Orgulho!

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sábado, 28 de setembro de 2013

AMERASIANS da Guerra do Vietnã (1965-1975)

Vietnã (1965-1975)
AMERASIANS
Photograph (by Catherine Karnow, National Geographic)
Jim, an Amerasian, and his Vietnamese mother show a photograph of her with her 
American husband, Jim’s father, who had been stationed as a civilian in Saigon during the war. They were a family until the father returned to his original family, (whose existence he had kept a secret) in the United States....

Soldados do Vietnã e filhos deixados para trás tentam se reencontrar nos EUA
James Dao - New York Times
                                        
Logo depois de deixar o Vietnã, em 1970, o soldado James Copeland recebeu uma carta de sua namorada vietnamita. Na correspondência ela dizia que estava grávida e que ele era o pai.
Copeland se realistou na esperança de ser enviado de volta ao Vietnã. Mas o Exército dos Estados Unidos estava reduzindo seus contingentes e manteve Copeland nos Estados Unidos. No momento em que Saigon caiu em poder do Vietnã do Norte, em 1975, Copeland havia perdido o contato com sua namorada. Em seguida, ele conseguiu um emprego em uma fábrica de plásticos localizada no norte do Mississippi e iniciou uma família. Mas uma pergunta difícil permanecia sem resposta: será que ela realmente teve um filho vietnamita?
"Várias coisas que fizemos no Vietnã, consegui apagar da minha memória", disse Copeland, 67. "Mas não consegui tirar isso da minha cabeça".
Em 2011, Copeland decidiu buscar uma solução para a sua dúvida ao reconhecer o que muitos outros veteranos negaram, mantiveram em segredo ou tentaram esquecer: que eles deixaram filhos para trás no Vietnã.
As histórias desses veteranos são um legado esquecido de uma guerra distante. No entanto, para muitos ex-combatentes e para os filhos que eles tiveram com mulheres vietnamitas, a necessidade de uns encontrarem os outros ficou mais urgente do que nunca nos últimos anos. Atualmente, os veteranos têm entre 60 e tantos e 70 e poucos anos, e muitos deles estão aposentados ou doentes --e desejam curar as feridas de uma guerra antiga. E, para muitos dos descendentes vietnamitas desses ex-soldados, que venceram pelo menos algumas das barreiras da imigração dos EUA, a vontade de conhecer suas raízes norte-americanas só ficou mais forte.
"Eu preciso saber de onde eu venho", disse Trinh Tran, 46, corretor de imóveis de Houston que procurou em vão por seu pai soldado. "Eu sempre sinto que, sem ele, eu não existo".
Segundo algumas estimativas, dezenas de milhares de soldados norte-americanos tiveram filhos com mulheres vietnamitas durante a longa guerra do Vietnã. Alguns desses filhos nasceram de relacionamentos de longo prazo que seriam inimagináveis para os veteranos das guerras do Iraque e do Afeganistão, países onde a interação com a população local era mínima. Outros nasceram de encontros de uma noite só. Mas poucos entre esses pais-soldados chegaram a conhecer seus filhos -- e um número ainda menor os trouxe para viver nos Estados Unidos.
