Orgulho!

Orgulho!

sábado, 14 de abril de 2012

HASTA LA VISTA!

Serei uma eterna admiradora e apaixonada pela minha querida América Latina.
Como despedida, a maravilhosa Alma Llanera, música da terra venezuelana do "inimigo" Hugo Chavez (que compõe com Evo Morales e Fidel Castro, o "Eixo do Mal" versão latina, segundo o xerifão Tio Sam com a mão sempre ao coldre para "salvar o mundo da opressão".
Performance excepcional do espanhol Paco de Lucia.
Soy loca por ti America (menos a América do Tio Sam, claro!!!!!)
Arriba America, olé!



TEMPORADA DE HIBERNAÇÃO



Capa provisória

Esta primeira proposta foi elaborada pelo amigo Claiton Nazar. Nesta casa, em Oberhausen na Baixa Saxônia, lecionou meu bisavô Christian Heinrich Eduard Ruseler de 1871 a 1888, ano que emigrou com sua esposa Johanne e seus três filhos Karl (meu avô), Rosa e Peter ao Brasil, mais precisamente para Blumenau onde lançaram a primeira âncora.

Surpreendentemente a casa ainda existe e hoje é uma clínica veterinária:

Crédito da imagem: Siegfried Hoffmann

Agradeço o apoio e o incentivo dos leitores
e espero poder retornar em agosto.

Cordialmente,
Renate Aguiar

quarta-feira, 11 de abril de 2012

TITANIC - EPÍLOGO

Um pouco de conversa ...

CEM ANOS DE ABISMOS E MEMÓRIAS

O dia 14 de abril de 2012 marcará no calendário os 100 anos do desastre do gigante Titanic. E tantas e piores tragédias marítimas aconteceram, contudo, a do transatlântico Titanic segue batendo todas.
Em 30 de janeiro de 1945, o navio alemão Wilhelm Gustloff abarrotado de cerca de 9-10 mil refugiados de guerra (nunca se saberá ao certo), provenientes das terras do leste da Alemanha já tomadas pelos russos, foi atingido por três torpedos russos no Mar Báltico, por volta das 21 horas.

O fato ocorreu nas bordas derradeiras da II Guerra porque em maio a Alemanha estava oficialmente derrotada. Era ainda inverno e quase todos morreram afogados ou congelados. Quase não há imagens do "depois", então agora peço licença às imortais palavras de Joseph Conrad, da sua obra-prima "Coração das Trevas" - o horror, o horror - tanto para o Titanic como para o Gutsloff.
Mas o homem precisa dos seus mitos, de histórias melhor "digeridas" iceberg e torpedo possuem grafia diferente. Titanic rende especulações há cem anos e um blockbuster milionário, do diretor James Cameron. Particularmente, só aprecio a música - tocada.

E o William Gustloff?

O gigante partiu do porto inglês de Southampton em 10 de abril de 1912 com destino à "América", Nova Iorque. A bordo milionários, bagagens recheadas de valores, profissões diversas e evidentes indícios de arestas sociais, havia passageiros na 1ª, 2ª e 3ª classe. O navio partiu com 55% da sua capacidade. O Titanic era algo estrondoso e suas dimensões desafiaram os possíveis limites temporais da engenharia. Pouparam botes para ceder espaço ao luxo, dos 64 previstos havia a bordo 20. Dos que foram utilizados ao menos a metade, foi sub-aproveitada. Fala-se que, se tivessem sido usados mais ou menos racionalmente, 1100 pessoas poderiam ter sido salvas, quase metade do total de passageiros.
Dos sobreviventes, 75% eram constituídos de mulheres e crianças.
Na 3ª classe, uma legião de imigrantes direcionados à "América", um sonho latente inclusive de muitos brasileiros nos dias atuais.

As histórias, seus mitos e emoções deste famoso desastre permaneceram em transe por quase 73 anos até que, após muitas, caras e infrutíferas tentativas, finalmente o sarcófago foi encontrado placidamente e sinistramente adormecido.
Há um ano atrás Porto Alegre recebeu uma exposição de objetos resgatados do Titanic, cuja entrada possuía preços proibitivos, claro ...
Este texto da revista de 1943 é incrível, num português refinado e rico em vocabulário. Algumas coisas devem ter me escapado, pelas quais peço desculpas.
Claiton, obrigada por compartilhar conosco este relato surpreendente e emocionante!

Obrigada à D. Irene por guardar esta relíquia!

Vivemos a era dos descartáveis, o que haverá daqui 100 anos? Quiçá museus e bibliotecas ou algo parecido com o que presenciamos na cena final do clássico Planeta dos Macacos, com Charlton Heston?
Viajei neste drama e no dia 14 de abril de 2012, quando serão lembrados os 100 anos do naufrágio, nos daremos conta também que dos sobreviventes ninguém mais está nesta dimensão.

Tempus edax rerum ... (Tempo devorador das coisas, Ovídio)

Obrigada pela paciência da leitura!

Cordialmente,
Renate

terça-feira, 10 de abril de 2012

TITANIC - XIII PARTE


Ralava-me ardentíssima sede. Já não sentia nem o frio, nem a fadiga, nem o esfolado dos cotovelos, joelhos e pés; sentia tão somente aquela sede a devorar-me: tanto que, não podendo mais conter-me, levanto a cabeça para as cabeças de tanta gente que se debruçava na amurada a contemplar-nos com pasmo, e grito-lhes:
-"Água! Mandem-nos água, em vez de estarem a fotografar-nos ou lamentar-nos!"


Olhar o relógio,
uma das milhares de peças resgatadas, dá calafrios ...



Numa volta de olhos entraram a deitar-nos laranjas, que vinham esmargar-se no fundo da barca, onde nos atropelávamos, para as apanhar. E sofregamente as tragávamos. Nunca bebida alguma gelada nos há de parecer tão deliciosa!
Içam-me afinal a bordo com umas alças, como uma criancinha; e ao subir, avisto outros batéis do Titanic que ainda vem para nós à força de remo, ou ajudando-se até de velas improvisadas com quaisquer mantas. Vai-lhes a sereia do paquete disparando longas chamadas. Mas alguns tão alongados vinham ainda, que o embarque, principiado às cinco da manhã, só se concluiu às nove da noite.



Capitão do Carpathia sendo premiado por seu ótimo serviço de resgate.
A mulher, Mollly Brown, sozinha, comandou um dos barcos salva-vidas.

Mal eu assomei à tolda, tomaram-me em braços dois passageiros de boa vontade e transportaram-me a um beliche: onde fui despido, friccionado eficazmente, confortado com uns goles de rum e ovos batidos, e metido por fim na cama.
Dormi boas vinte e quatro horas a eito, sem acordar.
Na terça de manhã, em saindo daquele sono letárgico, tratei logo de matar a fome canina, que se apressou a recordar-me brutalmente o sinistro passado.
Depois, arrastando-me dolorosamente com as pobres pernas meio geladas e amparando-me às paredes, logrei chegar ao convés.
Espetáculo que se não esquece, lastimoso e sublime.

A 3ª classe era mais populosa. No último porto da Europa, Queenstown, na Irlanda, embarcou significativo número de passageiros, a maioria formada por imigrantes, desejosos de chegar a New York city, a tão famosa "América". Se a viagem desde este local tivesse transcorrido normal, em quatro dias o gigante chegaria ao seu destino.


O Carpathia já ia todo cheio quando acudiu ao lugar da catástrofe; contudo achou meio de receber oitocentos náufragos e de lhes oferecer a mais carinhosa acolhida. Homens e mulhres, tripulantes e passageiros, todo competiram em extremos de engenhosa caridade.


O navio partiu com 55% da capacidade total de passageiros. Dos 64 botes salva-vidas previstos inicialmente, somente 20 estavam a bordo. Os demais foram retirados para que houvesse espaço para "mais luxo e ostentação" ...


Nos salões, nas saletas de fumar, nos restaurantes, nos corredores, onde quer que aparecesse um cantinho, desocupado, dispunham-se colchões, trouxas de roupa, rolos de tapete à guisa de camas.

Equipe do Carpathia


Hospital e juntamente bivaque, um bairro de Messina ou de San Francisco da Califórnia logo depois do terremoto ...

Entre os sobreviventes não estava o capitão Edward John Smith.

A viagem do gigante que era para ser épica e um desafio aos limites da engenharia seria a última do capitão antes de se aposentar ...

