Orgulho!

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sábado, 21 de novembro de 2015

A GUERRA NO CORAÇÃO DE PARIS

          A edição de sábado do Correio do Povo contemplou o leitor com várias análises de intelectuais não somente sobre os atentados mais recentes, a queda do avião civil russo, Paris e Damako, capital do Mali, mas também sobre todos, passados, presentes e futuros.
          TODOS, excelentes, fortes e realistas.
          Selecionei o do sociólogo, filósofo e pesquisador francês Edgar Morin. Judeu de origem sefardita vive na França e escreveu do alto da sabedoria dos seus 94 anos:
Edgar Morin



A GUERRA NO CORAÇÃO DE PARIS

          Não são mais atentados. Com uma ação mortífera e massiva praticada ao mesmo tempo em seis pontos, a estratégia, logo a guerra, entrou em Paris. Havia militantes do Estado Islâmico por toda parte, aqui e lá. O Daech (EI ou em inglês, ISIS) está entre nós. Não se trata de uma guerra de religiões. Mas da guerra de uma seita fanática originária do islamismo contra toda a sociedade, inclusive contra os muçulmanos, um totalitarismo religioso de alguns contra todos.
          Lembremos que as fontes do Estado Islâmico são estranhas ao islamismo, constituindo uma minoria demoníaca que crê lutar contra o Diabo, ou seja, contra o Ocidente, especialmente contra os Estados Unidos, que foram aprendizes de feiticeiros alimentando as forças cegas que agora se desencadearam de maneira incontrolável.
          Cabe acrescentar que temos o direito de reagir. Paremos de nos santificar. Continuemos a denunciar as suas monstruosidades, aqui e lá, mas não sejamos cegos em relação às nossas monstruosidades. Pois nós também praticamos, à maneira ocidental, mortandades e terror. Os drones e mísseis atingem principalmente alvos civis, não militares.


Não é Paris não, é Belgica, também Velho Mundo.
Segundo noticiam, pela Bélgica circula um mastodôntico tráfico de armas de todas as vertentes e para todos os pólos.
          Só podemos fazer a Guerra para destruir o Estado Islâmico na França, transformando-nos em Estado policial militarizado. O que precisamos, então, fazer para combater eficazmente esse inimigo? A resposta é simples: fazer a paz no Oriente Médio. Para ganhar a guerra na França, precisamos a paz no Oriente Médio.
          O papel fecundo da França teria sido não o de apoiar os ataques americanos, que não podem ganhar essa guerra, nem fazer parte de uma coalização fraca, feita de apenas alguns inimigos do Estado Islâmico, mas trabalhar por uma coalização geral dos menos bárbaros (entre os quais a Rússia, o Irá e nós mesmos) contra os mais bárbaros de todos.
          Teria sido preciso evitar a exigência da deposição de Bashar Al-Assad como ponto de partida para o fim dos massacres na Síria. O certo teria sido pedir o fim dos massacres na Síria como prioridade absoluta. Como o ditador sírio tem apoio da Rússia, quantos milhões de mortos serão ainda necessários antes da eliminação de Bashar?
          O bom papel da França deveria ter consistido em conciliar Putin e Obama, unir as nações ou organizações sunitas e as nações ou organizações xiitas contra o inimigo comum mais perigoso, o Estado Islâmico, como um cessar-a-morte na Síria e no Iraque.
          A França não deveria ter feito coro à pretensão estúpida de reconstituir o Iraque, cujo Estado e nação foram destruídos pela guerra de George Bush. Nem deveria ter sonhado com a reconstituição da Síria. Deveria ter fixado objetivos de paz, única resposta possível ao califado do terror, uma Confederação do Oriente Médio respeitando as religiões, cultos e diversas culturas da região, parando assim a hemorragia que sangra as minorias.


Yazidis, minoria do Iraque, fugindo a pé devido às perseguições étnicas

Yazidis aguardando o embarque para o Curdistão, fugindo do Iraque
          Enfim, é preciso dizer que a guerra contra o Estado Islâmico só será ganha com a paz na Síria e na sua periferia. Mas nada foi feito em profundidade por uma verdadeira integração nacional através de uma escola capaz de ensinar a natureza histórica multicultural da França. Nem pela luta na sociedade contra as discriminações. Só a paz na Síria eliminará o fantasma da purificação e da redenção pelo dom de si que, unindo romantismo e fanatismo, empurrou e continua empurrando jovens para um atroz campo de batalha.





Publicado no jornal Correio do Povo em 21 de novembro de 2015.

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