Orgulho!

Orgulho!

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

COMO A COLETIVIZAÇÃO DE STÁLIN INTERAGIU COM UMA VERTENTE DOS ANCESTRAIS

Quando as estradas que levam a Roma se cruzam

          Indubitavelmente, queiramos ou não, a roda dos ventos da história gira e atira em nós fragmentos originários de lugares sequer imaginados. Ou melhor, nossa limitação impede que saibamos os incontáveis fatos históricos e os lugares onde aconteceram. 
          Meus bisavós maternos Johannes Kroeger, nascido em 19 de dezembro de 1858, em Nenndorf, Silésia e Hanne Emilie Erdmuthe Krüger, nascida a 21.02.1859 em Pinnow, Pomerânea,  † (?) Ibirama, SC , imigrantes, casaram-se em Blumenau da data de 13 de setembro de 1879. O casamento foi realizado pelo Pastor Rudolph Oswald Hesse e teve como testemunhas Heinrich Krüger e Elisabeth Kröger. Johannes e Emilie tiveram ao todo onze filhos, entre os quais minha avó materna Bertha.
Filhos: Cäcilie Auguste BERTHA, Hermann, August, Carl, Marie, Alwine, Emilie, Ulrike, Pauline, Heinrich e Otto. 

Da Sibéria [URSS] para Bagé, RS, [Brasil]
         
          Erich Kroeger, um dos filhos, casou-se com a imigrante teuto-russa Katarina Kaethler cuja história - Lebensgeschichte - foi contada no meu livro "Os Ruseler de Oberhausen, traços da família no Brasil".
          Katharina nasceu em Nicolaifeld, no Condado de Omsk, Sibéria, lugar onde viveu até os cinco anos. 



Lebensgeschichte Katarina Kaetlher
          
          Segue seu relato, enviado a mim pelo seu filho Friedbert:
          Nicolaifeld era um povoado de prósperos agricultores. Seus pais também eram agricultores com alguma terra. No local onde viviam eram plantados trigo e pasto (cevada e aveia) para os cavalos. O gado era criado principalmente para consumo próprio. Produzia-se também manteiga para venda. Também animais domésticos menores eram criados, como galinhas, gansos e suínos. 
          Após a Revolução Russa em 1917, a vida para os agricultores ficou mais difícil porque o governo aumentava cada vez mais os impostos. Também ficou difícil professar o cristianismo. Pregadores foram muitas vezes interrogados. Aulas de religião foram proibidas nas escolas. A liberdade de religião foi cada vez mais cerceada.

[Os impostos aos quais Käthe se refere são os confiscos compulsórios de colheitas e gado cada vez mais violentos visto que a URSS stalinista estava submetida ao 1º Plano Quinquenal (estavam previstos três), isto é, um processo de planificação onde foram estabelecidas prioridades tanto na indústria como na agricultura.] 


A decisão de sair da URSS

          As dificuldades econômicas e a falta de liberdade de religião fez surgir a decisão de sair da União Soviética. A saída da família Kaethler, Johann e Anna Wiebe Kaethler aconteceu no ano de 1929. Junto com os pais partiram Anna, Heinrich, Hans, Peter, Jakob, Wilhelm, KATARINA (Käthe), Gerhard e Liese. Na ocasião, Liese tinha 1 ano de idade. 

[O 1º Plano Quiquenal desenvolvido de 1928 a 1932 teve como principal objetivo criar as bases da economia socialista.. A agricultura foi coletivizada, criando-se os kolkhozes (cooperativas de camponeses), os sovkhozes (propriedades do Estado, cultivadas por assalariados) e as MTS (estações de maquinaria para apoio aos agricultores). Quanto à indústria pesada, à siderurgia e à eletrificação. A planificação promoveu uma desorganização dos bens de produção  gerando um ciclo muito grave de fome no início da década de 1930, quando não se sabe ao certo quantos milhões de russos morreram de inanição.]


          A família viajou até Moscou para obter autorização para sair. Marichen Kaethler com marido e filho decidiram ir mais tarde, porém não conseguiram mais sair.


A chegada à Alemanha

          A chegada à Alemanha foi pouco anterior ao Natal de 1929 quando o grupo ficou alojado em acampamentos nas cidades de Mölln (Distrito de Lauenburg, Schleswig Holstein), Prenzlau (Distrito de Uckermark, Brandenburgo) e Hammerstein (am Rhein?).
          A estadia na Alemanha estendeu-se por seis meses. Neste meio tempo, a família ficou abrigada em vários campos nas três cidades mencionadas anteriormente. Durante este período foram realizados esforços para que os grupos pudessem emigrar.
          Durante este período Käthe frequentou o Jardim de Infância. Em meados de 1930 finalmente a família pôde viajar. Com o navio Sierra Córdoba aconteceu a viagem da Alemanha para Buenos Aires. Foram três semanas de viagem com relativo conforto.

Foto rara: retirantes menonitas
Fonte: http://www.mennonitehistorian.ca/38.4.MHDec12.pdf
Vida nova no Paraguai

          Após a chegada a Buenos Aires, a família embarcou no navio Apipe com destino ao Paraguai (viagem longa e difícil). De Puerto Casado foi empreendida uma viagem de trem e depois uma viagem de vários dias em uma carreta de bois (Ochsenwagen) para Fernheim. Os imigrantes foram levados por cidadãos com segurança para a Colônia Menno.
          A Família Kaethler recebeu um lote de terra na Vila nº 6, chamada de Friedensruh.


Campo de refugiados alemães na URSS
* Foto garimpada com muita dificuldade
Mölln, distrito de Lauenburg, estado de Schleswig-Holstein
O inóspito, porém domesticado chaco paraguaio
          Na sequência do relato de Käthe, o enfoque sobre a educação é visível quando menciona a existência de cartilhas provenientes da Alemanha e o uso da lousa de ardósia. 
          A nova vida no Paraguai exigiu muito esforço no campo, uso intenso das mãos devido à falta de ferramentas suficientes. Semeadura a mão, capina e colheita. Nas plantações de kafir havia intensos ataques de pombos.


O cereal kafir, desconhecido no nosso meio, mas muito utilizado
pelos menonitas paraguaios.
A enfermeira Käthe
          
          Porém, o intenso trabalho no campo para Käthe estava com os dias contados. Aos 23 anos mudou-se para Filadélfia (Paraguai) para exercer um trabalho menos penoso. Trabalhou em um hospital no início e, em 1948, mudou-se para Assunção. Estudou Enfermagem na Escuela Andrés Ribeiro. Foram vários anos de estudo para formar-se parteira. Nas férias retornava para casa com o intuito de ajudar os pais. Terminado o curso, Käthe retornou para Filadélfia para trabalhar no hospital, estendendo-se esta missão até 1954, nos últimos anos como Irmã Superiora.
          Seguiram-se anos de intenso trabalho religioso paralelo. Em 1942 Käthe foi batizada, tinha 18 anos. Aos domingos Käthe ajudava no Jardim de Infância como professora e participava do coro.
          Em 1954 veio a decisão de mudar-se para Colônia Nova, Rio Grande do Sul. A comunidade andava à procura de um médico que atendesse permanentemente o hospital local.

Katarina e Erich

          Em 15 de agosto de 1955 aconteceu o noivado, e em 30 de dezembro o casamento com Erich Kroeger (sobrinho da minha avó Bertha), filho de Otto e Wilhelmine Kroeger, natural de Ibirama, SC. Erich foi o segundo filho de uma grande família luterana. Quando foi convocado para o serviço militar exercido no Rio de Janeiro em 1944, Erich converteu-se à fé menonita. Diante desta nova situação, Erich recebeu, no final de 1949, uma bolsa de estudos para a Escola Central em Fernheim, no Paraguai, permanecendo lá até 1952. Na Vila Nova, Bagé, trabalhou como professor.

A família Kroeger

          O casal Erich e Käthe teve quatro filhos: Friedbert, Hans Otto (residente no Paraguai) Horst e Victor.


A teuto-russa Katarina Kaethler, com o esposo Erich (primo-irmão da minha mãe Anna) e os quatro meninos em foto do
início dos anos 1960, em Vila Nova, Bagé, Rio Grande do Sul. Vila Nova continua sendo uma próspera comunidade formada pelos menonitas. Os menonitas descendem dos anabatistas, uma das várias vertentes decorrentes da Reforma Luterana.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Igreja de 1500 anos vira entulho nas garras do Estado Islâmico!

Monastério Católico de Mar Elian, localizado no meio do deserto

           O Monastério de Mar Elian localizava-se próximo às ruínas de Palmyra. Vê-se, portanto, que a horda do Estado Islâmico, por onde passa, como na péssima fama dos antigos hunos, não deixa mais o pasto crescer e espalha o terror entre a população.

Sarcófago que continha os resto de St. Elian, vandalizado pelo Estado Islâmico

Eis o que sobrou da antiga igreja, um amontoado de chocantes ruínas

Por que não se consegue colocar um BASTA em tanta iniquidade?

Culura desta gente = ZERO, fundamentalismo = 10!

A EXECUÇÃO DE UM HOMEM SÁBIO!

O arqueólogo Khaled al-Assad e suas 'relíquias' de Palmyra


          Estou absolutamente chocada e deprimida com as notícias que chegam a todo momento do Berço da Civilização. Igualmente incomodada com a imobilidade da ONU, da UNESCO, dos países poderosos desse planeta, que absolutamente NADA FAZEM para conter a matança de inocentes e a destruição de tesouros da humanidade insubstituíveis.
          Já não bastaram as perdas absurdas da II Guerra Mundial e de outras como a do Vietnã que reduziu a quase poeira a cidade histórica vietnamita de Hue. Somam-se às tragédias provocadas pelo homem as catástrofes naturais que dilapidam se dó ou piedade nosso passado. 
          O arqueólogo Khaled al-Assad foi interrogado durante um mês (alguém sabia que este fato estava acontecendo?) juntamente com seu filho Walid, atual diretor de antiguidades de Palmyra, para que revelassem o local onde haveria uma boa quantidade de ouro escondida.
          Kalid foi libertado devido a ser possuidor de uma doença crônica, entretanto seu pai foi executado publicamente de forma horrenda: decapitado e dependurado num poste.
          Graças a este senhor de 82 anos e aos seus filhos inclusive Walid, cerca de 400 peças antigas puderam ser SALVAS da horta de fanáticos sádicos fundamentalistas.
           Décadas à frente deste sítio arqueológico tombado pela UNESCO (faltou proteger), tornou-se um especialista que lia as escritas antigas deixadas pelos ancestrais.
           Na imagem acima é visível a expressão de orgulho e alegria no brilho do sorriso de Khaled, diante dos belíssimos bustos esculpidos.
           Palmyra é um oásis no deserto da Síria, a nordeste de Damasco, contém ruínas monumentais de uma grande cidade que foi um dos centros culturais mais importantes do mundo antigo.
           Nos século I e II, Palmyra juntou as técnicas greco-romanas com as tradições locais, enriquecidas pela influência persa.
           Por que essa passividade dos poderosos?
           Covardia? Não há petróleo em Palmyra? Ou?


terça-feira, 18 de agosto de 2015

O HOLODOMOR RUSSO

O "LEVIATÃ VERMELHO"

        Segundo o historiador Voltaire Schilling, os russos promoveram os acontecimentos mais espetaculares dos tempos atuais. Inauguraram o século realizando a revolução social e política mais radical de todos os tempos, uma revolução que erradicou completamente o poder dos barines (antigos senhores do campo), a classe de senhores que havia dominado o país de maneira inconteste por mais de cinco séculos, jogando toda a tralha feudal na poeira da História. Logos a seguir, sobreviventes da terrível guerra civil, de 1918-1920, e da intervenção estrangeira que quase esquartejou o colossal império, lançaram-se com energia e ardor na industrialização acelerada do país, obedecendo às orientações da piatileka, os planos quinquenais que se sucederam numa verdadeira volúpia modernizante.
        A ferro e fogo, de forma impiedosa, esmagaram a propriedade camponesa e tangeram a mão de obra dos rústicos para dentro dos enormes complexos fabris e para as imensas hidrelétricas, as pirâmides do sistema soviético.
        Desmantelado o anacrônico estado czarista, construíram um outro, de mil olhos, cujo poder estarreceu toda a ciência política e tornava os tiranos do tempos de Maquiavel em habitantes do país de Gulliver. Esse Estado em nenhum instante vacilou em exterminar, não apenas qualquer oposição, mas até seus próprios servidores, fossem da administração civil, do exército, da polícia política ou aqueles que simplesmente caíam em desgraça, os dvurujnick como os chamava Stalin, isto é, que agiam com duplicidade.
        Suprimiram também o braço russo da Igreja Bizantina, com suas resinas medievais e com seu terrorismo teológico e obscurantista, que mantinha os camponeses apavorados e embrutecidos, afundados na superstição.
        O mundo assistiu a tudo aquilo espantado, entre o fascínio e um medo primitivo. Nessa ambiguidade de sentimentos provocados pela Revolução de Outubro de 1917, emergiu o nazi-fascismo que passou a dedicar todo seu ardor e energia em destruir aquele Leviatã vermelho procedente das estepes asiáticas da Europa oriental.

A "PIATILEKA", OS PLANOS QUINQUENAIS
        O primeiro plano quinquenal deveria ser o ponto de inflexão na construção do socialismo, a ruptura decisiva com o passado, e Stalin e seus aliados viam-no como uma guerra de classes.
Vítima da coletivização e do caos

        As metas cada vez mais crescentes do plano e o caos que resultou da coletivização fizeram que milhões de pessoas fossem deslocadas, cruzando o país de um canteiro de obras para outro. O padrão de vida da população começou a cair vertiginosamente. Em alguns lugares houve greves por causa da escassez de comida. Os gerentes das indústrias essenciais não conseguiam manter sua mão de obra sem medidas radicais, que não se limitavam à oferta de comida nos refeitórios das fábricas, mas incluíam a construção de prédios de apartamentos e escolas, linhas de bonde e clínicas para os trabalhadores. Um tipo inteiramente novo de hierarquia surgiu na sociedade soviética, que punha não só a elite do partido, mas também fábricas e indústrias inteiras acima do restante.
"Exorcização dos kulaks, os ricos e bem sucedidos proprietários de terras

        Os trabalhadores em indústrias prioritárias, como as fábricas de automóveis e tratores ou o complexo de defesa, conseguiram atravessar esses anos com pelo menos as necessidades básicas da vida satisfeitas, ao passo que, nas fábricas têxteis ou outras indústrias leves, muitas delas com mão de obra predominantemente feminina, os trabalhadores tinha comida insuficiente até para trabalhar o dia inteiro.
Grão eram escondidos até em cemitérios e ... ENCONTRADOS!
Os milhões de mortos espalham-se por todos lados
        No outono de 1929 Stalin decidiu tentar obter o máximo de coletivização que pudesse. Para preparar o terreno, a liderança decidiu a "liquidação dos kulaks como classe" e a GPU (antiga Tcheka, polícia repressiva) começou a prender e deportar os kulaks. Muitos milhares foram executados e quase dois milhões foram deportados para o Norte, os Urais e a Sibéria, onde foram colocados em "assentamentos especiais" para cortar lenha ou às vezes trabalhar nas minas ou na construção. Eles chegaram em áreas remotas, onde tiveram de construir suas próprias casas, muitas vezes no meio do inverno, sem quaisquer instalações, atendimento médico ou suprimento de comida. Milhares escaparam e milhares morreram, até que, em 1931, a GPU assumiu os assentamentos especiais, o primeiro grande grupo a cair sob a égide da Gulag.
Deportação de kulaks
 
O impiedoso confisco de cereais

        Como os kulaks fora do caminho, a coletivização prosseguiu em velocidade máxima. Sob intensa pressão dos oficiais rurais do partido e de emissários enviados das cidades, os camponeses foram convencidos a abandonar suas faixas de terra e combiná-las, pelo menos em teoria, numa única fazenda a ser trabalhada em conjunto.