O Titanic havia sido projetado para "boiar" e não para peitar icebergs!

Na quinta-feira de tarde, em Nova Iorque, entrava o Carpathia lentamente ao Hudson; e quando amarrou na doca preparada para receber o Titanic, à imensa multidão que o esperava, de luto, figurou-se-lhe ver chegar um ataúde colossal: pois não vinham ali dentro oitocentos sobrevivos que deploravam mil e seiscentos desaparecidos!

(Do Mensageiro do Coração de Jesus, de Portugal, fever. de 1914.)


Homenagem realizada no dia 10 de abril de 2012 no local de onde partiu (4.4.1912) o mega navio Titanic - Southampton, na Inglaterra

"Com um minuto de silêncio e o desfile de mais de 600 crianças com fotografias das vítimas do Titanic, a cidade inglesa de Southampton lembrou nesta terça-feira a partida há cem anos de seu porto do trágico transatlântico".
Fonte: site Terra


TITANIC - XII PARTE

Corpos recolhidos no paquete Carpathia

Ambos os escaleres arrancaram, de volta. Ao longe descortinávamos o descomunal navio embalando-se escassamente na ondulação; e dele se não depregavam os nossos olhos que ardiam: ali estava a nossa salvação! Ali a segurança, o calor, a vida! Não seria um sonho?


Foram tiradas 20 mil fotos em quatro dias de 1985 por um submarino não tripulado

No êxtase do livramento, o horrível queimar dos membros gelados, os repelões atrozes do estômago exausto, a febre abrasadora, tudo se nos dissipava na deslumbrante visão do paraíso prometido, que para nós era aquele vapor.

Eis-nos chegados finalmente!
"O último cardápio"

Oh desgraça! Ainda é preciso aguardar aqui, às abas deste penhasco inacessível! Reparem: doze metros de ascensão ao longo desses costados, alando à vez todos os que vieram nos batéis de salvação antes de nós. Escaleiras de acostagem, nem sombra delas; porque os transatlânticos, como nos grandes portos não abordam nunca aos molhes, só levam consigo pontes volantes. Alguns homens menos extenuados vão-se valendo das escadas de corda que lhes deitam; mas para a turba dos fracos utilizam-se todos os meios fortuitos, que são cada vez mais vagarosos, ao que se nos afigura.

"Enquanto a proa estava relativamente bem preservada, a popa parecia ter sido severamente danificada ao bater no solo do oceano. Os destroços estavam esparramados ao longo de 600 metros, separando a proa da popa". (Discovery Channel)

Descorçoado com a espera interminável, lancei mão duma escada de corda que passava ao meu alcance e comecei a trepar à força de punhos. Mas logo dei um tombo com todo o peso: os pés de enregelados tinham anquilose!

TITANIC - XI PARTE

Objetos resgatados

O leitor crer-me-á, se quiser: os escaleres a alcançar-nos, e nós a receber com uma enfuziada de desatinos os bons marinheiros que por nos salvar se não poupavam o trabalho e risco. Eles, assombrados do estranho acolhimento, encaram-nos com uma indulgência misturada de pasmo, entanto que nós vamos perdendo tempo precioso em afligir com injúrias os nossos salvadores.
Fortuna foi estarmos todos tão enfraquecidos; quando, não palavra de honra, teríamos pregado sovas naqueles homens a quem devíamos a vida.

Luxo e beleza para a 1ª classe, 46% dos 2208 passageiros

O oficial que nos salvou, prometeu solenemente aos seus colegas do Carpathia que os deixará esperar vinte anos, nada menos de vinte anos, antes de lhes acudir, se o céu lhe reserva a ventura de os encontrar sobre um barco virado, lá por aquelas alturas do Atlântico!

O belo lustre no abismo

Vamos enfim a baldear-nos. Os mais válidos deitaram-se resolutamente a nado, e puderam meter-se nos escaleres. Os outros, tolhidos do frio totalmente e colados à nossa famosa quilha por não sei que torpor dos músculos, foi mister empolgar neles e por fim içá-los como se fossem fardos.

