Orgulho!

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domingo, 30 de janeiro de 2011

PASSAGEIRO DA AGONIA - Jornal do Povo, 24 de janeiro de 2011



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ANO - Nº 173 - Edição de Segunda-feira, 24 de Janeiro de 2011

VC REPÓRTER
Os últimos dias do Passageiro da Agonia

Como foi destruída a Estação Férrea do centro da cidade e ferida para sempre a memória de Cachoeira




Foto raríssima em Cachoeira: trem parado na Júlio de Castilhos, segurando o trânsito
Cortesia: Ricardo Radünz (a imagem foi clicada pelo seu pai, Júlio Emílio Radünz)

Renate Schmidt Aguiar

A antiga Cachoeira Grande do Sul foi cruzamento de coordenadas geográficas de trilhos, variantes e estações de marcantes passagens. A gaúcha Cachoeira Grande do Sul sofreu intervenções arquitetônicas e urbanísticas na onda dos modismos nacionais. Tais mudanças relacionaram-se com projetos modernizadores fundamentados, segundo a pesquisadora Lia Osório Machado, da UFRJ, “na esperança de um futuro melhor e na rejeição do passado, na abolição dos seus vestígios e na sua superação. A vergonha do passado e a crença no futuro se fizeram sentir, por exemplo, na disseminação das ideias de dimensão continental do país, de espaços vazios e de oferta ilimitada de terras, que fazia do Brasil um país do futuro, uma ideologia avassaladora a partir da República. Olhou-se para o passado apenas para cimentar a identidade nacional, que estava então sendo forjada”.

Hoje, felizmente, se está diante de outra realidade, a de que a cada dia mais cidades buscam revalorizar seu passado através da preservação/recuperação/restauração do que sobrou de paisagens anteriores e, naquelas onde a destruição foi devastadora, somam-se esforços para salvar e valorizar o que restou. Lia Osório Machado reconhece que “essas tentativas nem sempre têm sido bem-sucedidas. O desejo de tombar toda edificação que possa ser identificada como memória urbana raramente tem sido acompanhado de adoção de medidas que incentivem proprietários e inquilinos a preservar os imóveis tombados, fato que tem levado, muitas vezes, ao tombamento ipsis litteris da edificação que queria proteger”.

DEPRIMENTE - Em Cachoeira, as deprimentes realidades da Casa da Aldeia, da Ponte de Pedra, do Paço Municipal e da Estação Férrea de Ferreira forjaram-se diante de discursos decorados, transferências de responsabilidades, abstenções, fugas, ignorância e burrice. Cachoeira poderia ser polo de atração turística pelas suas características temporais, mas perdeu-se numa babel de incompreensíveis contradições. E foi esta babel que desencadeou a decisão da retirada de toda a estrutura da Estação Cachoeira, a estação ferroviária do Largo Villagran Cabrita, convertendo em entulho e pó uma das mais ricas páginas da nossa história.

PASSAGEIRO DA AGONIA - Linha do Tempo

LINHA DO TEMPO


Nível da Estação Férrea, guardado na casa do engenheiro Eduardo Minssen
Imagem: RESA


1850

O transporte ferroviário começou em 1850. No Rio Grande do Sul, a história ferroviária inicia em 1866, em meio ao debate entre a escolha do transporte fluvial pelo Rio dos Sinos ou a construção de uma estrada de ferro que ligasse o vale do Rio dos Sinos à capital.

1883
Nossa estação é inaugurada em 7 de março de 1883, na porção norte da Rua Sete de Setembro. O espaço imponente formado pela estação compartilhava com o Engenho Cachoeirense, Banco do Brasil, Banco Industrial e Comercial do Sul, o Sulbanco, canteiros, luminárias antigas e um lugar conhecido como Largo do Colombo ou Villagran Cabrita. 93 anos foi seu tempo nesta vida.

1973
Em 1973, na Vila Oliveira, desponta uma nova estação, cujo traçado da linha, a partir de agora, é periférico. Diante desta nova realidade, as atenções voltam-se para a estrutura localizada no coração da cidade, em área nobre e que era vista como um entrave à dinâmica da parte alta e baixa da cidade, dificultando sua comunicação. O então prefeito Pedro Germano e seu secretário municipal de Obras, Jorge Ilha, mobilizam-se rapidamente para adquirir junto à RFFSA a área desativada. Devido ao abandono e à ociosidade, o prédio da antiga estação rapidamente depreciava-se. O levantamento técnico da área do leito foi executado pelo arquiteto Augusto de Lima.

1974
A partir daqui, há um vácuo de ordens e contraordens. A partir daqui, dispersam-se as ações e reações. A partir daqui, há muito zunzum, como diz J. Muller (veja box), e misteriosos “bebês paridos por pais que hoje evaporaram”. O advogado Armando Fialho Fagundes lembra bem de muitas coisas, pois estava organizando a IV Fenarroz (1975/76). Seus contatos com Pedrinho eram diários. Segundo seu depoimento, os trechos urbanos dos antigos trilhos, mais ou menos da Rua Esperanto (Bairro Barcelos) até a BR 153, foram adquiridos pela Prefeitura, que pagou um preço mais ou menos simbólico, mas pagou. Os demais trechos a rede Federal iria tentar vender para os lindeiros (limítrofes). Alguns trechos foram comprados por eles, outros abandonados. Os descartados, porém, voltaram a ser ocupados pelos lindeiros que antes não teriam mostrado interesse.

DEZEMBRO - Em 22 de dezembro de 1974, a compra da área da RFFSA é considerada nova vitória de Pedro Germano. Pelas demais matérias jornalísticas da época esta notícia soou estranha porque o que se sabe hoje é que a área acabou sendo praticamente doada. Segundo correspondência enviada ao prefeito pelo superintendente e adjunto da rede, engenheiro Dovile Cavedon, o imóvel “poderá ser alienado através de cessão de direito por preço de avaliação, valor a ser reajustado por ocasião da formalização do negócio. O pagamento poderá ser efetuado mediante uma entrada de 20% do valor arbitrado e o restante em até 60 parcelas, sujeitas a juros e correção monetária".

1975
ABRIL - Em 6 de abril de 1975, nova manchete do Jornal do Povo: “Prefeito gestiona liberação da antiga área da RFFSA”. O título dela repercute a preocupação do prefeito Pedro Germano com a demora na solução do problema da aquisição da área da estação. É enviada ao diretor da RFFSA, Carlos Henrique Rupp, carta para orientá-lo a respeito do importante assunto, ao mesmo tempo que encaminha ao Legislativo projeto de lei solicitando autorização para aquisição da área. Em 17 de abril de 1975, a notícia que circula é a de que a Secretaria de Obras Públicas envia a Cachoeira do Sul uma equipe de urbanistas, chefiada pela arquiteta Mirna Grohs, a fim de levantar a área do antigo pátio de manobras da RFFSA e posteriormente elaborar projeto de urbanização da área. No dia 22 de maio de 1975, nova manchete confirma a aquisição da Estação Férrea com a viagem do prefeito a Porto Alegre. Confirmados os 20% de entrada e as 60 prestações. Com a efetivação dessa transação na capital, a Prefeitura estará em condições de entrar na posse imediata da área e o início das obras programadas.

JUNHO - Em 1º de junho de 1975, notícia de capa anuncia: “Prefeitura inicia amanhã obras na área que pertenceu à Viação Férrea”. No texto da matéria: “por deliberação do prefeito Pedro Germano e por solicitação da equipe indicada pelo deputado Otávio Germano, a Prefeitura começará amanhã os primeiros trabalhos junto à área recentemente adquirida da RFFSA, os quais constituirão inicialmente a demolição da murada que circunda a área”. A obra do século, tão anunciada por Pedro Germano e tão ansiosamente aguardada pela população, iniciou-se com a derrubada do muro de proteção. Neste momento, inicia-se um dos maiores desastres de perda de memória, uma navalha crava fundo e retalha parte da nossa história cachoeirense, para abrir finalmente a Rua David Barcelos.

PASSAGEIRO DA AGONIA - Imagens e histórias não publicadas


Uma das últimas imagens da Estação, datada de 1975, antes da sua demolição
Imagem: cortesia família Cezínio Magalhães Machado



Imagem: Antônio Siqueira Martins (foto RESA)


Imagem: cortesia Sérgio Rodrigues, maquinista de trem húngaro. Sérgio é o primeiro à esquerda de uniforme branco


Imagem de Cezínio: cortesia da família de Cezínio Magalhães de Araújo, agente ferroviário


Imagem: Vilmar Zanini (foto RESA)


VILMAR ARLEI ZANINI

Vilmar Arlei Zanini, ferroviário de 1959 a 1986, agente e conferente, justifica a inexistência de fotos pessoais do seu tempo de trabalho: - “ninguém dava importância”. Enquanto conversávamos folheava nostalgicamente o livro “Patrimônio Ferroviário no Rio Grande do Sul”, Inventário das Estações 1874-1959 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, IPHAE, procurando a Estação Cachoeira. Demolida, não constava no Inventário.



ANTÔNIO SIQUEIRA MARTINS

Antônio Siqueira Martins ingressou na VFRGS dois anos antes dela passar para as mãos federais como RFFSA. Seu concurso foi para o cargo de carregador também conhecido como serviços gerais. Entrou na rede em 1956 para se aposentar em 1982. Contou orgulhoso que pela “letra boa” foi para o serviço de conferente de cargas de vagões. Exerceu outras funções sem ter sido remunerado, como de guarda-chave e licenciador de trem. Trabalhou na Estação Aymoré-Drummond onde ocorriam cargas e descargas de gado para não sobrecarregar a Estação Cachoeira. Em 1º de outubro de 1970 veio a ordem para o fechamento da Estação, sendo então transferido para a de Max Brum e posteriormente Ildefonso Fontoura (entre Bexiga e Cachoeira). Em 1976 houve um Plano de Classificação de Cargos. Passou para Auxiliar de Agente onde se aposentou.


SÉRGIO ROBERTO TEIXEIRA RODRIGUES

A foto foi tirada na estrada de ferro Roca Sales-Passo Fundo.
O cachoeirense Sérgio Roberto Teixeira Rodrigues (primeiro, à esquerda) foi funcionário da RFFSA e nela se aposentou. Trabalhava na linha Porto Alegre-Santa Maria.
Foi maquinista dos trens húngaros e mora em Cachoeira do Sul.


Imagem: Sérgio à frente de um "húngaro"

CEZÍNIO MAGALHÃES MACHADO

Agente ferroviário, morava no prédio da Estação. É autor de uma das últimas imagens, datada de 1975.

Pesquisa: Renate E. S. Aguiar (2010)

PASSAGEIRO DA AGONIA - Não havia nada a fazer. Será?


Estação Férrea do Bairro Oliveira em seus últimos dias embarcando/desembarcando passageiros
Imagem: cortesia Museu Municipal - Patrono Edyr Lima

Não havia nada a fazer pela estação. Será?

Nenhum movimento foi organizado pela preservação da Ferroviária, salvo algumas posições em contrário

A área que fazia parte do conjunto da antiga Estação Férrea de Cachoeira do Sul não poderia ser vendida, doada, nem mesmo em regime de comodato. Nada de loteamento ou algo parecido. De fato isto aconteceu? Onde teria parado o acervo de móveis, objetos, máquinas, utensílios, documentação, tábuas, tijolos, telhas, colunas, enfim, quase tudo? Parece que muita gente levou suvenir para casa. Algumas peças foram repassadas ao Museu Municipal Edyr Lima. Os trilhos foram recolhidos, mas uma amostra deles foi parar no telhado do gazebo ou coreto que constava da planta da praça do arquiteto Augusto de Lima. Hoje, no seu lugar há um bar.

Por ocasião da recente reinauguração do Museu Municipal Patrono Edyr Lima alguns objetos do acervo voltaram aos olhares do público, como, por exemplo, uma lanterna de sinalização, o guichê de passagens, um quepe de ferroviário, parte de um telégrafo, uma luminária do carro de passageiros. Segundo a diretora do Museu, Márcia Patel, existem mais peças guardadas. O engenheiro florestal Eduardo Minssen conta que a maioria das peças foi para Santa Maria. O nível de bronze com brasão do Império, que ficava incrustado no muro e que marcava a altitude e a localização da estação, está sob sua guarda. O sino, também de bronze, foi leiloado e está num hotel, na cidade de São Pedro do Sul.

A praça poderia ter sido projetada para ocupar o entorno da estação. Uma rótula teria poupado Cachoeira do equívoco monstruoso. Segundo Armando Fagundes, havia realmente a ideia de fazer uma rótula e manter o prédio no meio, mas pode-se afirmar com absoluta convicção que ninguém se entusiasmou pela ideia. A maioria das manifestações era pela ligação das ruas Davi Barcelos e Sete de Setembro, pois sempre, se dizia na época, trancavam o fluxo de carros do Centro para a zona norte, onde progrediam muito as construções.


Imagem: cortesia Elizabeth Thomsen

ALTO CUSTO - “O custo da restauração do prédio, com cupins por todos os lados, era inviável para o orçamento da Prefeitura”, lembra Armando. “Na época não tínhamos a Lei Rouanet, não houve nenhuma resistência pela demolição, salvo algumas vozes esparsas. Eu presidia a Fenarroz, o Rotary Zona Alta e a Sociedade Rio Branco, e os que se pronunciavam sempre foram pela demolição. Trabalhava no Mernak e todos da direção e administração eram pela demolição. O Pedro tinha uma avaliação dos custos”.

Duas das pessoas que disseram não à derrubada do prédio foram Lya Wilhelm, mais tarde diretora do Museu Municipal, e Eluiza de Bem Vidal, artista plástica e denominação patronímica do Atelier Livre Municipal. Ambas empolgavam-se com a possibilidade de um museu (o Museu Municipal Edyr Lima foi inaugurado pouco tempo depois, em 1978) e de um café ao estilo do recente Café com Letra, que encheu de charme a Feira do Livro 2010, segundo depoimento de Lya. Segundo Armando, não houve movimento nenhum pela preservação. “As manifestações eram isoladas, sem qualquer força. Eu mesmo disse ao prefeito Pedro Germano: 'Se não há dinheiro para reformar e recuperar, então tem mesmo é que demolir”.

PASSAGEIRO DA AGONIA - Importante

Importante

Entre 1996 a 1998, durante a era privatista de Fernando Henrique Cardoso, a Malha Ferroviária Sul passa para a iniciativa privada. As estradas de ferro foram engolidas pela prioridade dos asfaltos. Estes, por décadas, sem conservação e manutenção, viraram isca para os pedágios. A inclusão da RFFSA no Programa Nacional de Desestatização levou à transferência da malha para a iniciativa privada ao longo de 1996 e 1998, gerando para o governo uma receita de R$ 1,764 bilhão. A Malha Sul, ligando os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, foi adquirida em leilão pela Ferrovia Sul-Atlântico (hoje América Latina Logística) em 1º de março de 1997 e, segundo dados da própria companhia, administra uma malha férrea de 20.495 quilômetros de extensão, cobrindo São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e a região central da Argentina, além de possuir centros de distribuição e áreas de armazenamento.

PASSAGEIRO DA AGONIA - A cidade em foco

Jornal do Povo, 15 de junho de 1975
Coluna Cidade em Foco
por João Muller

“Pois meus prezados leitores, para início de conversa, anda por aí um zunzum de não ser mais ligada a Rua Sete de Setembro à David Barcelos. Motivo: preservar o local para uma área verde e deixar de pé aquele trambolho que, sem dúvida, é o velho e carcomido prédio da Viação Férrea, horrorosamente mal construído e que era nossa estação. Sim, senhores, e ainda querem transformar aquilo em um museu. Saravá. Eu estou de acordo em transformar aquele local em área verde, certo, mas mesmo assim a ligação entre as duas ruas poderá ser feita entre uma bonita alameda, repleta de árvores, sombras e bancos. Mas deixar de pé aquele energúmeno que nunca soube o que foi estética ou linha arquitetônica? Ah! Essa não gente, para museu em Cachoeira não existe melhor local do que a nossa bonita e velha Prefeitura Municipal e, dentro de poucos anos, eu garanto que sairá. Eu só não sei como as salas desse futuro vão ser enchidas. Vocês, prezados leitores, têm uma ideia de como serão? E, para terminar esse tópico, vamos pensar também em progresso, pessoal. Do contrário, dentro de pouco tempo ninguém mais poderá derrubar uma casa velha para construir uma nova e moderna residência. Tudo deve ficar para museu. Agora eu tenho uma confiança sem limite em nosso prezado prefeito Pedrinho Germano. E ele, com toda certeza, irá atender à quase totalidade da comunidade cachoeirense que sonha com essa ligação da Sete com a David. E ele certamente não frustrará esse grande desejo do seu povo”.

PASSAGEIRO DA AGONIA - Três perguntas sobre

TRÊS PERGUNTAS SOBRE

A demolição da velha
Estação Férrea de
Cachoeira

Há muitas lacunas sobre a época em que se decidiu pela demolição?
" Sim. Inúmeras. O prefeito Pedro Germano não demoliu sozinho, então por que tamanha timidez das ações contrárias ao projeto? Verdade que a demolição era quase unanimidade, mas a abertura da rua era caso de vida ou morte? Arquitetos, engenheiros, Secretaria de Obras, forças vivas, cidadãos e amantes das coisas históricas parece que ficaram confundidos ou cegos. Por que outras cidades preservaram e temos que sentir inveja dos lugares que ainda ostentam orgulhosamente este naco da sua história? Por que a Estação de Ferreira agoniza hoje, repetindo a história diante dos nossos olhos insensíveis?".

O que acontece com o leito dos trilhos desativados?
" Parte do leito foi invadido e transformado num loteamento clandestino, conhecido como Beco dos Trilhos, hoje Bairro Virgilino Zinn. O que houve com as demais áreas? Vendidas, doadas, comodato? Nas palavras textuais de Armando Fagundes, até pouco tempo a Prefeitura não tinha título de domínio e estaria pretendendo usucapir: “Não tenho conhecimento de que algum trecho tenha sido vendido ou loteado. Na verdade, tudo foi invadido”.

O que aconteceu com o transporte ferroviário?
" Um dia decidiu-se unilateralmente que o tempo dos trens de passageiros havia chegado ao fim. Ninguém perguntou se os passageiros assim desejavam. Talvez tenha havido o esgotamento de um modelo. Então teria sido natural que ele fosse renovado, o que não ocorreu. Ele foi extinto e os passageiros dos trilhos ou passaram a comer poeira ou cheirar fumaça de óleo diesel. O trem de passageiros que fazia a linha Porto Alegre - Uruguaiana, passando por Cachoeira, foi desativado em novembro de 1991. Na época, o agente ferroviário Pedro Moacir Moraes informou que a medida tinha por objetivo “reduzir as despesas” e que a RFFSA vinha enfrentando problemas com a ociosidade dos trens. Também não havia investimento do governo federal, então não “restava” outra alternativa. Ainda resistiam duas linhas: em 1993 ainda havia a linha que saía de Porto Alegre às 8h20min e cruzava por Cachoeira às 15h, com destino a Uruguaiana e Livramento. A esperança dos funcionários era a privatização, cujo edital foi publicado em maio de 1993. Na Estação Ferroviária da Vila Oliveira o movimento caiu 10 anos depois para um trem por semana. Alegando déficit e falta de recursos, a RFFSA anuncia o fim da linha. Em 3 de fevereiro de 1996 despede-se o último trem de passageiros".

ÚLTIMA PARTE: opinião da "repórter", agradecimentos e comentários do Fórum do Leitor JP

OPINIÃO DA REPÓRTER

Foram-se os dias nos quais os trens carregavam cargas do Brasil nas costas. Hoje é o tempo das estradas asfálticas, entupidas de macabras estatísticas. O equívoco do modelo adotado proporciona às montadoras estrangeiras a euforia pela pujança do número das vendas meteóricas de veículos. Cachoeira ofertou em sacrifício sua Estação Ferroviária. Seu esqueleto segue sepultado numa praça assombrada por remorsos e saudades. A lista de tristes perdas, ao que parece, ainda não foi concluída.


REGISTRO

Colaboraram na pesquisa: Museu Municipal Patrono Edyr Lima, Arquivo Histórico do Município de Cachoeira do Sul Carlos Salzano Vieira da Cunha, Armando Fialho Fagundes, Eduardo Minssen e Lya Wilhelm.


Posto os comentários do Fórum do Leitor do Jornal do Povo, para saber o que pensam os habitantes da nossa querida Cachoeira sobre os fatos:

24/01/11 07:55
Saravá aos energúmenos

Esse João Muller, ainda vive?
Se sim, que tal nos encontrar em um debate civilizado sob o tema “Povo sem memória, povo sem história”?
Se não, que tipo de “energúmeno” será que Deus lhe deu como descanso eterno? Saravá. Com todo respeito.
Dos irmãos Germanos, o único que me despertou simpatia foi o Pedrinho, mas, confesso que jamais entendi essa sua atitude. Ou, a ultima palavra foi a do mais velho?

Anilda Ferreira da Silva - Rio Pardo/RS (Brasil)

24/01/11 07:54
Comentários

Como sempre sua pesquisa é brilhante e seu texto perfeito. O que me assusta muito é que deixei Cachoeira do Sul (porque somente falamos "Cachoeira" e não o nome correto e mais bonito, "Cachoeira do Sul"?) em 1970, portanto um tempo relativamente pequeno mas assisto ao fim avassalador de uma grande cidade, de um grande e importante núcleo gaúcho, sem que nada possa e seja feito. Assustador tudo isso.

Outro ponto que gostaria de destacar é que essa mania de destruir para construir algo mais novo é bem anterior à década de 70, nunca nos lembramos do teatro municipal onde foi construido um horroroso colégio, ao interior da Igreja Matriz, ao prédio da União dos Moços Católicos e tantos outros.

Atenciosamente,

Carlos Schirmer Baisch

Carlos Schirmer Baisch - Salvador/BA (Brasil)

24/01/11 09:09
...

Destruiram todo esse patrimonio, uma das poucas coisas que poderiam ser exploradas em Cachoeira do Sul.
Os responsáveis por toda esta tragédia ainda vivem, ou melhor, a mentalidade de uma geração fracassada. Uma geração de Cachoeirenses em que o pessimismo prevalece. Critica, critica, critica e critica.
Aposto e muito em uma nova geração.

Alexandre Melo - Porto Alegre/RS (Brasil)

24/01/11 10:03
Estação Ferreira

A estrutura que forma o coreto da praça Honorato, hoje bar, é parte das coberturas laterais da estação e podem ser vistas numa das fotos da reportagem. Quero agradecer a Renate por esta reportagem. Sou de família de ferroviários e a única forma de resgatarmos um pouco da nossa história é preservarmos a estação de Ferreira que, com a futura ponte do São Lourenço, ficará na rota do desenvolvimento da possível continuidade da RS403 até São Sepé.

Edson Souza - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 10:27
é de chorar

chora a perda do prédio da estação já é uma ação dolorosa.

saber os detalhes de como foi, dói muito mais.

de qualquer maneira, parabéns pelo resgate

e obrigado pela foto raríssima, do trem atravessado no meia da Júlio.

com aerowilhys, sincas e fords novíssimos esperando. fantástico.

Osni Schroeder - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 10:26
teoria da relatividade e "aspas"

ler o comentário do falecido João Muller hoje, soa agressivo contra o senso dominante.
mas não foi à época, muito pelo contrário, a coluna ia ao encotro do pensamento comum.

então assumamos também um pouco desta culpa.

joão muller ficou conhecido no estado todo por uma crônica de carlos nobre na zh, que destacava a sinceridade do colunista do jp num comentário que fez entre aspas, referindo com todas as letras, que "as aspas são minhas",

gozação geral no estado.

Osni Schroeder - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 10:32
revoada de souvenirs ao museu

sugiro que todos que tenham lembranças do prédio demolido, façam-nos retornar ao domínio púbico, doando-os ao museu.
inclusive o que está sob guarda do Eduardo Minssen.

Osni Schroeder - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 10:53
Renate:

Impagável, como sempre!

Paulo Ribeiro Silva - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 11:55
SAUDADES

O cidadão cachoeirense vive de saudades do passado dito glorioso,por ter um presente medíocre e não vislumbrar nenhum futuro brilhante.
Cachoeira do Sul perdeu a pujança agrícola das colônias alemã e italiana(Restinga,Faxinal,Agudo,Dona Chica,Cerro Branco Paraíso,Cabrais,a pujança da indústria do arroz(Roesch,Bacchin,Progresso,São João,Ritzel), a pujança do metal mecânico(Kerber,Mernak, Pelzer, Friedrich).
Sonhamos com a UFSM e demos de presente a Funvale aos profetas da Pilantropia.
Somos uma cidade isolada e abandonada,nossos políticos do passado nos deixaram ao largo da RS509 e da BR 290,nossos políticos do presente são medíocres,incompetentes ou envolvidos em processos de corrupção e sequer conseguem nos levar a Rio Pardo.
O Comércio é cada vez mais ocupado pelas multimunicipais que levam os lucros para suas matrizes.
Se por acaso ainda existissem os prédios históricos e fossem tombados pelo Patrimônio Histórico estariam hoje literalmente tombados ou ocupados pela marginalidade.
Portanto apenas resta ao cidadão cachoeirense viver do saudosismo do passado,elegendo a incompetência e a mediocridade e se submetendo as poucas cobras que se enroscam mas não se picam, usando dos cargos públicos para proteger os seus e distribuindo as migalhas ao povo.
Se apenas olharmos a renda percapta e qualidade de vida dos emancipados de Cachoeira do Sul é possível ver a imensa superiodade em relação ao município mãe.
Cachoeira do Sul perdeu o trem da história e do progresso e faz muito tempo.

joão orlando dos santos - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 13:29
Osni

Por deferência de um amigo que retirou dos escombros, virei depositário desta peça.
Ela só sai de minhas mãos quando houver um memorial digno ao nosso passado ferroviário. Toda força e apoio ao Museu, mas ainda não há espaço disponível para tal.
Que tal outros se engajarem e buscarem o sino em São Pedro?

Eduardo Minssen - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 13:44
Participação

Eduardo,

Ofereço meus bodoques para defender o marco que está em seu poder.

E meu carro para irmos a São Pedro buscar o sino.

E mais, porque nao conseguimos descobrir onde estão os altares, santos, imagens, pinturas e tantas outras coisas da Igreja Matriz? Se o causador dessa tragédia histórica fosse ainda vivo eu teria o prazer de apontar meu bodoque para ele.

Carlos Schirmer Baisch - Salvador/BA (Brasil)

24/01/11 14:14
Eduardo

sugeri a doação para o museu, que só tem profissionais capazesum e é um orgulho de cachoeira, justamente para abrir o caminho para um memorial do nosso passado ferroviário, conforme falaste.

acho que o marco está muito bem depositado e guardado contigo, ainda mais agora com a proteção dos bodoques do carlos baisch.

Osni Schroeder - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 14:55
Estação

Parabéns à professora Renate por esta excelente matéria. Embora o relativo pouco tempo passado desde a demolição da estação, para os mais jovens não só o prédio, mas todo o contexto de sua existência no centro da cidade são ilustres desconhecidos.
Várias vezes observava aqueles arredores e tentava imaginar cenas como a do trem na Júlio, hoje insólitas. As fotos documentam este cotidiano perdido tão bem como a informação oral dos mais experientes.

Leandro Matte - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 15:44
É uma pena ...

Passei a minha infância e adolescencia freqüentando Cachoeira, terra dos meus avós e do meu pai. A grande maioria dos melhores momentos vividos nesta idade passei nesta cidade, durante as férias escolares. Mas infelizmente depois deste tempo , com muita tristeza, vi, a cada viagem, Cachoeira mais decaída. Faz muitos anos desde a minha última visita e espero brevemente rever esta terra tão querida e constatar que ainda existem pessoas que aí vivem e lutam por ela preservando seu patrimonio e sua história como ela merece. Específicamente quanto a linha férrea, é lastimável que os governos não dediquem atenção a este importante e tão viável meio de transporte.

Marcia Clemencia de Lima - Rio de Janeiro/RJ (Brasil)

24/01/11 16:19
Curiosidades

É apenas um comentário, positivo mas que entendo como importante, pois a cada matéria como essa publicada pelo fabuloso Jornal do Povo podemos ler mensagens do Brasil inteiro de pessoas saudosas de Cachoeira do Sul, dos bons tempos, de pessoas e histórias bonitas de um passado glorioso.

Cachoeira do Sul é por si só um marco (nao o marco do Eduardo que o Osni quis surrupiar, apesar da ameaça de bodoques) mas algo tão forte que nos leva a discutir o passado para ajudar a enxergar o futuro. Mesmo distante mais de 40 anos sinto orgulho de tudo que sou justamente pelo passado que tive, das lembranças e histórias, de uma Cachoeira do Sul que fez homens e mulheres fortes e saudosos.

O que vale nesses artigos maravilhosos e nas publicações do Jornal do Povo é também a coragem de recebonhecer que erramos, todos nós sem exceção, talvez até pela ausencia, no meu caso há quarenta anos.

Carlos Schirmer Baisch - Salvador/BA (Brasil)

24/01/11 17:53
Carlos & Osni

Pelo que sei a RFFSA leiloou alguns bens e uma hoteleira de São Pedro TERIA comprado.
Quanto ao nível, Osni, claro que ele ficaria melhor guardado/exposto no Museu. Mas não conseguimos sequer restaurar o único vagão que mora aqui!
Acho preferível nossa valiosa instituição fazer um projeto de memorial ferroviário para reinserilo (existe esta palavra?) no nosso cotidiano. Seria pensar demais em fazer uma área especial no seu local de origem?
Já pensando mais adiante: duvido que o itaú/Unibanco não sejam sensíveis a DOAÇÃO do seu prédio no Largo Vilagran Cabrita (este para os que entendem).

Eduardo Minssen - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 18:08
Muita qualidade

Esta matéria traz a marca registrada da Renate, que é sua preocupação com o passado da cidade, com o patrimônio histórico preservado (OU NÃO, como neste caso). Suas pesquisas originais, sua busca de informações em várias fontes, sua valorização às fotos e imagens antigas, seus textos bem escritos e informativos, suas reflexões e sua indignação se traduzem em belas matérias, sempre com muita qualidade. Parabéns à Renate e ao JP!

Daniel Falkenberg - Florianópolis/SC (Brasil)

24/01/11 18:41
Engenheiro Jorge Ilha

O Secretário Municipal de Obras da gestão de Pedro Germano, o engenheiro Jorge Ilha, que ocasionalmente participa deste Fórum do Leitor do JP, talvez pudesse fornecer algumas novas informações sobre as decisões tomadas naquela época ou sobre as discussões que possam ter ocorrido...
Como o João Muller e a Renate escreveram, houve muito zunzum, mas talvez algumas verdades tenham ficado de fora nesta matéria, por não terem sido encontradas pela sua autora. Rever nossos erros é uma forma razoável de tentarmos não repeti-los em outras oportunidades...

Daniel Falkenberg - Florianópolis/SC (Brasil)

24/01/11 19:45
Ponte de Pedra

A esperança e o sonho do teu tempo estão em ruínas, e a alma de todos só profetiza adiante a tua queda.
Henrique IV
parabéns Renate pela tua reportagem, já que perdemos a estação ferréa, talvez consigamos salvar a ponte de pedra, um dos mais antigos monumentos de nosso município.

Antonio trevisan - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 20:16
Ponte de Pedra

Por que os Irmãos Trevisan, que estão em Cachoeira do Sul a um século, não "abraça" a causa PONTE DE PEDRA?
Não sairá tão caro recuperá-la. Depois eles colocam uma placa de bronze dizendo:
- RESTAURADA PELOS IRMÃOS TREVISAN QUE DESFRUTAM DESTAS TERRAS HÁ 100 ANOS.

Seria um ato nobre.
Para isto não precisamos esperar pelos poderes público. E, olha, quem faz isto tem dedução no IR, sabiam?

Lecino Ferreira da Silva - Juiz de Fora/MG (Brasil)

25/01/11 00:01
Ferroviária

Acompanhei,no trabalho leve,os 9 meses de trabalho pesado da Renate para escrever estas 2 páginas do JP.Paralelamente,no contato com os ferroviáris,com os alunos conseguiu fotos incríveis também de outros locai da nossa querida Cachoeira. A Renate merece o nosso agradecimento e aplausos pelo belo trabalho.E é muito bom ver o interesse que a nossa história desperta!E qto á Ponte de Pedra tenho certeza :não vamos perdê-la!

Ione(Brasil) Sanmartin Carlos - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

25/01/11 00:01
FERROVIÁRIA 2

O Daniel falou em consultar o Secretário da época,é uma boa idéia mas tenho quase certeza da resposta: não havia condições de ser recuperado o prédio. Esta Daniel é a versão oficial.Tenho outras 2: num domingo à tarde recebi no Museu um sr. casado com uma das moças Araújo ,filhas do último chefe da Estação. Este sr que morou na casa disse que a mesma estava em condições razoáveis.A segunda é bem mais precisa,em 1994 0 Compahc recebeu o Prêmio Nacional, Rodrigo Mello Franco,por este motivo no ano seguinte(representando o Compahc) integrei a comissão de 3 membros que escolheu o represante do RS para concorrer em nível nacional, pois nesta ocasião conheci a arquiteta,Funcionária da Secretaria de Obras Estadual,arqiteta Glenda....,que trabalhava no projeto de ocupação do espaço agora pertencente ao município de Cachoeira. Neste projeto,ela e os demais do grupo(aparecem nas fotos que a Renate tem) sugeririam a manutençao do prédio e uma espécie de rótula contornando-o e desembocando na rua David.Contou tb. que antes do projeto ser entregue a ferroviária foi demolida . E me perguntou: -é verdade que hoje fecham a rua em eventos que acontecem na praça?,ao que confirmei pois era na época em que TODOS os domingos e ocasiões especiais aquela quadra era fechada ao trânsito
Nos jornais além do cronista citado encontramos outra pequena citação na coluna de Saul Torres,tb a favor da demolição. Não encontramos nenhuma grande matéria que nos mostrasse que o assunto era profundamente discutido na cidade( e a loveli La-Flôr super atenta olhou folha a folha).Foi uma decisão de quem mandava e os comandados acataram,eu inclusive que já era adulta focada na minha vida particular-minha gravidez- só soube do assunto qdo vi a demolição. É o meu mea culpa seguindo o Carlos Baisch.

Ione(Brasil) Sanmartin Carlos - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 23:59
eduardo & Carlos

sugeri a volta dos materiais dispersos da estação, como forma de estimular um trabalho do museu na valorização da história da nossa estação ferroviária
.
talvez muita gente resolvesse trocar prazeres egoístas e alguns até escondidos, pela alegria de proporcioná-los a mais pessoas.
.
mas era apenas uma sugestão que fui levado a fazer pelo excelente trabalho da renate. s e feri alguém a culpa é dela!

para o colega de joao neves carlos baisch, me assustei com a expressão "que o osni queria surrupiar".

se foi brincadeira, fui incapaz de ter certeza que assim era.

se não foi, vou ter que aceitar a briga apesar de sair em desvantagem, porque ainda vou ter que fazer os meus bodoques.
um abraço a voces dois.

.

Osni Schroeder - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 23:58
Lecino

Temos famílias tradicionalmente destruidoras do patrimônio em nossa cidade, capazes de enfeiar uma casa bonita para ela não despertar a "cobiça" dos loucos preservadores.Podes ligar para o Arquivo Histórico e te apontarei alguns destes casos 37246006. Ao contrário,família Trevisan,principalmente o Antonio preserva seu patrimônio e o da cidade. O Antonio iniciou o programa de rádio "Resgatando a história" que,por vários anos e contando com a participação das boas memórias de Cachoeira ,registrou um período significativo de nosso município.Gravados em fitas e copiados para CD estão à disposição no Arquivo , rua Sete, 350.E mais há um Museu particular no antigo armazém....

Ione(Brasil) Sanmartin Carlos - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

26/01/11 08:14
ALGUNS BASTIDORES

Foram elementos fundamentais na pesquisa, os subsídios fornecidos pelo Arquivo Histórico Carlos Salzano Vieira da Cunha, pelo Museu Municipal Patrono Edyr Lima, pelo advogado Armando Fialho Fagundes.
Num certo momento de desânimo enviei um e-mail com perguntas "chatas" ao Dr. Armando que prontamente respondeu e com isso colaborou valiosamente para retirar o trabalho da perigosa "areia movediça" da encruzilhada na qual ele se encontrava.
No Arquivo Histórico, a pesquisadora Loveli La Flor debruçou-se sobre os arquivos da época por minha solicitação e certo dia me chamou para mostrar o material separado. Foram muitas matérias jornalísticas, algumas polêmicas, como a que foi publicada nas páginas do Jornal do Povo.
Os últimos momentos do "Passageiro da Agonia" estavam ali, descritos. Faltavam detalhes dos bastidores e suas relações perigosas com o contexto privatista da era Fernando Henrique Cardoso.
De janeiro a setembro parti para a pesquisa. Precisava de mais detalhes, intrigas, imagens. Meu objetivo e desejo antigo era contar um pedaço do intrigante mistério: a passividade dos cachoeirenses diante do projeto de demolição do prédio e das construções circundantes ao contrário de outras comunidades que não se precipitaram e conservaram suas estações.
Fui em busca de subsídios com paciência e impaciência. O meu colega da Escola Borges, Ricardo Radünz, deve ter ficado exausto de tanto me ouvir buzinar nos corredores da escola, solicitando a magnífica foto do trem "segurando o trânsito".
À medida que as leituras iam avançando, aumentava minha incoformidade com a forma "toque de caixa" na qual longos anos de uma rica história foi entregue à iniciativa privada sem cautela, critérios claros, alternativas pesquisadas e caldo de galinha.
As malhas ferroviárias "doadas" não conservaram seus trens de passageiros. Foram ignoradas nas tenebrosas transações daqueles dias da década de 70, as possibilidades de revitalização do sistema. A impressão que ficou é que "deixaram" sucatear para depois entregar por valores que os cidadãos comuns como eu, não sabem dimencionar se foram justos ou não. Tudo leva a crer que não, assim como não foi justa a sentença de morte imposta à nossa Estação Ferroviária e a todo sistema nacional de transporte de passageiros por trem.

Renate Schmidt Aguiar - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

26/01/11 08:33
AGRADECIMENTOS

Agradeço (pela ordem apenas de memória visto que minhas retinas andam fatigadas e minhas cãs saturadas de calor senegalês) ao JORNAL DO POVO e EQUIPE pela publicação e segue um PARABÉNS especial à(s) pessoa(s) que fizeram a montagem visual das duas páginas. O texto era longo e da forma como ficou exposto, em vários tópicos, em muito contribuiu para melhorar o visual e facilitar a leitura da matéria.
Aos órgãos oficiais da cidade, Museu Municipal - Patrono Edyr Lima e Arquivo Histórico Carlos Salzano Vieira da Cunha e suas equipes de pesquisadoras, ao Ricardo Radünz, pelo empréstimo da foto (de autoria do seu pai, Rui Emílio Radünz), ao César Roos, pela sensível imagem "O Menino e o Trem", à Elizabeth Thomsen pelo envio das imagens raras (de variadas autorias) da metamorfose da Estação Cachoeira em Praça Honorato, ao Armando Fialho Fagundes pelo relevante depoimento, à d. Lya Wilhelm, aos ex-ferroviários Sérgio Rodrigues, Vilmar Zanini e Antônio Siqueira Martins e aos demais amigos, colegas e familiares que me "aturaram" falando exageradamente nestes meses todos as palavras mágicas "Estação Ferroviária de Cachoeira".

Renate Schmidt Aguiar - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

26/01/11 09:34
COMENTÁRIOS DO FÓRUM

Anilda Ferreira da Silva:
Na época da derrubada, o sentimento de preservação parece que ficou congelado, não consigo entender o porquê. A coluna do João Müller, sem dúvida, é forte.

Carlos Schirmer Baisch
Também estou assustada com o avanço da depreciação dos bens históricos que restaram. O prédio histórico da Prefeitura Municipal está literalmente em ruínas. A Estação Ferreira agoniza e a Ponte de Pedra emite sinais diários de pedido de ajuda.
A transfiguração do Teatro Municipal foi lenta mas firme. De fato o colégio Antônio Vicente possui linhas retas e em nada lembra a construção de outrora.

Alexandre Melo
Concordo contigo. No jornal Correio do Povo sai uma reportagem atrás da outra sobre a revitalização de prédios históricos pelo interior do Rio Grande. Há umas três semanas saiu uma foto belíssima da EstaçãoFerroviária de Santiago recém restaurada, tinindo.
Repara que não foram os pobres e remediados que demoliram.

Edson Souza
Não precisa agradecer, Edson. Há muito tempo queria escrever esta história. Em 1997 publiquei no jornal O Correio um texto sobre trens. De lá para cá a coisa vinha maturando.
Tudo também não teria sido possível se não contasse com a contribuição do Jornal do Povo em publicar a pesquisa.
A história dos trens é fantástica.
Procure visitar o Museu do Trem em São Leopoldo, é por demais interessante.
Existe um link:
https://www.saoleopoldo.rs.gov.br/home/show_page.asp?user=&id_CONTEUDO=1647&codID_CAT=1&imgCAT=&id_SERVICO=&ID_LINK_PAI=1243&categoria=%3Cb%3ESecretarias%3C/b%3E

Osni Schroeder
De fato, Osni, é um assunto bem difícil. Ficam as lembranças, as lições.
A foto é realmente fantástica.
Obrigada pelo incentivo.

Paulo Ribeiro Silva
Obrigada, esforcei-me para que o resultado fosse o mais fiel possível aos acontecimentos.

João Orlando dos Santos
Será que é possível reverter o jeito de um povo ser que não aprende diante de tantas perdas de toda ordem?

Eduardo Minssen
Gostei da tua colaboração, da ideia do Memorial Ferroviário. Ainda é possível sonhar, creio. Não direi ter esperança. Gosto de repetir o pensamento de Nietzsche sobre esperança: segundo ele, a esperança prolonga o sofrimento. Então vamos sonhar!

Leandro Matte
Obrigada pelo incentivo. Tens toda razão. Quem não viveu o tempo do transporte sobre trens, não viu as privatizações ligeiras dos anos FHC, não acompanhou o processo de demolição e não consegue mesmo imaginar a cena do trem na Júlio, ela fica parecendo surreal.
Esta foto foi a única que encontrei assim tão de perto.

Maria Clemência
Na tua memória existe hoje o vácuo deixado pela Estação.
Existem pequenas vitória mas grandes derrotas. Será que vai ser sempre assim?

Eduardo Minnsen
É boa a polêmica. O debate enriquece. Excelente a tua lembrança do vagão. Urgentemente uma simples cobertura para protegê-lo já seria um início. Por que a falta de mobilização para fazê-lo.
A prefeitura gastou 5 mil reais para o projeto de uma concha acústica que nunca saiu do papel. Este valor não teria pago um toldo para o vagão?

Daniel Falkenberg
Obrigada Daniel, pelo incentivo. Excelente a tua lembrança do engenheiro Jorge Ilha que poderia nos trazer mais detalhes.

Antônio Trevisan
Obrigada!
Que tuas palavras de salvamento da Ponte de Pedra encontrem eco.
Saravá!

Lecino Ferreira da Silva
Excelente sugestão!

Ione
Obrigada pela paciência em atender consultas e telefonemas.
Obrigada pelo incentivo e por tudo o que estás me ensinando e compartilhando.

Obrigada pelos comentários positivos. Mas não fiquem mal-acostumados.
Neste momento estou ocupada em escrever um livro de modestas memórias sobre o meu avô, imigrante de Oldenburg, Baixa Saxônia, que exerceu o professorado em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul (Cerro Branco, Paraíso do Sul e Linha Sete de Setembro - Candelária) e o pastorado (era luterano) em Cerro Branco e Paraíso do Sul.

Mais uma vez obrigada a todos e um TODO ESPECIAL AGRADECIMENTO ao JORNAL DO POVO e EQUIPE e à Patrícia Loss que recebeu os arquivos e os repassou à redação.
Um bom dia senegalês a todos!
professora Renate Elisabeth Schmidt Aguiar
resaguiar.blogspot.com

Renate Schmidt Aguiar - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

26/01/11 11:55
Sobre a demolição da Estação Ferroviária central

O trabalho da Renate trouxe muitas informações importantes. Aproveito para fazer duas considerações adicionais:

1] Esta demolição foi uma CONSEQUÊNCIA (não necessária) de uma DECISÃO ANTERIOR de RETIRAR a via férrea da área central da cidade, que me parecia plenamente justificável, tanto para evitar a interrupção do trânsito na Júlio quanto, imagino, para evitar/reduzir acidentes com os trens que passavam por áreas urbanas bem povoadas. A Renate não examinou isto, mas creio que um resgate sobre o passado ferroviário da cidade deverá futuramente mostrar quando e como surgiu tal decisão.

2] Uma vez que os trens deixaram de circular pela região central, ficaram disponíveis os espaços ocupados pelos trilhos e a área (e prédios) da Estação central. O destino destes espaços foi bem abordado pela Renate, com destaque para a demolição do prédio principal desta Estação. Como ela mostrou, quase não houve objeção a esta derrubada... A "cidade" estava preocupada com seu "progresso", e pela maioria foi vista como natural a eliminação daqueles prédios velhos... Isto teria sido realmente um ERRO?? Poderíamos tirar daí algum aprendizado para o presente e futuro de outras obras do patrimônio histórico local?? Creio que aqui as dúvidas ainda são grandes, e provavelmente divergências surgirão...

Volto a parabenizar a Renate e o JP pela importante matéria, que contribuiu para resgatar o passado da cidade e ajudar a pensar no seu futuro.

Daniel Falkenberg - Florianópolis/SC (Brasil)

24/01/11 09:08
A marca

Está é a marca PSDB de governar , viva FHC.

Neorildo Dassi - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 09:52
Estação Ferroviária

Triste fim! Lembro da minha infância, quando eu morava defronte o portão do Mernak, na Davi Barcelos, a poucos metros da Estação Ferroviária. Convivi, diariamente, com o movimento da ferroviária e da estação rodoviária, na Otto Mernak. Quantas cargas vi serem transportadas pelos trens. Nossa empresa, Estofados Suzete,escoava toda a sua produção de móveis pela ferroviária. Lembro-me, também, dos circos que visitavam a cidade, que transportavam os animais nos vagões. Todas essas lembranças me trazem uma nostalgia muito grande e uma tristeza maior ainda, quando penso que nos países mais desenvolvidos, o transporte ferroviário é um dos principais meios de locomoção de passageiros e cargas. Na Europa, cruza-se todo o velho continente em trens modernos e confortáveis, sem contar com a modernidade que existe no Japão. E aqui? Só lembranças. É o retrato de uma política equivocada, sem querer direcionar a culpa para quem quer que seja. Só lamentar.

Valter Fogliatto - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

24/01/11 10:08
Tristes lembranças

O pais sempre faz a escolha errada, escolheu o transporte via rodoviária, graças as montadoras, agora viu que vez a escolha errada, dos trilhos só restam saoudes, enquanto no resto do mundo os trens seguem felizes e faceiros.

Jorge Ritter - Salvador/BA (Brasil)

24/01/11 15:53
Renovação sim, atraso não.

Concordo com cada um até certo ponto. Mas precisamos pensar: quem hoje iria enfrentar 7 horas de trem até POA? Nos dias de hoje isso não iria mesmo adiante. As lembranças podem ser boas, mas na prática o mundo capitalista não sobrevive delas. Com o advento da forte globalização e ainda do mundo informatizado, 3 horas até POA já é muito. O que se deveria fazer hoje é pensar naqueles trens mais rápidos que os ônibus, como já existe em muitas cidades do mundo. Venhamos e convenhamos, o mundo de hoje, infelizmente, pensa mais no tempo e na economia que qualquer outra coisa.

Wanderson G. Fuly - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

30/01/11 11:35
SOBRE OS COMENTÁRIOS

Neorildo Dassi:
FHC marcou presença na história do país no quesito desnacionalizações e entreguismo. Penalizou o funcionário público federal mediante DEZ anos de congelamento de salários. Um vendilhão!

Valter Fogliatto:
Estranho que neste caso, a Europa, destino de boa parte dos turistas brasileiros, não colaborou para estimular as autoridades nacionais a repensarem o modelo e modernizá-lo. Optou-se pela privatização e desmonte, ao meu ver, o caminho mais fácil.

Jorge Ritter:
A Alemanha teve a sua malha ferroviária reduzida a ferros retorcidos e chamuscados após a tenebrosa II Guerra Mundial.
Lembrou-se da Lenda da Fênix e assim foi feito.

Wanderson G. Fuly
Os tempos mudam. Os primeiros imigrantes alemães que chegaram ao Brasil em 1824 aos trancos e barrancos, suas viagens demoraram de 90 a 120 dias.
O imigrante Emil Wichmann casado com minha tia (ambos falecidos) veio ao Brasil em 1924. A viagem de Hamburg-Hafen até o Rio de Janeiro demorou 20 dias. Veja bem, haviam decorrido cem anos.
Portanto, certamente hoje uma viagem a POA não demoraria este tempo todo, se um processo de modernização e de valorização do transporte público coletivo tivesse sido prioridade da era FHC.

Renate Schmidt Aguiar - Cachoeira do Sul/RS (Brasil)

domingo, 23 de janeiro de 2011

HISTÓRIA, TESTEMUNHA DOS TEMPOS (CÍCERO): OLAVO BILAC VEIO A CACHOEIRA EM 1916


Única imagem encontrada de Bilac por ocasião da sua vinda a Cachoeira.
Nela, Olavo Bilac está "bem acompanhado" de cachoeirenses. Quem são eles e elas? Se alguém souber, por favor, entre em comunicação.
A imagem é de uma matéria jornalística do Jornal do Povo (Cachoeira Antiga, 4 de maio de 1975) e está guardada no Museu Municipal Patrono Edyr Lima.




HISTÓRIA, TESTEMUNHA DOS TEMPOS
OLAVO BILAC, EM CACHOEIRA

Estamos em plena República Velha ou República Café-com-Leite ou República dos Coronéis ou Primeira República. Iniciada com o golpe militar de 1889 foi posta a pique com a Revolução de 30, pelo torpedo Getúlio Vargas, o Pai dos Pobres. Não faltou amplo apoio dos gaúchos e cachoeirenses nas figuras de Borges de Medeiros e João Neves da Fontoura.

Estamos em Cachoeira do Sul, 14 de outubro de 1916, sábado. A cidade aguarda ansiosa a chegada de um visitante - Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, o Olavo Bilac, o Príncipe dos Poetas. Como parte de um roteiro de promoção da Liga de Defesa Nacional, Bilac provinha de Porto Alegre para, posteriormente, dirigir-se a Santa Maria. Em Cachoeira,a Liga ocuparia a pauta juntamente com conferências políticas e literárias.

Olavo Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 16 de dezembro de 1865 e faleceu em 1918, dois anos após a estada dele em nossa cidade. Foi contista, cronista, poeta parnasiano, abolicionista, republicano, conferencista, boêmio. