.






domingo, 22 de novembro de 2015

Massacre terrorista e geração Bataclan - fragmento

[...]

          A "guerra" e a política de repressão não bastam. É preciso também compreender como esses terroristas chegaram a ser o que são ou foram. Ninguém nasce terrorista. Torna-se. Quais são as causas? Compreender é a condição da ação política. Examinar as causas históricas é fundamental. Desde os anos 1950 que os Estados Unidos e o Ocidente contribuem para desestabilizar o Oriente Médio (Irã, Iraque, Afeganistão, Síria, Líbano, Iêmen),


O que deve pensar um iraquiano ou mesmo um árabe ao ver uma foto assim?
Por que o soldado dos EUA está sorrindo junto a um rapaz seminu, morto ou vivo, não sei?

favorecendo guerras, terror e derrubadas de governos, alianças religiosas e políticos como bodes expiatórios. O resultado é a desordem política, militar e cultural que favoreceu vagas de terrorismo e da extrema-direita. 
          O islamismo radical aproveitou-se da miséria da juventude ligada à imigração na Europa e da falta de perspectivas para ela. As desigualdades econômicas e sociais e certo apartheid criaram as condições favoráveis ao recrutamento desses meninos. E, outras palavras, a desigualdade econômica



econômica e social desempenham um papel político tão importante nisso tudo quanto os fatores religiosos considerados nesse fascínio pelo ódio ao outro, pela guerra e pela pureza. Os fatores religiosos não explicam tudo. A globalização das informações permite que tudo seja visto. A mídia, principalmente as redes sociais, são acumuladores de boatos, de ressentimentos e de fechamento comunitários.
[...]
MASSACRE TERRORISTA E GERAÇÃO BATACLAN
Dominique Wolton, sociólogo e pesquisador francês.
Correio do Povo, 21 de novembro de 2015.



Para as gerações mais novas e as mais esquecidas: 
o Velho Mundo já teve seus grupos 
terroristas da pesada:


Baader-Meinhof  (1970), Alemanha. Na foto Andreas Baader e Ulrike Meinhof, líderes.
Sequestros, assaltos e assassinatos fizeram parte do cardápio.
O IRA (Exército Republicano Irlandês) foi a causa do ataque no Hyde Park, Londres no qual morreram
quatro soldados ingleses cavalarianos e mais sete cavalos.
O ataque aconteceu durante uma parada comemorativa.
Enterro de um dos cavalarianos
Corpo do chanceler Aldo Moro, assassinado pelas Brigadas Vermelhas (1978) na Itália

LÓGICA HIPERMODERNA DO MARTÍRIO - FRAGMENTO

[...]      
          Eles querem mártires. A noção de martírio tinha perdido o sentido nos últimos 50 anos. Cultivamos o prazer, a festa, a alegria e a leveza. Não a morte. Ninguém mais queria morrer por uma causa. Isso poder ter ainda acontecido


Tapetes e mais tapetes de mártires da Segunda Guerra Mundial e para quê?

na II Guerra Mundial. Morria-se por uma nação. O que está acontecendo? Será o retorno de valores tradicionais de uma cultura totalmente diferente da nossa? Não, o comportamento desses jovens é paradoxalmente um efeito da sociedade da leveza, que pelo hiperconsumismo, nos últimos 50 anos, devastou todas as formas tradicionais de enquadramento social. Ninguém mais controla o comportamento dos indivíduos. Entramos numa época de desorientação sistemática. Para a maioria das pessoas o mal-estar dessa sociedade traduz-se em depressão, estresse, ansiedade e outras doenças psicossomáticas. Há porém, pessoas que reagem de outra forma a esse vazio. O jihadismo prospera graças a esse vazio terrível. Com seus gurus, toma conta de desesperados, encontrados muitas vezes nas prisões ou na internet, oferecendo-lhes conforto e uma missão. São pessoas que se radicalizam em algumas semanas ou meses.
[...]
LÓGICA HIPERMODERNA DO MARTÍRIO
Gilles Lipovetsky
Correio do Povo, 21 de novembro de 2015. 

UM CLÁSSICO MARAVILHOSO NUMA INTERPRETAÇÃO INACREDITÁVEL


As trilhas sonoras dos filmes de Quentin Tarantino é seleção de primeira!

sábado, 21 de novembro de 2015

A GUERRA NO CORAÇÃO DE PARIS

          A edição de sábado do Correio do Povo contemplou o leitor com várias análises de intelectuais não somente sobre os atentados mais recentes, a queda do avião civil russo, Paris e Damako, capital do Mali, mas também sobre todos, passados, presentes e futuros.
          TODOS, excelentes, fortes e realistas.
          Selecionei o do sociólogo, filósofo e pesquisador francês Edgar Morin. Judeu de origem sefardita vive na França e escreveu do alto da sabedoria dos seus 94 anos:
Edgar Morin



A GUERRA NO CORAÇÃO DE PARIS

          Não são mais atentados. Com uma ação mortífera e massiva praticada ao mesmo tempo em seis pontos, a estratégia, logo a guerra, entrou em Paris. Havia militantes do Estado Islâmico por toda parte, aqui e lá. O Daech (EI ou em inglês, ISIS) está entre nós. Não se trata de uma guerra de religiões. Mas da guerra de uma seita fanática originária do islamismo contra toda a sociedade, inclusive contra os muçulmanos, um totalitarismo religioso de alguns contra todos.
          Lembremos que as fontes do Estado Islâmico são estranhas ao islamismo, constituindo uma minoria demoníaca que crê lutar contra o Diabo, ou seja, contra o Ocidente, especialmente contra os Estados Unidos, que foram aprendizes de feiticeiros alimentando as forças cegas que agora se desencadearam de maneira incontrolável.
          Cabe acrescentar que temos o direito de reagir. Paremos de nos santificar. Continuemos a denunciar as suas monstruosidades, aqui e lá, mas não sejamos cegos em relação às nossas monstruosidades. Pois nós também praticamos, à maneira ocidental, mortandades e terror. Os drones e mísseis atingem principalmente alvos civis, não militares.


Não é Paris não, é Belgica, também Velho Mundo.
Segundo noticiam, pela Bélgica circula um mastodôntico tráfico de armas de todas as vertentes e para todos os pólos.
          Só podemos fazer a Guerra para destruir o Estado Islâmico na França, transformando-nos em Estado policial militarizado. O que precisamos, então, fazer para combater eficazmente esse inimigo? A resposta é simples: fazer a paz no Oriente Médio. Para ganhar a guerra na França, precisamos a paz no Oriente Médio.
          O papel fecundo da França teria sido não o de apoiar os ataques americanos, que não podem ganhar essa guerra, nem fazer parte de uma coalização fraca, feita de apenas alguns inimigos do Estado Islâmico, mas trabalhar por uma coalização geral dos menos bárbaros (entre os quais a Rússia, o Irá e nós mesmos) contra os mais bárbaros de todos.
          Teria sido preciso evitar a exigência da deposição de Bashar Al-Assad como ponto de partida para o fim dos massacres na Síria. O certo teria sido pedir o fim dos massacres na Síria como prioridade absoluta. Como o ditador sírio tem apoio da Rússia, quantos milhões de mortos serão ainda necessários antes da eliminação de Bashar?
          O bom papel da França deveria ter consistido em conciliar Putin e Obama, unir as nações ou organizações sunitas e as nações ou organizações xiitas contra o inimigo comum mais perigoso, o Estado Islâmico, como um cessar-a-morte na Síria e no Iraque.
          A França não deveria ter feito coro à pretensão estúpida de reconstituir o Iraque, cujo Estado e nação foram destruídos pela guerra de George Bush. Nem deveria ter sonhado com a reconstituição da Síria. Deveria ter fixado objetivos de paz, única resposta possível ao califado do terror, uma Confederação do Oriente Médio respeitando as religiões, cultos e diversas culturas da região, parando assim a hemorragia que sangra as minorias.


Yazidis, minoria do Iraque, fugindo a pé devido às perseguições étnicas

Yazidis aguardando o embarque para o Curdistão, fugindo do Iraque
          Enfim, é preciso dizer que a guerra contra o Estado Islâmico só será ganha com a paz na Síria e na sua periferia. Mas nada foi feito em profundidade por uma verdadeira integração nacional através de uma escola capaz de ensinar a natureza histórica multicultural da França. Nem pela luta na sociedade contra as discriminações. Só a paz na Síria eliminará o fantasma da purificação e da redenção pelo dom de si que, unindo romantismo e fanatismo, empurrou e continua empurrando jovens para um atroz campo de batalha.





Publicado no jornal Correio do Povo em 21 de novembro de 2015.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Para uma alma cansada ...


 Johann Pachelbel
Canon in D Major

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Da França provém uma das minhas músicas preferidas ...


 l'amour c'est comme un jour
numa interpretação inesquecível 
de Charles Aznavour




A França povoa meus livros de História. 
Tornou-se um símbolo
dos povos supliciados por forças malignas, que contabilizam sadicamente 
suas macabras estatísticas de horrores.
As provações haverão de ter um fim.



Queremos um mundo em que o homem aprecie a natureza, [...]

"Queremos um mundo em que o homem aprecie a natureza, 
viva cercado por ela e admire a castanheira, viva, na floresta, 
não como uma bela tábua em sua casa".


       

José Clàudio e uma gigantesca castanheira

Enterro de José Cláudio e Maria
HÁ QUASE QUATRO ANOS

        Em 24 de novembro de 2011, o casal de líderes extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foi executado na cidade de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, cidade a 390 quilômetros de Belém.
        A suspeita recaiu sobre madeireiros da região. José Cláudio era considerado sucessor de Chico Mendes, em referência ao líder dos seringueiros do Acre, morto em 1988 por sua defesa da Amazônia.

Enterro de Chico Mendes (1988)
        O casal havia acabado de sair do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, localizado a cerca de 50 quilômetros da sede do município de Nova Ipixuna, quando foi cercado em uma ponte por pistoleiros.
        O casal vinha recebendo ameaças de madeireiros desde 2008. Desconhecidos costumavam rondar a residência do casal disparando vários tiros para tentar intimidá-los. José Cláudio da Silva era um dos principais defensores da preservação da floresta amazônica após a morte de Chico Mendes e constantemente fazia denúncias sobre o avanço ILEGAL na área de preservação onde trabalhavam madeireiros para extração de espécies como castanheira, angelim e jatobá.

"Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito. Por isso eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque eu vou pra cima, eu denuncio os madeireiros, eu denuncio os carvoeiros e por isso eles acham que eu não posso existir".

"A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo. A mesma coisa que fizeram com a Irmã Dorothy querem fazer comigo. Eu estou aqui conversando com vocês, daqui um mês vocês saber a notícia que eu desapareci. Me perguntam: tenho medo? Tenho, sou um ser humano, mas o meu medo me cala. Enquanto eu tiver força pra andar eu estarei denunciando aqueles que prejudicam a floresta".

A freira estadunidense, Dorothy Stang jaz em meio a uma trilha na floresta, covardemente assassinada (2009)

domingo, 15 de novembro de 2015

O ESTADO ISLÂMICO É A SOMA DE TODOS OS ERROS DO ORIENTE MÉDIO

     
        O MUNDO EM ESTADO DE TORPOR

O breu do fundamentalismo!

        O ataque às torres gêmeas em 2001 recrudesceu vinganças multifacetadas e generalizadas. 
        Plantou terreno fértil para fundamentalistas tresloucados afiarem suas garras para cravá-las indiscriminadamente.


Bataclan pouco antes do ataque do EI

        Pouco tempo depois sobrou para o outrora magnífico Afeganistão padecer o resto dos seus pecados nas garras da águia americana. O cheiro dos russos ainda pairava no ar e os feiticeiros talibãs fortemente armados pelos EUA, contra eles voltaram seu feitiço. Sem sossegar enquanto Osama Bin Laden não virava defunto, valeu tudo para destruir o Talibã, sobrando para a população civil indefesa e para o país em estado de ruínas. Numa paranoia interminável até as cavernas de Tora Bora foram bombardeadas por foguetes de última geração.


Bagdá sob ataque dos Estados Unidos da América (2003)

Cidade histórica da Síria sendo destruída paulatinamente pelo EI

Cavernas de Tora Bora sendo pulverizadas por ataques aéreos dos Estados Unidos da América


Faixa de Gaza

Vítimas do bombardeio à Faixa de Gaza

Esta cena fez-me lembrar das matanças nazis cujas vítimas cavavam suas próprias covas para depois cair nelas

Beirute, Líbano, em atentado recente

Hospital de Kunduz, Afeganistão, mantido pela ONG Médicos Sem Fronteiras atacado "por engano" pelos EUA

        Após um dia de 2003, o Iraque foi invadido e destruído pelos EUA. Havia muito tempo ele vinha sofrendo um embargo impiedoso a ponto de faltar artigos médicos de primeira necessidade nos hospitais iraquianos. É só olhar a procedência de grande parte das medicações que compõem as prateleiras farmacêuticas, para entender o tamanho da dependência externa da maioria dos países no quesito remédio ... e mais o resto ...
        Os Estados Unidos da América, apoiados por forças de coalização que avalizaram o ataque e sem a aprovação da Organização das Nações Unidas pulverizaram a Terra Entre Rios, berço da humanidade. Instalou-se um vácuo de poder.
        Saddam foi encontrado numa toca, rapidamente julgado e enforcado (2006). Naquele momento o Iraque já estava mergulhado num caos de vertentes múltiplas e com as forças armadas estadunidenses pintando e bordando. O Iraque nunca se recuperou.
        E um milagre aconteceu: Osama finalmente foi assassinado, as coisas têm de melhorar agora ...
        Em 2011 mais uma pedra no sapato do ocidente tinha sido eliminada: Muammar al-Gaddafi, o ambíguo ditador da Líbia. E desde então, a Líbia virou uma esculhambação, sem governo, sem rumo, com fuga em massa de civis e relatórios infinitos de atrocidades.
        Ok! Galhos quebrados!
        Mas, o que aconteceu em Gaza em 2014? Não era para estar tudo mais calmo, pacificado? Por causa de loucos terroristas, centenas de palestinos espremidos e sem ter para onde fugir/refugiar foram moídos pela mais fabulosa máquina de guerra depois dos EUA, a de Israel.
        Só faltava jogar uma bomba atômica na Pérsia, mas estranhamente os ímpetos arrefeceram e um acordo aconteceu entre as históricas partes beligerantes.
        Enfim, a paz reina ... Paz?


Massacre de Garissa, Universidade do Quênia
30 de setembro de 2013
        Parece então que "algo" deu errado ... Tal como um câncer metastático e mortífero, fundamentalistas tresloucados infiltraram-se pelas brechas disponíveis deixadas pela ausência de governo, alimentados pela histórica desunião árabe, pela pobreza, ignorância e síndromes de terras esquecidas.
        Primavera Árabe, estranha esta paz.






Sofrimento sem fim na Turquia!