Imagem no mínimo, surreal

Então se deu um incidente, duas vezes desastrado nesse lance extremo. Um certo lear, com excessiva pressa de se ver em salvo, levantou-se sobre a quilha em pé para saltar à barca próxima. O salto pôde dá-lo: mas um pé resvalou, e tão mofinamente caiu o infeliz sobre a borda do escaler, que partiu o crânio. Depois duma noite de luta brava com a morte, depois de ter vinte vezes desesperado de salvamento, ver-se já salvo e no mesmo instante acabar assim! ...

domingo, 8 de abril de 2012

Lila Downs - El Palomo del Comalito (México)

Chabuca Granda - Fina Estampa (Peru)

Susana Baca - Maria Lando (Peru)

TITANIC - IX PARTE

E cortava o coração essa queixa infantil na boca dum velho lobo do mar.
Puxou-se por ele para o mais alto da quilha; dois homens seguraram-no como puderam, e os vizinhos deram-lhe vigorosas fricções nas pernas para lhe restabelecer a circulação.
Procurávamos esforçá-lo quanto podíamos; senão quando passou uma nova onda, e logo depois vimo-lo a ele erguer-se, para em seguida descair e resvalar, morto, sem ter podido pronunciar outra palavra senão as que, algumas horas antes, ele mesmo fora o primeiro a rezar: Padre Nosso!

Ticket de embarque

A situação tornava-se de todo em todo desesperada. A frialdade vencia os mais resistentes: e eu, à minha conta, por mais que nadasse de rijo com as pernas, sentia o entorpecimento geral tomar-me gradualmente o peito.

Nem já avistávamos as luzinhas verdes dos escaleres, que se haviam afastado muito, nem o rápido luzir dos foguetes, certamente acabados.
Longo tempo havia que reinava silêncio absoluto, quando a voz dum companheiro me tirou do embrutecimento que me invadia:
"Já rompe a manhã!"
Era tempo que viesse qualquer coisa galvanizar-nos. Caso curioso: uma esperança nova entrou realmente a coar em nossas almas com a pálida claridade que ao lume da água avinha relfetir lá do horizonte, que em seguida avermelhou.

Comandante Edward J. Smith, sentado, o terceiro da esquerda para a direita
Nascido em Hanley, Reino Unido em 27 de janeiro de 1850, faleceu no naufrágio

Em clareando um pouco mais, enxergamos distante umas centenas de braças, ao este um grosso vulto negro que baloiçava ao som dos maares.
Chamâmo-lo.
Uma voz se pôs à fala. Era um moço do frigorífico, James Duvray. No momento derradeiro tinha conseguido com um de seus camaradas, lançar na água um armário de camarote, em ambos nesta instável jangada buscaram salvamento. Mas o companheiro morrera de frio, e Duvray dava-se por morto. Agora, valendo-se dos pés e das mãos como de remos, veio até junto de nós, e fomos de conserva derivando, ele de bruços no seu armário, que era sobrevarrido por cada onda um pouco forte, nós aferrados com as crispadas mãos à quilha do nosso barco.

Era dia claro.
Em torno, até onde chegavam os olhos longos, icebergues, pequenos e grandes, que ao sol nascente se tornavam rosados. Passando por eles, a brisa chegava a nós mortalmente fria. Quando a vista podia alcançar e distinguir, eram cadáveres e mais cadáveres. Lastimoso e horrendo espetáculo!
A vinte metros de nós, um grupo de oito ou nove corpos, homens e mulheres, todos suspensos por seus cintos de salvação, dançavam ao movimento das ondas. Esta vizinhança tétrica houvemos de aguentá-la mais duma hora. Ao depois, antes que fôssemos recolhidos, alongaram-se, sempre agrupados, sempre saltitando. A leste mormente, eram campos coalhados de corpos mortos, que nós, quando o escarcéu nos alteava bastante, divisávamos em postura vertical, assim sustidos pelos cintos de cortiça com a cabeça e os ombros fora da água.

O gigante jaz frágil no abismo oceânico

Parecia terem-se reunido propositadamente para morrer, e viam-se em mós apinhadas andar-se embalando, bem os bandos de ádens bravas nos grandes estuários.

Continua ...