Após a guerra, essas crianças --conhecidas como "Amerasians" (ou "Amerasiáticas", em tradução livre)-- sofreram muita discriminação e tiveram que enfrentar a extrema pobreza no Vietnã, pois eram vistas como uma lembrança terrível de um Exército invasor. Envergonhado pelos relatos sobre as péssimas condições de vida dos Amerasians, em 1987, o Congresso dos EUA aprovou uma legislação que garantiu aos descendentes dos soldados norte-americanos um status especial de imigração. Desde então, mais de 21 mil deles, acompanhados por mais de 55 mil parentes, se mudaram para os Estados Unidos com o auxílio do programa, e milhares mais entraram no país com a ajuda de outras políticas de imigração.
Muitos chegaram com a expectativa de se reencontrar com seus pais norte-americanos. Mas o governo dos EUA não os ajudou nessa busca, e apenas uma pequena fração deles --talvez menos de 5%-- conseguiu encontrar seus pais.
Um número enorme de Amerasians segue com sua busca, geralmente utilizando pouco mais do que nomes mal traduzidos, lembranças meio esquecidas e fotografias apagadas.
No entanto, contra todas as probabilidades e, apesar dos muitos anos que já se passaram, filhos e pais às vezes conseguem encontrar uns aos outros.
Cuong Luu nasceu no Vietnã, filho de um soldado dos EUA que conheceu sua mãe quando ela limpava o apartamento dele. O soldado deixou o Vietnã antes de Luu nascer, e sua mãe perdeu o contato com ele. Logo depois, ela se casou com um norte-americano que trabalhava para os militares. Ele levou a família para as Ilhas Virgens quando Luu ainda era criança.
Luu herdou muitas das características de seu pai, e no bairro negro de St. Thomas, onde cresceu, ele era insultado por ser branco. Segundo Luu, sua mãe também se esquivava dele, talvez por ter vergonha das memórias difíceis que sua presença evocava.
Quando tinha 9 anos, ele foi parar em um abrigo para meninos delinquentes. Aos 17, estava morando na rua, vendendo maconha e fumando crack. Aos 20 anos, Luu foi parar na prisão por assaltar um homem à mão armada. Ao sair da cadeia, sua meia-irmã o levou para Baltimore, onde ele retomou a venda de drogas.
Mas, em seguida, Luu teve uma filha com uma namorada, e algo dentro dele mudou. "Eu me preocupava. Achava que iria para a cadeia e que nunca mais iria vê-la", disse Luu sobre sua filha, Cara, que tem 4 anos. 
Atormentado por perguntas sobre sua identidade, ele decidiu que precisava encontrar seu pai biológico para endireitar sua vida. "Eu queria me sentir mais inteiro", disse Luu, 41. "Eu só queria poder vê-lo com os meus próprios olhos."
A busca de Luu se tornou uma obsessão. Ele passou várias as noites diante de seu computador, procurando, sem sucesso, até que percebeu que havia escrito o nome de seu pai errado: o nome era Jack Magee, e não McGee.

Ele descobriu referências a um Jack Magee no site de veteranos de guerra e, por meio do Facebook, conseguiu rastrear um homem que tinha servido na mesma unidade. "O que você quer de Jack Magee", o homem perguntou. "Eu só quero um pai", respondeu Luu. "Seu pai quer falar com você", o homem respondeu pouco tempo depois.
Luu teve seu DNA testado, e o exame deu positivo. Em novembro do ano passado, Magee, um professor aposentado do sul da Califórnia, visitou Luu no dia de seu aniversário. Uma relação estranha, cheia de possibilidades, mas não livre de ressentimentos e desconfiança, nasceu.
Atualmente Magee liga para o filho semanalmente para verificar se ele ainda mantém seu emprego como faxineiro em um hospital em Baltimore. Ele também enviou um Toyota Corolla usado da Califórnia para Luu, que se deslocava por Baltimore de ônibus.
"Fiquei espantado quando descobri que ele existia", disse Magee, 75, em entrevista.
Segundo Luu, agora que encontrou seu pai ele se sente mais forte. Mas Luu se deu conta de que a descoberta não resolveria todos os seus problemas. O que um ex-detento pode fazer para ter uma vida melhor? Ir para a faculdade? Abrir uma empresa? O tráfico de drogas continua sendo uma tentação poderosa.
"Eu queria tê-lo conhecido antes", disse Luu. "Ele poderia ter me ensinado algumas coisas."
Brian Hjort, um dinamarquês que ajudou Luu e outros vietnamitas a rastrearem seus pais, disse que os Amerasians muitas vezes têm expectativas muito altas e irreais em relação ao encontro com seus pais biológicos, pois esperam que eles curem feridas emocionais profundas. Mas os veteranos que eles acabam conhecendo muitas vezes estão doentes ou têm problemas financeiros. Às vezes, esses novos relacionamentos são emocionalmente insatisfatórios.
"Eu tento dizer para eles: eu não posso lhes garantir amor", disse Hjort. "Eu só posso tentar encontrar seu pai."
Hjort, 42, faz parte de um pequeno grupo de especialistas autodidatas que têm ajudado os Amerasians a rastrear seus pais --na maior parte dos casos sem cobrar nada. Pintor industrial de Copenhague, Hjort conheceu a história dos Amerasians quando viajou pelo Vietnã e pelas Filipinas, há duas décadas, e ficou impressionado com a pobreza desesperadora dessas pessoas.
Um deles pediu a ajuda de Hjort para encontrar o pai de um amigo. E, para a surpresa de Hjort, ele conseguiu descobrir o paradeiro do homem mesmo sem ter nenhum conhecimento prévio sobre registros militares. As notícias sobre o sucesso de Hjort se espalharam rapidamente pelos de círculos dos Amerasians, e logo ele se viu atolado por pedidos de ajuda. Movido pelo sofrimento dos Amerasians, ele aceitou mais casos, cobrando apenas o custo de suas viagens para o Vietnã. Ele criou um site, fatherfounded.org, que gerou mais pedidos de ajuda do que ele era capaz de atender.
Trabalhando durante seu tempo livre, Hjort estima ter encontrado um grande número de pais. Alguns morreram e muitos outros bateram o telefone na cara dele. Alguns ameaçaram processá-lo. Mas talvez duas dezenas deles aceitaram reconhecer seus filhos. E, nos últimos anos, os veteranos também começaram a pedir a ajuda de Hjort. James Copeland foi um deles.
Em 2011, Copeland, que já estava aposentado, começou a ler sobre as vidas miseráveis dos Amerasians no Vietnã. Consternado, ele decidiu procurar seu próprio filho.
Copeland encontrou Hjort e enviou-lhe dinheiro para que ele fosse ao Vietnã. Armado com alguns nomes e com o rascunho de um mapa, Hjort encontrou a aldeia onde ficava a base de Copeland e rastreou o irmão de uma mulher Amerasian que estava morando nos Estados Unidos --e que Hjort acreditava ser a filha de Copeland.
Hjort enviou uma fotografia da mulher e de sua mãe para Copeland, e o coração do ex-soldado disparou: ele reconheceu imediatamente a mãe como sua antiga namorada. As mãos de Copeland tremiam de emoção quando ele discou o número da filha e perguntou: "é Tiffany Nguyen que está falando?".
Nos dias que se seguiram, ele visitou Tiffany, sua mãe e seus três irmãos em Reading, na Pensilvânia, onde ela administra um salão de beleza no Wal-Mart local. Nguyen e seus três filhos passaram o Dia de Ação de Graças de 2011 com Copeland no Mississippi. Por um tempo, eles conversavam por telefone todas as noites, e ela lhe contou sobre como sua mãe a tinha protegido contra abusos no Vietnã, sobre sua luta para se adaptar aos Estados Unidos, sobre como ela olhava para os homens mais velhos no Wal-Mart, imaginando se um deles seria o pai dela.
"Nós tínhamos muitos anos para recuperar", disse Copeland. "Eu consigo dormir muito melhor agora."
Mas o encontro também trouxe um sofrimento inesperado para o ex-soldado. A mulher de Copeland ficou furiosa quando descobriu que ele tinha uma filha vietnamita, e exigiu que ele não mais a visitasse. Copeland se recusou: Nguyen é sua única descendente biológica. Após 37 anos de casamento, ele e sua mulher se separaram e pensam em se divorciar.
Tradutor: Cláudia Gonçalves

Ponte de Pedra: Reunião Semanal - 26/09/2013

Ponte de Pedra: Reunião Semanal - 26/09/2013: Presenças na reunião do dia 19 :  Osni Schroeder - Hugo R. Filippini - Danilo A. Cunha Claiton F. Nazar - Thiago F. Cazarotto - B...

sábado, 14 de setembro de 2013

CONVITE: Palestras integrantes da 7ª Primavera dos Museus


CONVITE
Luciana Prass, cachoeirense, é autora da obra "Maçambiques, Quicumbis e Ensaios de Promessa:
musicalidades quilombolas do sul do Brasil.


Nascida em Cachoeira do Sul, Luciana é filha de Ieda e Rubem Prass.
Estudou na Escola Sinodal Barão do Rio Branco.
Luciana é Bacharel em Violão, Mestre em Educação Musical , Doutora em Etnomusicologia e professora do Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra o Grupo de Estudos Musicais (GEM/UFRGS), coordenado pela professora Maria Elizabeth Lucas, desde 1993, pesquisando práticas musicais de afro-descendentes no Rio Grande do Sul.
A partir de 2002 passou a colaborar com o Programa de Educação Antirracista no Cotidiano Escolar e Acadêmico do Departamento de Desenvolvimento Social DEDS/PROTEXT?UFRGS.
Artigos e versões de sua pesquisa de doutorado receberam Prêmio Territórios Quilombolas (2008), Menção Honrosa no Concurso Sílvio Romero (2009) e Prêmio Funarte de Produção Crítica em Música (2012).
É autora de Saberes Musicais em uma bateria de escola de samba: uma etnografia entre os Bambas da Orgia (Editora da UFRGS, 2004).



O livro de Luciana está disponível para pesquisa na Biblioteca Pública
de Cachoeira do Sul, João Minssen.
 
 
Professora Rita de Cássia dos Santos Camisolão (à direita)
em palestra no Museu de História da Medicina do Rio Grande do
Sul (2012).
Temática da ocasião: 'Papos de Professor aborda Africanidades'.

Rita de Cássia é licenciada em Letras pela UFRGS e Especialista em Projetos Sociais e Culturais pela UFRGS.
Coordenadora do Programa Educação Antirracista no Cotidiano Escolar e Acadêmico.
Possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1988) e especialização em Curso de
Especialização em Projetos Sociais pela UFRGS (2008).
Atualmente é Diretora do Departamento de Educação e Desenvolvimento Social da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS e coordena o Programa de Educação Antirracista no Cotidiano Escolar e Acadêmico da UFRGS.



segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Post Scriptum

Ainda hibernando ...

CENTRO CULTURAL

Fonte: Jornal do Povo, 28 de março de 1946
Arquivo Histórico de Cachoeira do Sul

Outro dia estive em frente a uma "mina de ouro" no Museu Municipal Edyr Lima. As pesquisadoras Elisabete e Elenita catalogavam fotos preciosas de vários períodos na História cachoeirense.
Chamou-me a atenção esta foto interessante: um grupo de pessoas diante de um trem e no fundo a nossa saudosa Estação Cachoeira - era o grupo de um Centro Cultural.



Perguntei cá e acolá e descobri que Cachoeira do Sul possuiu na metade do década de 1940 um Centro Cultural, cujos registros são raros. Era iniciativa do oficial-médico Ervin Wolffenbüttel e parece que teve, apesar dos seus esforços, vida curta.
Na foto só foi possível identificar, por enquanto,

o Dr. Erwin [1], seu filho Klaus [2] e Paulo Salzano Vieira da Cunha [3][?]:



Grupo que formava o Centro Cultural Cachoeirense tendo à frente o oficial-médico Dr. Ervin Wolffenbüttel.
Atrás do vagão, a saudosa Estação Rodoviária.
Acervo: Fototeca Museu Municipal Patrono Edyr Lima

Consegui hoje ter acesso a algumas edições do Jornal do Povo de 1946 no Arquivo Histórico. Percebi, pela sequência dos textos lidos, o esforço do seu idealizador, Dr Ervin, em concretizar o Centro e sua insistente preocupação com o fato da cidade não possuir naquela época uma sede para a Biblioteca Municipal.



Aparentemente o Centro Cultural foi um sonho de uma noite de verão ...
Segundo o Dr. Ervin:

"Eis uma ideia, duas ideias, três ideias; que valem as ideias quando não se transformam em sentimentos?
Só depois que o homem se apaixona e exalta pela ideia, ele frutifica em atos.
Sem o jogo do sentimento, todas as ideias continuam sendo ideias."

Ervin Wolffenbüttel

Cachoeira do Sul 28 de março de 1946.

Fonte de Pesquisa: Museu Edyr Lima e Arquivo Histórico.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Edição requintada: Château d'Eau - Estudo para tombamento

Na sua despedida, Nelda deixou escrita uma carta para a cidade
que ela tanto amava chamada: Château d'Eau - Estudo para Tombamento.
O lançamento do livro foi regado a música clássica, estilo muito apreciado pela querida amiga.
Quantos amigos estiveram presentes naquele momento sentimental e as pessoas tão em silêncio.
Saudades, respeito e admiração pela sua requintada e belíssima última obra nesta dimensão.
Parabéns, Nelda!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Assassinado no Chile: Nilton Rosa da Silva, o Orelhinha

Foto: Orelhinha (reprodução)
 
O Orelhinha


Nilton Rosa da Silva, à direita, participou da Banda do Colégio Roque
Gonçalves em 1963. No meio, o mestre Cláudio de Lima que levou
a fotografia ao Jornal do Povo
Fonte: Jornal do Povo 


Recentemente a cidade de Cachoeira do Sul trouxe à luz,
um episódio nebuloso dos dias que antecederam o golpe militar
no Chile, em 11 de setembro de 1973:
a história do cachoeirense Nilton Rosa,
o Orelhinha, assassinado em julho do mesmo ano.
Orelhinha havia viajado ao país para participar
da resistência às tentativas de desestabilizar
o governo constitucional de Salvador Allende. 
      Ele havia desembarcado no Chile em 1971, seguindo o caminho de outros tantos brasileiros que fugiam da repressão em sua terra e chegavam sem muitas certezas quanto ao que poderiam fazer a partir dali. Na mala, trouxera mais livros que roupas – os amigos lembram que tinha sempre um volume literário embaixo do braço – e algumas cadernetas onde registrava seus versos íntimos. Era um poeta, e entre as posses que carregou para o exílio estava a experiência de militar no movimento secundarista gaúcho. Natural de Cachoeira do Sul e conhecido pelos amigos como “Bem-Bolado”,   Nilton estudou no Parobé, em Porto Alegre, e integrou a direção da União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas no biênio 1967/68. Quando o AI-5 jogou a UGES e todo o movimento estudantil à margem da legalidade, ele e muitos mais seguiram articulando as mobilizações clandestinamente.
 


Foto: Samuel Iavelberg
      Isso até o endurecimento do regime se tornar insuportável. Na impossibilidade de permanecer no Brasil em segurança, o Chile logo surgiu como alternativa óbvia para buscar refúgio. Mesmo antes de Salvador Allende ser eleito e inspirar toda uma geração da esquerda latino-americana com sua promessa de uma transição livre rumo ao socialismo, os chilenos já atraíam por sua tradição democrática. O país era um caso único na região. Argentina, Brasil e Paraguai viviam sob ditadura e tinham históricos políticos conturbados. No Uruguai, a situação tampouco parecia muito animadora – e o golpe militar viria precisamente em junho de 1973. Os chilenos, por outro lado, sustentavam a fama de ter as instituições mais sólidas do continente, com sucessões presidenciais sem traumas desde os anos 30. Até governos de centro-esquerda chegara a ter, com a vantagem de não ter se prendido a líderes personalistas como um Vargas ou um Perón. O histórico democrático chegou ao ponto de, em plena Guerra Fria, o Congresso bancar (ainda que com sérias ressalvas) a chegada do marxista Allende à presidência.


Túmulo de Orelhinha
Foto: arquivo pessoal Raul Ellwanger

      “[Ir para o Chile] era uma questão prática e de bom senso: alguns países da América Latina exigiam passaporte, que o governo nos negou. No Chile o passaporte não era necessário e, além disso, era a única democracia da região onde havia essa facilidade”, lembra o músico Raul Ellwanger, um dos que escolheu atravessar os Andes na época. Às centenas, começaram a aparecer do outro lado da cordilheira estudantes brasileiros como Raul e Nilton. E, com eles, gente de todas as partes da América Latina. O fluxo se intensificou após a eleição de Salvador Allende, atraindo não só admiradores, mas também estudiosos interessados no desenrolar da “via chilena ao socialismo”.     Alguns dos exilados se integrariam aos partidos políticos locais. Outros evitariam um comprometimento mais visceral. Mas ninguém pôde ficar alheio ao processo de mudanças.

