Orgulho!

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terça-feira, 24 de novembro de 2015

AMÉRICA: INDEPENDÊNCIAS - TRABALHO PARA OS MEUS ALUNOS

INDEPENDÊNCIAS
Voltaire Schilling
Historiador

A festa e a parada

Não importa o tamanho da comunidade, sejam nas megalópolis como Nova Iorque ou Los Angeles, sejam nos minúsculos condados da Nova Inglaterra ou os rincões perdidos do Arizona, quando se trata do 4 de julho -  a data nacional dos Estados Unidos da América - todos norte-americanos entram em ebulição. Nesse dia festivo, o povo inteiro sai às ruas para celebrar. São desfiles de bandas, com as indefectíveis(1) balizas, carros alegóricos exibindo os orgulhos locais, rojões por todos os lados e, no fim do desfile, os veteranos sobreviventes, os madurões ou velhinhos, que participaram das guerras da América. À noite, a festa cívica termina invariavelmente com um baile e uma barulhenta explosão de estrelas e fogos de artifício. Que DIFERENÇA do que por aqui se passa, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Na América do Norte a independência resultou de uma revolução popular, aqui um acerto, ou um conflagração exclusivamente militar onde o povo nativo não teve quase que nenhuma participação. A representação figurada dessa independência sem povo reflete-se na parada do 7 de setembro entre nós, ou no 9 de julho argentina: as forças armadas desfilam e a multidão ao lado, passiva(2), separada delas pelo cordão de isolamento, aplaude.


Os tipos de independência

A independência das Américas não foi, como se sabe, conseguida num só ímpeto, num repente. Ao contrário, resultou de um processo relativamente moroso (3), da crise do Sistema Colonial, iniciado com a Revolução Americana de 1776-1783, radicalizando-se com a Revolução Haitiana de 1791-1804 e, finalmente, concretizando-se entre 1810-1825, com a liberação das ex-colônias ibéricas, espalhadas da fronteira com os Estados Unidos até a Terra do Fogo. Durou, pois na sua totalidade, quase meio século. Como não  poderia deixar de ser, cada um desses episódios, o norte-americano, o haitiano e o hispânico-brasileiro, apresentou particularidades muito próprias.


A Revolução Americana

A Revolução Americana, por exemplo, se foi incapaz de abolir com a escravidão, inovou no terreno das formas políticas. Ela erigiu(4) pela primeira vez no mundo ocidental uma República Federativa Presidencialista, aprovada na Constituição de 1787, na cidade da Filadélfia, baseada na autonomia dos três poderes. Um sistema onde a representação popular se fazia presente em praticamente todas as esferas do governo e dos poderes, sendo que a maioria dos magistrados eram eleitos pelo voto direto dos cidadãos (apenas os homens livres). O federalismo(5), por sua vez, garantia que os pequenos estados, além de preservarem suas constituições, tivessem uma autonomia respeitada e os direitos de representação senatorial quase equivalente aos dos estados bem maiores.


A Revolução Haitiana

Haitiano, proveniente do Acre, desembarcando em Porto Alegre, RS
Quinze anos depois de ter-se iniciado a revolução Americana, um ex-cativo haitiano chamado Toussaint L'Overture, o jacobino negro, liderou a partir de 1791 a mais radical revolução de escravos da história moderna: a revolução haitiana, que, entre idas e vindas, se estendeu até 1804. Ela foi a mais radical de todas porque praticamente eliminou fisicamente toda a pequena classe de senhores de terras brancos, de origem francesa, que eram os principais responsáveis pela produção de açúcar daquela ilha caribenha. Como não poderia deixar de ser, a escravidão foi abolida e a independência alcançada, graças à vitória que Jacques Dessalines obteve em Vertiers contra o general francês Rochambeau, mas o Haiti foi incapaz de criar mecanismos institucionais democráticos.
A partir de 1804, aquela meia-ilha de São Domingos, foi governada por terríveis tiranias. A revolução dos escravos, por sua vez, além de encher de medo, colocou em estado de alerta o resto da América escravista. A solução de independência negociada que terminou sendo adotada no Brasil, o maior império escravista do mundo naquela época, de certo modo foi decorrente do pavor que a rebelião haitiana provocara.


A revolta dos crioulos(6)

Simon Bolivar, o Libertador

Com a ocupação das terras da Espanha pelos exércitos de Napoleão Bonaparte, a partir de 1808, e a insurgência(7) e dos padres contra o invasor que se generalizou por toda a Península Ibérica(8), os lados que mantinham os vice-reinados espanhóis da América com a metrópole começaram a ser desfeitos. As oligarquias crioulas hispânicas (latifundiários, grandes comerciantes, membros da burocracia civil e militar), inspirando-se no exemplo dos norte-americanos de 1776, e explorando uma certa hesitação da poderosa igreja católica colonial, viram na desordem que acometia o Reino, a oportunidade de também lutarem pela independência.
Em cada canto do colossal império hispano-americano surgiu, a partir de 1810, um "Libertador":

Bolivar (na atual Venezuela);
San Martin (na Argentina);
Artigas (no Uruguai);
Sucre (na Bolívia);
O'Higgins (no Chile);
Santander (na Colômbia);
Francia (no Paraguai);
Itúrbide (no México), etc.

Em nenhum deles, talvez com exceção do caso Uruguai, registrou-se uma participação popular significativa.
Desde as terras mexicanas, passando pela Cordilheira dos Andes, chegando até a Patagônia, os antigos vice-reinos espanhóis (da Nova Espanha, da Nova Granada, do Peru e do Prata), fragmentaram-se, depois de 15 anos de guerras, em inúmeras repúblicas. Essa conquista da autonomia ao peso de socorrer-se das armas, fez com que inevitavelmente as instituições civis se fragilizassem perante a soberba dos militares. Portanto, as constituições republicanas, outorgadas(9) ou proclamadas pelo continente liberado, inspiradas na norte-americana, na maioria das vezes reduziu-se a letra morta(10). O regimento interno do exército e a vontade de um general quase sempre se sobrepunha à normalidade constitucional, quase sempre tumultuada pelos "pronunciamientos" dos comandantes militares.



José Bonifácio, o Patriarca da Independência

Num primeiro momento, as forças pró-independência no Brasil tentaram a via insurrecional(11), com o fracassado levante autonomista de 1817 no Nordeste (que voltou à cena da política nacional com o movimento republicano-separatista da Confederação do Equador de 1824). O temor porém que ocorresse um super-Haiti ou uma longa e dolorosa guerra fraticida como estava ocorrendo nos outros países vizinhos, fez com que as oligarquias brasileiras refletissem em busca de uma ou outra solução, uma terceira via entre a terrível matança de brancos que a revolução dos escravos haitianos provocara e a guerra contra a metrópole  espanhola. Daí independência brasileira procurar navegar em águas mais calmas da solução negociada e conciliatória. A saída encontrada, com o empenho especial de José Bonifácio , foi convencer o Príncipe Regente português D. Pedro de Alcântara a aceitar romper com as Cortes metropolitanas, ao mesmo tempo em que por aqui - seguindo o exemplo do General Itúrbide do México (que proclamou-se imperador como Augustin I) -, entronavam-no como Imperador do Brasil, tornando-se D. Pedro I. Para evitar uma calamitosa rebelião das senzalas e por força do espírito iluminista a que aderira, José Bonifácio estudou a possibilidade de uma proibição progressiva do tráfico de escravos que demandava uns cinco ou seis anos, bem como apresentou à Constituinte de 1823, um projeto que visava a abolição. Não conseguiu nenhum dos intentos(12).


A conciliação

Com a adoção vitoriosa dessa política de conciliação (entre os interesses de uma independência inevitável e uma dinastia que aqui garantiria os interesses de continuidade dos portugueses) liderada pelos irmãos Andrada:

* mantinha-se ainda um lado afetivo e dinástico com o Reino de Portugal, dando continuidade à soberania civil e à integridade territorial do ex-Império Colonial Português).

* contornava-se a praga caudilhista(13) que assolava o resto da América espanhola e, evitando a sucessão de tiranos militares, ou a intermitente guerra intra-caudilhista que infelicitava os países latino-americanos.

 * impedia-se que uma guerra civil de longa duração contra a metrópole "contaminasse" as senzalas levando-as à rebelião sangrenta e vingativa.


A exceção baiana

A resistência maior a esse acordo, além de outros focos de intransigência(14), como ocorreu em Belém do Pará, deu-se por parte do General Madeira de Mello, o comandante português da Bahia, talvez a província mais rica do Brasil naquela época, que rebelou-se contra a solução negociada, negando-se a reconhecer a autoridade de D. Pedro I, bem como sua ordem para que regressasse a Portugal. Por isso, até hoje, os baianos celebram a data da independência num dia especial, o 2 de julho de 1823, quando as tropas portuguesas cercadas pelo General Lima e Silva e pelo Almirante Cochrane, reembarcaram em Salvador de volta para a metrópole.






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