TITANIC - VIII PARTE

Apagado todo o rumor de gente, um dos homens que estavam comigo em cima do batel, um fogueiro, figura esguia de demônio, com catadura de salteador, que sobre a quilha se sustinha encavalgado, disse-nos com um grave tom de voz:
"Rapazes, é preciso rezar pelas almas desses finados."
Estávamos ali homens de todas a religiões, com certeza, sem contar os que não tinham nenhuma; todos porém, todos, sim rezamos o Padre Nosso com intensa comoção. No fim acrescentou o fogueiro:
"O descanso eterno seja com os nossos irmãos que aqui morreram."
E então ouvi muitos de meus rudes companheiros, chorando, responderem:
Amém.
Depois fomos boiando, sem dizer palavra.


Uma das famílias a bordo. O pai faleceu, a esposa e a filha sobreviveram
Imagem: Maritime Quest

De quando em quando, se bem que o mar estava mansíssimo, passava uma vaga que cobria o nosso esquife e novamente nos molhava o corpo enregelado.
Passou uma hora, se não foram duas, pois em semelhante posição o tempo dura muito. Um cabo de marinheiro propôs, este alvitre:
"Se nós virássemos o barco? Dentro estaríamos perfeitamente sempre melhor do que pegados à quilha. De mais a mais, camaradas, a gente não pode ficar assim até que tempos! Já lá vão sete ou oito, que se não aguentaram!"
Com efeito, à minha parte, as mãos com o frio e a fadiga do afinco faziam me sofrer tanto, que eu a cada momento temia despegar e cair. Quanto aos pés, como iam rojando na água gelada, era indizível o tormento que me causavam.
E contudo, o alvitre do cabo foi rejeitado por quase todos: tão arriscada se afigurava a manobra precisa para o realizar.

No fundo do mar lúgubre, espectros de uma tragédia

Assim fomos flutuando ao som da água, vendo amiúdo náufragos que boiavam semi-cadáveres. Havia momentos em que a ilusão dum infeliz companheiro febricitante, ou o clarão enganador dos faróis verdes e dos foguetes nos escaleres de salvação, nos animava a todos com doloroso alento de esperança; porém, depois do desengano, recaíamos no taciturno abatimento da expectativa interminável.
Seriam as três da manhã, o marinheiro Johnston começou a queixar-se doloridamente. Deu-nos uma estremeção; porque já conhecíamos bem esse modo de gemer, que tínhamos escutado cada vez que um de nossos companheiros já exausto se apartara do lastimoso grupo para sempre.
- Sofres muito, Johnston?
- Oh! Yes!
- De quê, Johnston?
- De frio! Ai! Como estou com frio!

Continua ....

TITANIC - VII PARTE

Todavia, para depois d'isso é que nos estava reservado o extremo do horror!
Os centenares de aberturas iluminadas, que até ao último segundo faziam do transatlântico moribundo uma vasta capela ardente, apagados estavam para todo o sempre, deixando-nos sumidos nas trevas, no meio da imensidade glacial daqueles mares: e então começou o terrífico assalto dos clamores!

Imagem: Maritime Quest

Mil e sescentas pessoas arrojadas cegamente no mar, trevariadas à primeira sensação da morte iminente pela água gelada, frenéticas com o desespero duma situação irremediáavel, gritavam por socorro, lançavam pragas, suplicavam, amaldiçoavam! E era na serenidade da noite ironicamente plácida , por sobre o rolo das ondas a cobrir-lhes o canto monótono, uma onda contínua de gritos, que vinha de todos os lados temerosa e rija, alteando-se em ímpetos de raiava, espadanando até nós e rebentando em borbotões estridentes e confusos, supremo protesto de vida em frente da morte. Essa onda só a entrecortavam, a trechos, os gemidos mais agudos dum naufragante que se acabava de submergir ou as sentidas orações dum crente que ainda, apesar de tudo, tinha uma esperança.

Imagem: Maritime Quest

Para a maior parte, porém de tantos infelizes tardou em vir a última agonia, por isso que andavam quase todos boiando com cinto de salvação: trágica ironia da previdência humana, que servia só para lhes prolongar o incomportável suplício!
Pouco a pouco a tremenda grita foi abrandando, o coro enrouquecido dos desesperados extinguiu-se. Só, de longe a longe, vinham alguns gritos perdidos, qua ao passarem nos arrepiavam e lás iam repercutindo sobre as ondas distantes, até que se perderem na calada da noite.
Finalmente, mais nada. O frio das águas polares acabara sua obra de morte.

Continua ...

TITANIC - VI PARTE

Uma detonação que me parecia formidável, fêz-me abrir os olhos.
Onde estava eu?
Em voltando a mim, logo pude num relance dar-me conta, ai! Da triste sorte minha, ou antes, nossa: pois éramos nada menos de vinte e dois pegados a um bendito batel que dificultosamente flutuava com a quilha para o ar. A Providência que m'0 deparou, fizera-me bater nele com o braço no próprio momento em que perdi os sentidos. Como quer que para ali me puxaram,ali fiquei sem dar acordo de mim nem das últimas e tão pavorosas cenas da agonia do Titanic.

Imagem: Maritime Quest

Mas agora eu ia presenciar a sua morte!
Sobre as causas do estrondo formidável e surdo a que me acabo de referir, muito se tem discutido. Falam uns em explosão das caldeiras, outro num baque de toda a maquinagem, ao arrancar-se e desabar por dávante demolindo tudo; até se tem dito que foi do desprender-se a ré, que estava em falso fora da água. O certo é que foi, lá dentro do grande vaso, um estampido enorme de vulcão: parecia que vaivéns colossais lhe bombardeavam as paredes que o cavername estralejava todo ao mesmo tempo. Um das quatro grandiosas chaminés abateu e rolou sobre o convés, esmagando coisas e pessoas.
Esse trovão durou, redobrando-se, alguns segundos.
Depois vimos o Titanic ir-se afundindo vagarosamente, sem arfar e sem parar, como um cutelo de grandeza desmedida que fosse penetrando em massa de manteiga.
Durou isto um largo minuto.

Imagem: Maritime Quest

Na minha memória para sempre atônita, conservarei até ao fim a tétrica imagem do Titanic baixando ao abismo, qual a deslizarse de bordo por uma portinhola um grande ataúde.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

TITANIC - V PARTE




Imagem: Maritime Quest

10 horas da noite. Momento que na viagem nós os pobres stewarts sempre temíamos, quando na tolda superior, nas maravilhosas salas da primeira classe, debaixo dos luxuosos cortinados dos cafés e botequins, nos camarotes principescos, temos que correr à primeira chamada, acudir a trinta partes a um tempo com pontualidade e tino, às ordens de todos os passageiros que se se divertem ou se aborrecem, mas não toleram no serviço a demora nem dum segundo, e muito menos um esquecimento ou uma impossibilidade: para um bilionário acaso não é possível tudo o que ele quer?