Enterro de Orelhinha
Foto: Amy Conger

Foto: Amy Conger

Antes de mártir, poeta

      Nilton da Silva matriculou-se no curso de Pedagogia em Castelhano da Universidade do Chile e passou a integrar o polêmico Movimiento de Izquierda Revolucionaria. O MIR era tido pela imprensa conservadora como o perigoso braço armado do governo mas, na realidade, nunca chegou a fazer parte da coalizão que elegeu Allende. Excluído da Unidade Popular por iniciativa própria, o MIR declarava seu apoio ao processo, mas com restrições. Em sua gênese, o MIR defendera a revolução socialista através da luta armada, uma pauta enfraquecida com a chegada da UP ao poder. Ainda assim, o movimento seguia pleiteando que o povo fosse treinado para resistir a um golpe que parecia iminente. Em meados de 1973, o impasse político tornara frequentes os conflitos entre grupos paramilitares de esquerda e direita. Num deles, Nilton foi assassinado.
Foto: Reprodução
Foto: reprodução
      Mas, bem antes de falecer para render poesia, Nilton havia sido, ele próprio, um poeta. Dos melhores da sua turma na faculdade. Junto com alguns colegas de curso ajudou a fundar uma revista chamada Etcétera, onde aparece a maioria de seus poemas publicados, e também mandou imprimir a mimeógrafo uns poucos exemplares de sua breve antologia pessoal, um livro chamado “Hombre América”. Nilton chegou a vencer um concurso universitário de poesia e recebeu o prêmio das mãos de Pablo Neruda, que havia regressado ao Chile com o Nobel de Literatura no bolso em fins de 1972.
      O cachoeirense não chegava a ser uma liderança proeminente do MIR, longe disso, mas quando um grupo de estudantes miristas ocupou um supermercado próximo ao campus, ele esteve entre os responsáveis pela administração. Era prática comum aos grandes armazéns do país: por medo da crise ou para agravá-la, alegava-se falta de alimentos quando na verdade o que ocorria era estocagem deliberada para vender os produtos a valores inflacionados no mercado negro. Informado pelos funcionários das empresas que faziam o açambarcamento, o MIR passou a ocupar os supermercados e assumir a administração à revelia, vendendo os gêneros alimentícios pelo valor do governo.
      “Perto do campus tinha um supermercado bem grande. Fomos lá, arrombamos a porta, botamos a comida nas prateleiras e tomamos conta. Botamos para fora os donos, nos revezávamos armados com pedaços de pau, com linchacos, e administramos. Nós fazíamos as compras, pagávamos os funcionários e distribuíamos a comida ao preço que o governo estabelecia. O que sobrava de lucro nós depositávamos na conta do dono”, recorda Carlos Beust, que também militou no MIR em seu exílio e era amigo de Nilton.
Uma tarde chuvosa em Santiago
Hubieras caído de espaldas sobre el mundo
Amenazando de paso el Edificio Central de la Administración
Impidiendo el sueño de empresarios y policías
Que discuten en sus reuniones el mejor modo de rematar tu cadáver
Estamos seguros de contar contigo cuando llegue el momento
Nilton da Silva.
Volveremos a ver tu rostro
En la primera concentración que hagamos en el centro.
(fragmento: ‘Nilton’, de Jorge Etcheverry)
      O frio costuma ser intenso em Santiago enquanto dura o inverno, sem espaço para veranicos, e às vezes começa um pouco antes da data marcada no calendário para o início da estação. Na tarde de 15 de junho de 1973, fazia um frio que já não era apenas de outono, e o céu com aparência borrascosa despejou uma chuva intermitente ao longo de todo o dia. Os transeuntes viram-se obrigados a apressar o passo nas calçadas da cidade, mas não só por isso os santiaguinos quiseram evitar as ruas: aquela sexta-feira seria marcada por conflitos violentos no centro da metrópole.
Foto: Samuel Iavelberg
Foto: Samuel Iavelberg
      Desde meados de abril, as minas de cobre de El Teniente e Chuquicamata, duas das principais jazidas do país, estavam parcialmente paralisadas. Em Tl Teniente, nove mil dos 13 mil empregados cruzaram os braços. A greve tinha o apoio dos partidos de oposição e cobrava aumentos salariais que o governo considerava irreais. Converteu-se em um pretexto a mais para agravar a crise política e econômica, somando-se à lista de problemas – muitos deles artificiais – que forjavam o cenário de um golpe. A paralisação dos mineiros completaria dois meses naquele final de semana, e dezenas de ônibus e caminhões traziam grevistas desde a cidade de Rancagua para protestar. A manifestação contaria com o apoio armado da Frente Nacionalista Patria y Libertad, de extrema-direita, o que era uma promessa de brutalidade nas ruas.
      Havia uma rixa a mais para engordar o barril de pólvora da tarde: também os caminhoneiros davam seu suporte aos mineiros paralisados. Em outubro de 1972, os transportadores haviam feito uma greve que provocou desabastecimento em todo o país, atacando os donos de caminhões que se recusassem a deixar de rodar. Aquela paralisação fora sustentada por vultosas somas de dinheiro vindas dos Estados Unidos, que causavam um fenômeno interessante: logo no momento de maior crise, com os caminhões parados e as gôndolas dos supermercados vazias, o valor do dólar no mercado negro baixava vertiginosamente devido à quantidade de moeda que entrava no país para bancar o movimento. O MIR, que preparava uma contraofensiva, acirrou ainda mais os ânimos frente aos caminhoneiros.
Foto: Reprodução
Foto: reprodução
      “Eles fizeram um bloqueio total, os alimentos não chegavam onde tinha que chegar. Agora os caminhoneiros queriam entrar na cidade também, e nós saímos em defesa do governo, para impedir que eles tomassem a cidade”, recorda Carlos Beust. Santiago virou uma praça de guerra, com diferentes frentes de conflito entre os grupos. Os mineiros buscaram se concentrar próximos à sede do Partido Democrata Cristão, principal sigla oposicionista, e acusaram a polícia de tentar dispersá-los com violência. Mas a selvageria era indiscriminada. Segundo Raul Ellwanger, que junto com o Comitê Carlos da Ré (Comitê Gaúcho de Verdade, Memória e Justiça) tenta mapear o local do assassinato de Nilton da Silva para a instalação de um monumento, o Patria y Libertad teria ameaçado destruir o Comitê Central do Partido Socialista, o que fez diversos membros dos partidos de esquerda acorrerem ao local. “Os militantes estavam defendendo essa sede. E, nisso, o pessoal do Patria y Libertad disparou e matou o Nilton”, diz Raul.
      No dia seguinte, conforme documenta o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira em “Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende”, a Embaixada Brasileira em Santiago enviou um telegrama confidencial para Brasília notificando do acontecido. Sob o título de “brasileiro morto”, o embaixador Câmara Canto informava dos registros de 64 feridos, 24 detidos e um morto, que apareceu identificado como “Milton da Silva Rosa”.

Um jacarandá na Universidade do Chile
¡Ah mi patria… patria mía…
yo que recorrí todo tu cuerpo
que sentí la miseria y la opresión
junto con todos tus seres…
El clamor de la guerra,
de la lucha, de amor,
que sale de mi alma
y que resuena en toda américa
es el mismo clamor, de tu pueblo,
de mi pueblo.
Mi patria no es sólo mi patria,
es la patria de los humildes,
de los explotados de este continente…
(fragmento: “¡América!”, de Nilton Rosa da Silva)
      Nilton não foi o primeiro e, com o golpe que viria em setembro, estaria longe de ser o último militante de esquerda a ser morto no Chile. Mas seu assassinato causou uma comoção como poucas vezes se vira no país até então. Talvez o único caso comparável naqueles tempos tivesse sido o assassinato do operário Miguel Ángel Aguilera, às vésperas das eleições de 1970. Na ocasião, o cortejo fúnebre reuniu milhares de pessoas e se transformou em um funeral de cunho político. Víctor Jara, o cantor mais proeminente ligado ao Partido Comunista, compôs para Aguilera uma canção chamada “El alma lleno de banderas”, que a certa altura dizia: “aqui, irmão, aqui sobre a terra/ a alma se nos enche de bandeiras/ que avançam/ contra o medo/ avançam/ venceremos!”. O “venceremos” era uma referência ao hino de campanha de Allende, que repetia a palavra várias em seu refrão.
      O funeral do brasileiro gerou reação parecida àquela vista na época da morte de Miguel Aguilera. É incerto o número de pessoas que tomou as ruas no domingo, 17 de junho, mas numerosos relatos costumam colocar a estatística na casa dos cem mil. Embora o MIR tenha liderado a procissão, os partidos da Unidade Popular – que muitas vezes não simpatizavam com a ideologia mirista – também se sentiram afetados e acossados pelo ocorrido. Amy Conger, fotógrafa estadunidense que registrou o cortejo, perguntou em seu livro de fotos: “terá o povo sentido essa morte como um presságio do que viria?”. Apenas duas semanas depois, o Chile viveria uma tentativa – frustrada – de golpe de Estado, conhecida como Tancazo, que deixou 22 mortos. Foi o ensaio geral para a verdadeira insurreição, a de 11 de setembro.
      No Brasil, com os jornais sob censura, a morte de Nilton Rosa da Silva passou praticamente despercebida. Os diários apenas o citaram, sem qualquer alarde, com a mesma indiferença de uma estatística. Uma nota do Estado de São Paulo, no dia 17, ajuda a entender o que o governo pensava a respeito: “Esquerdista morto era asilado”, diz o título. Nilton ser brasileiro virava fato secundário, pois antes ele era duas coisas perigosas, até desprezíveis, no vocabulário de uma ditadura – primeiro, um esquerdista; depois, um asilado, o que não deixava dúvidas de que havia atuado contra o regime.
      “Muitos brasileiros quiseram colocar a bandeira do Brasil em cima do caixão, e nós não permitimos. Dizíamos: o Nilton morreu aqui no Chile, e saiu do Brasil exatamente porque não o deixaram ficar lá. Não havia condição de deixar a bandeira do Brasil em cima do caixão do Nilton”, rememora Carlos Beust. Nilton da Silva foi sepultado sob uma bandeira do Chile e outra do MIR.    Tornou-se nome de población, nome dado às favelas dos arrabaldes, e sua nacionalidade foi lembrada de modo mais sutil: plantou-se um jacarandá em frente ao prédio J da Universidade do Chile, onde ele estudava.
      Dez anos mais tarde, muito próximo do local onde fica o nicho de parede com os restos mortais de Nilton, surgiu o túmulo de uma criança nascida poucos dias depois da morte dele. O menino falecido em 1983 também se chamava Nilton, misteriosamente. Depois se descobriu que o pai havia batizado a criança em homenagem ao poeta, e quando perdeu o filho fez as gestões necessárias para encontrar um local próximo àquele em que o brasileiro jazia. Por muito tempo, esse senhor anônimo garantiu a provisão de flores aos dois Niltons do Cemitério Geral de Santiago.
* Segundo Raul Ellwanger, o Comitê Carlos da Ré vem buscando, com o apoio de pesquisadores chilenos, a localização exata em que Nilton foi alvejado, no objetivo de posicionar uma placa sinalizando o fato. A ideia é instalar a homenagem em setembro, quando o golpe de Estado chileno completa 40 anos.
* Neste sábado (15/06/2013), a RBS TV exibe o curta “Exilados”, que narra o reencontro de Carlos Beust de Oliveira com seu filho Pedro, em Santiago do Chile. O filme inclui gravações no Cemitério Geral, em visita ao túmulo de Nilton da Silva.

FONTE: http://www.sul21.com.br/jornal/todas-as-noticias/golpe-no-chile-40-anos/nilton-da-silva-virou-jacaranda-um-brasileiro-morto-pela-ultradireita-no-chile/