Orgulho!

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sexta-feira, 6 de abril de 2012

TITANIC - V PARTE




Imagem: Maritime Quest

10 horas da noite. Momento que na viagem nós os pobres stewarts sempre temíamos, quando na tolda superior, nas maravilhosas salas da primeira classe, debaixo dos luxuosos cortinados dos cafés e botequins, nos camarotes principescos, temos que correr à primeira chamada, acudir a trinta partes a um tempo com pontualidade e tino, às ordens de todos os passageiros que se se divertem ou se aborrecem, mas não toleram no serviço a demora nem dum segundo, e muito menos um esquecimento ou uma impossibilidade: para um bilionário acaso não é possível tudo o que ele quer?


Imagem: Maritime Quest

Exatamente, uma chamada imperiosa fizera-me chegar num pulo ao número 28, um dos mais ricos aposentos do convés-passeio. ali me achei diante duma senhoraça loira, que não acabava de raivar. Já tinha feito vir o primeiro chefe de criados, porque o seu telefônio se desarranjara. tinha no andar inferior umas amigas com quem queria a todo o custo, cavaquear um bocadinho antes de se deitar. Quando ela já passava para a sala dos banhos fazendo um badanal com portas, dá-se um choque seco e breve; logo um prolongado ranger surdo do navio inteiro, de encontro a um paredão; depois, nada mais.
- Então, ouviu? - disse eu ao sobredito chefe.
-Safa! Que será isto?
Algum pequeno iceberg, respondi-lhe a rir; mas toca a despendurar os cintos de salvação.
"Ora esta!" Rosnou o marido da tal senhora, acabando de chegar ao camarote e estacando, com o charuto entre os dedos, o rosto, subitamente enfiado. E, para o animar, ia a soltar um gracejo, que me ficou na garganta: as máquinas já tinham parado.
Os três homens que éramos, num instante, galgávamos ao convés, onde ninguém, ao parecer, dera fé de nada.
Mas logo, como eu conhecia a vida de bordo, notei a turbação profunda dos tripulantes, que ainda não sabiam aonde acudir e guardavam ordens.
Começaram a esfusiar os apitos, uns sobre outros: para os profanos eram avisos de quaisquer manobras; para os iniciados, verdadeiros toques do funeral do navio.
Primeiro desceram os engenheiros com a mestrança para ver da água aberta e trabalhar em vedá-la. Não voltou nenhum acima.
A seguir foram mandados fechar os grandes compartimentos à prova d'água; mas, com quanto laborassem bem os maquinismos, não havia barreiras que resistissem muito tempo ao ímpeto dos mares que irrompiam pelo enormíssimo rombo.
Eram as onze e meia. Sobre o tumultuar espavorido dos passageiros que afinal compreendiam o caso, sobre os assustadores estalidos do casco e o agudo apitar do vapor, sobre toda a faina confusa e aterradora duma nau que sossobra, fez omegafônio do capitão Smith ouvir um pregão que mandava arriar as barcas de salvamento e embarcar mulheres e crianças.
Em certas passagens, com o apertão da gente levantava-se um susto pânico: então o rolo da massa humana precipitava-se nos batéis, meio infalívelde de os meter a pique. Importava reagir a todo o custo: a orquestra tocava com quietação estóica, para aclamar um pouco os nervos exasperados; nas escadas dois energéticos cabos de marinheiros, com bastante marinhagem, ainda continham o tropel que em delírio queria invadir as cobertas já obstruídas. Mas não bastanto às vezes para o intento descarregar murros, tinham que dar coronhadas, tão brutais quanto necessárias. Foi preciso, em mais dum caso, recorrer a meios extremos; e lembra-me que passei de salto sobre o cadáver dum cavalheiro muito bem trajado, em quem um oficial de bordo acabava de fazer justiça sumariamente no momento em que obstinava a entrar num barco antes da mulheres e crianças ...
Enlouquecida, uma mulher corria o convés às gargalhadas. Uma velha a todos detinha para que lhe dissessem onde era o beliche 315. Neste comenos desabou um compartimento estanque, dando ao baixel uma inclinação de quatro ou cinco metros; e no grande estrépito da derrocada ouvia-se ainda: "Onde é o 315?" E o estridente gargalhar daquelas duas desaventuras, que já iam rolando ao mar!
Graças a Deus, não faltou até o final o heroísmo sereno e em alguns momentos sublime, como se viu à meia-noite, quando a brigada dos maquinistas de serviço formou junto à escotilha, como se aquilo não fosse nada; e todos um atrás do outro, sem uma só hesitação com um "good bye"! Ou um "good luck, to you"! Se foram, pela escotilha abaixo, buscar o seu posto de morte.



Continua ...

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