Imagem: Maritime Quest

Exatamente, uma chamada imperiosa fizera-me chegar num pulo ao número 28, um dos mais ricos aposentos do convés-passeio. ali me achei diante duma senhoraça loira, que não acabava de raivar. Já tinha feito vir o primeiro chefe de criados, porque o seu telefônio se desarranjara. tinha no andar inferior umas amigas com quem queria a todo o custo, cavaquear um bocadinho antes de se deitar. Quando ela já passava para a sala dos banhos fazendo um badanal com portas, dá-se um choque seco e breve; logo um prolongado ranger surdo do navio inteiro, de encontro a um paredão; depois, nada mais.
- Então, ouviu? - disse eu ao sobredito chefe.
-Safa! Que será isto?
Algum pequeno iceberg, respondi-lhe a rir; mas toca a despendurar os cintos de salvação.
"Ora esta!" Rosnou o marido da tal senhora, acabando de chegar ao camarote e estacando, com o charuto entre os dedos, o rosto, subitamente enfiado. E, para o animar, ia a soltar um gracejo, que me ficou na garganta: as máquinas já tinham parado.
Os três homens que éramos, num instante, galgávamos ao convés, onde ninguém, ao parecer, dera fé de nada.
Mas logo, como eu conhecia a vida de bordo, notei a turbação profunda dos tripulantes, que ainda não sabiam aonde acudir e guardavam ordens.
Começaram a esfusiar os apitos, uns sobre outros: para os profanos eram avisos de quaisquer manobras; para os iniciados, verdadeiros toques do funeral do navio.
Primeiro desceram os engenheiros com a mestrança para ver da água aberta e trabalhar em vedá-la. Não voltou nenhum acima.
A seguir foram mandados fechar os grandes compartimentos à prova d'água; mas, com quanto laborassem bem os maquinismos, não havia barreiras que resistissem muito tempo ao ímpeto dos mares que irrompiam pelo enormíssimo rombo.
Eram as onze e meia. Sobre o tumultuar espavorido dos passageiros que afinal compreendiam o caso, sobre os assustadores estalidos do casco e o agudo apitar do vapor, sobre toda a faina confusa e aterradora duma nau que sossobra, fez omegafônio do capitão Smith ouvir um pregão que mandava arriar as barcas de salvamento e embarcar mulheres e crianças.
Em certas passagens, com o apertão da gente levantava-se um susto pânico: então o rolo da massa humana precipitava-se nos batéis, meio infalívelde de os meter a pique. Importava reagir a todo o custo: a orquestra tocava com quietação estóica, para aclamar um pouco os nervos exasperados; nas escadas dois energéticos cabos de marinheiros, com bastante marinhagem, ainda continham o tropel que em delírio queria invadir as cobertas já obstruídas. Mas não bastanto às vezes para o intento descarregar murros, tinham que dar coronhadas, tão brutais quanto necessárias. Foi preciso, em mais dum caso, recorrer a meios extremos; e lembra-me que passei de salto sobre o cadáver dum cavalheiro muito bem trajado, em quem um oficial de bordo acabava de fazer justiça sumariamente no momento em que obstinava a entrar num barco antes da mulheres e crianças ...
Enlouquecida, uma mulher corria o convés às gargalhadas. Uma velha a todos detinha para que lhe dissessem onde era o beliche 315. Neste comenos desabou um compartimento estanque, dando ao baixel uma inclinação de quatro ou cinco metros; e no grande estrépito da derrocada ouvia-se ainda: "Onde é o 315?" E o estridente gargalhar daquelas duas desaventuras, que já iam rolando ao mar!
Graças a Deus, não faltou até o final o heroísmo sereno e em alguns momentos sublime, como se viu à meia-noite, quando a brigada dos maquinistas de serviço formou junto à escotilha, como se aquilo não fosse nada; e todos um atrás do outro, sem uma só hesitação com um "good bye"! Ou um "good luck, to you"! Se foram, pela escotilha abaixo, buscar o seu posto de morte.



Continua ...

terça-feira, 3 de abril de 2012

TITANIC - IV PARTE

Imagem: Maritime Quest

-Hui! Brr! Que frio! - Naquele arrojo fizera eu conta, certamente, com muitos perigos, menos o de morrer gelado! Tão crua impressão me tomou ao chimpar na água gélida, que me dei por perdido de todo e para logo: pois tinha que esperar assim longas horas, talvez a noite inteira, e quem era o esquimó que resistisse a tal banho na fusão glacial que rodeava a montanha do regelo?
E todavia comecei de nadar. Muito embora convencido de que era por demais querer lutar, e que bastavam poucos quartos de hora para fenecer a puro frio, o instinto da vida triunfava e eu andava nadando com toda a fúria.
Era um nadar como o relutar e debater-se contra uma pressão que se pressente mortal.
- Para onde se vai por aí? Bradou-me um companheiro de desgraça de quem me avizinhei.
A falar verdade, eu nem pensara nisso, nadando como um bruto, sem ideia nenhuma.
E agora, ocorria-nos motivo, um só que fosse, de esperança? Bem, se enxergavam, em distância de alguns centos de braços, os dois escaleres derradeiros, cujos faróis baloiçavam sinistramente por sobre as ondas: iam, porém, carregados a tal ponto que a espaços se viam os clarões vermelhos dos revólveres fender o escuro, prova decisiva de não admitirem mais folego vivo, pois assim repeliam à viva força as tentativas de lá entrar; e de mais a mais, que nadador poderia alcançá-los, indo eles de voga arrancada para escapar ao redemoinho que logo havia de causar o Titanic, em se afundando?
E depois ... e depois ... senti que se ia ponto hirto o corpo todo, cada vez mais enregelado. Em derredor, os olhos turvos ainda lobrigaram indistintamente desgraçados nadadores que por fim arrancavam um grito de pavor, bracejavam um instante e sumiam-se!
Entrei numa espécie de tresvario; vendo com as pupilas dilatadas pelo pasmo cenas terríveis, que perpassavam como fitas dum cinema infernal.

Continua ...