Alguns camponeses conseguiam chegar às cidades, neste caso, Karkhov, Ucrânia.
 Tarde demais, desnutridos, doentes e exaustos morriam como mosca pelas ruas.
    Enqu   anto a coletivização continuava, com todos os transtornos que causava, o clima pregou uma peça cruel. Em 1931 e 1932, o tempo ruim - frio em algumas áreas e seca em outras - abateu-se sobre a Ucrânia e a Rússia meridional, as principais regiões produtoras de cereais. A consequência no verão de 1932, foi uma fome que atingiu um vasto cinturão que ia da fronteira polonesa até a Sibéria.
O horror, o horror: canibalismo.
Anos mais tarde, o cerco de 900 dias a Leningrado produziu cenas dantescas como esta.
        As autoridades reagiram com lentidão e mantiveram seus estoques de cereais nas quantidades fixadas em anos melhores. Somente mais para o fim do ano elas começaram a afrouxar, mas já era tarde demais e a fome havia se espalhado, levando consigo cerca de 5 a 7 milhões de camponeses nas regiões meridionais da URSS aproximadamente metade deles na Ucrânia. As vítimas da fome, e não os kulaks, acabaram sendo as principais vítimas da coletivização. A seca atingiu os camponeses quando a quantidade de gado havia diminuído, em média, pela metade, e eles não tinham reservas de cereais; tudo isso foi resultado do caos da coletivização e do confisco implacável de cereal para as cidades.


Monumento aos mortos do Holodomor, o genocídio ucraniano
Local: Kiev, Ucrânia
        A fome perturbou as autoridades, mas elas fizeram muito pouco contra ela. Stalin não tomou nenhuma medida extraordinária contra a fome, que esmagou a oposição à coletivização. Foi somente quando um clima melhor em 1933 produziu uma safra mais farta que a fome chegou ao fim.
A menina-símbolo do genocídio ucraniano - o Holodomor
        
        Dentro de pouco tempo haverá expurgos brutais nas Forças Armadas e no Partido, que gerarão novos genocídios e que ficarão igualmente impunes.


"Mil olhos" vigiavam dissidentes, kulaks, inimigos nos gulags siberianos, onde viver era quase impossível!

Fonte: História Concisa da Rússia, Paul Bushkovitch, Edipro, 2014.
Tempos da História, Voltaire Schilling, SoLivros, 1995.

domingo, 16 de agosto de 2015

A ERA DA MEDIOCRIDADE*

Voltaire Schilling - SEMPRE ATEMPORAL!
Texto extraído do livro  ‘Tempos da História’, publicado em 1995
Muro de Berlim
            Acredito que os ideólogos do conservadorismo, gente como Daniel Bell[1], que vivia pregando o “fim das ideologias”, vão ter ainda muito que lamentar. Seu argumento era de que o avanço da sociedade de consumo e a ampliação dos direitos democráticos atuam como fatore de amortecimento dos rancores sociais, fazendo cair as viseiras ideológicas dos esquerdistas. Mais tarde ou mais cedo os socialistas e toda a intelectualidade que com eles simpatizava cairiam na real de que o mundo não funciona inspirado no ideário da solidariedade e da fraternidade humana, mas sim pelos apetites interesseiros e pragmáticos dos indivíduos. As massas não tinham nada que serem idealizadas ou glorificadas, mas sim atiçadas ou coagidas ao trabalho pelas severas ameaças do desemprego ou de outras privações.  É claro que aqui e ali pontificavam nas multidões gestos afetivos e consagradores, mas não eram determinantes, simples trivialidades que não impulsionavam as forças produtivas. Argumentavam também que o capitalismo, entregue a si mesmo, não só pode prover razoavelmente bem as carências da população, como suprime, com o seu desenvolvimento, a razão de ser daquelas imensas manifestações a favor da justiça social de que tanto os intelectuais de esquerda gostavam de participar.
             De certa forma, mais e mais nos aproximamos desse mundo esboçado pelos conservadores, como Karl Popper, que desprezam, na realidade, qualquer referência à possibilidade do aperfeiçoamento humano que não aquele auferido pelas duras leis do mercado ou pela “superioridade da ordem espontânea sobre a ordem determinada” de Friedrich Hayek, este discípulo atualizado, mas inconfesso , de Arthur Schopenhauer.


             Mas esse mundo despido de ideologia que tanto anunciaram e com que ora nos deparamos não é um belo mundo. Onde os estados ideológicos, isto é, socialistas, começaram a ser desmontados, nada de superior surgiu. Na União Soviética, a longa Pax Comunista, primeiro implantada nas quase cem nacionalidades da República e, depois de 1945, nos países do Leste europeu, começo a ruir. E com o que nos deparamos?
             Na República do Azerbaijão, os aziris muçulmanos saíram à caça dos armênios cristãos minoritários na região. Na Geórgia soviética, várias minorias estão sendo ameaçadas de extermínio puro e simples. Na Romênia, a escassa população de origem húngara foi quase linchada pelo simples desejo de poder voltar a falar seu idioma. Na Bulgária, uma multidão ocupou as praças de Sofia para protestar contra o desejo da minoria turca, que perfaz apenas 8% da população, de batizar seus filhos com nomes otomanos. Na vizinha Iugoslávia, sérvios e croatas levaram o país à guerra civil devido a suas antipatias históricas e que apenas o prestígio do falecido marechal Tito mantinha conciliados. Se olharmos para a África do Sul, o panorama não é diferente. Bastou o porrete do policial branco começar a ser desativado para que zulus e xosas dessem início a violentas chacinas que mesmo os abraços de Nelson Mandela e o chefe Butelezi[2] estão longe de poder cauterizar.
            O desaparecimento dos conflitos de ordem ideológica que, queiramos ou não, eram intelectualmente e humanamente mais apaixonantes, deram lugar ao medíocre entrechoque étnico, as matanças cretinas que levam a um rebaixamento geral das lutas políticas. Que tratado posso eu escrever a favor de um grupelho étnico qualquer, - “o que me interessam os hotentotes?” – já disse Voltaire faz duzentos anos.
             Mas prevê-se também um efeito devastador junto à nova geração desideologizada deste final de século reduzida ao ideário yupe do sucesso financeiro e do consumo fácil. Estamos cada vez bem mais longe daqueles tempos em parte considerável da juventude estudantil ocidental resolveu eleger como modelo, segundo Lucio Colletti[3], “o deserdado, o marginalizado, o pobre”. Tempos em que os filhos da sociedade afluente terminaram por exercer um saudável exercício de militância crítica às instituições e costumes que então nos cercavam.
            Será muito duro para os jovens de hoje viver em sociedades que perderam qualquer interesse no aperfeiçoamento altruísta do homem e cuja máxima preocupação é o pregão da Bolsa de Valores. Estamos também aí ameaçados por uma regressão que nos conduzirá a sermos colhidos pelo acaso, pela consulta às trajetórias de Netuno, pelo comportamento de Plutão, pelos delírios dos comentas, pelo predomínio do kardecismo, da cultura zen, pelas previsões de Nostradamus, pelos humores de Xangô e pelo aumento desbragado da literatura zoroástrica.
            Este vazio existencial-ideológico termina sendo ocupado, cada vez mais, pelo  entorpecimento das drogas e outros derivativos afins, situação em que cada um procura, individualmente, a simulação de uma pequena fuga de um cotidiano reduzido à mediocridade. Estará essa gente que agora começa a enfrentar o fim do século condenada, como disse certa vez Baudelaire aos da sua época, “à farsa, ao erro, ao pecado e à mesquinhez, tendo que ocupar seus espíritos com os destroços das boas intenções do passado da mesma forma que os mendigos se alimentam dos seus próprios piolhos”?



[1] Sociólogo estadunidense (1919-2011), autor de várias obras entre as quais, “O Fim da Ideologia’.
[2] Mangosuthu Buthelezi é um político sul- africano, chefe tribal dos zulus e presidente do partido político Inkatha Freedom Party, que ele formou em 1975.
[3] Filósofo e político italiano (1924-2001).

Uma guerra 'quase' desconhecida: a Guerra dos Bôers

A DURA GUERRA BÔER

Guerrilha Bôer
Na eterna conturbada África, aconteceu um brutal conflito, em duas fases, no final do século XIX e início do século XX entre ingleses e os BÔERES, descendentes dos colonos calvinistas dos Países Baixos, da Alemanha, da Dinamarca e dos huguenotes franceses..
Estabeleceram-se nos séculos XVII e XVIII, na atual África do Sul, cuja colonização era disputada com os britânicos.
Desenvolveram uma língua própria, o africâner, derivado do neerlandês.

PRIMEIRA FASE: 1880 - 1881
Independência da República Bôer Transvaal em relação à Grã-Bretanha.

SEGUNDA FASE: criação da República Sul-Africana com a anexação das repúblicas boêres do Transvaal e do Estado Livre de Orange às colônicas britânicas do Cabo e Natal.

PAZ DE VEREENIGING
Em 1902, representantes do Reino Unido e das repúblicas bôeres dos Transvaal e Estado Livre de Orange, puderam fim às guerra bôeres, colocando todo o território da África do Sul como um domínio do Reino Unido, denominado União Sul-Africana. 

Bôeres

Ingleses (na comparação das imagens, é visível o lado mais fraco).

Comandante guerrilheiro boer Johannes Lotter
Executado em 12.10.1901 pelos ingleses

Determinados a não perder o conflito, os ingleses impuseram ações draconianas contra famílias
suspeitas de ajudar a guerrilha bôer. Fazendas eram queimadas, o gado era morto e as pessoas foram levadas
para campos de concentração.
A Grã-Bretanha, bem antes dos nazistas, foi quem inventou a moderna política dos campos.

Família aprisionada num campo. Milhares de prisioneiros padeceram de fome, doenças e maus-tratos.

Menino boer, vítima de um campo.

A vestimenta, a roupa, a pose são bonitas ...
A história não é (neste caso).

Último à direita, Winston Churchill

Churchill, ainda jovem, entrou no cenário da política inglesa de maneira espetacular como correspondente de guerra boer. Churchill caiu prisioneiro quando seu trem foi emboscado. Conseguiu escapar dos guerrilheiros bôeres, realizando uma fuga espetacular de Pretória, com direito a ter a cabeça a prêmio. Anos depois, em 1922, quando travava com Michael Collins, o fundador do IRA, o Tratado que acertou a emancipação da Irlanda, ele referiu-se ao fato dele, naquela aventura africana ter valido bem menos, só 25 libras, do que a cabeça de Collins, posta a prêmio pelos ingleses por 5 mil libras.
Mas o que havia de tão valioso nas terras que levaram povos ditos "civilizados" a uma guerra tão brutal? Somente a exigência de territórios cuja ganância imperialista seguia insaciável?
Ouro, diamantes e ferro despertaram a cobiça dos beligerantes.
Muito incensado por sua atuação durante a II Guerra Mundial, Churchill como toda a sua classe era racista. Se tomou posições condescendentes para com a autonomia dos irlandeses (que afinal eram brancos), mandou o governo britânico da Mesopotâmia GAZEAR os árabes (fósforo branco, ao entrar em contato com o ar, incendeia-se) quando da revolta iraquiana de 1920, como igualmente manteve-se OPOSTO às reivindicações dos indianos em obterem a independência. Considerava Gandhi "um faquir sedicioso". E até o fim, quando era evidente que o império não poderia mais ser mantido, ele bateu o pé CONTRA a emancipação da Índia, entendendo-a como habitada por um povo miserável, selvagem e supersticioso, que só poderia ser contido da desordem crônica pelo relho do homem branco. Churchill sempre depositou uma espécie de fé religiosa na superioridade da raça anglo-saxã acreditando-a a única a ser habilitada a governar o mundo (situação hoje consagrada pela aliança de ferro entre os Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha, hegemônica no planeta).
Crença que ele não estendia aos germanos em geral, pois via-os desprovidos da sofisticação necessária para conduzir ao bom caminho os milhões de nativos que povoavam a Terra.
A dura guerra Bôer, travada pelo Império Britânico contra os brancos da África do Sul
Filme recomendado.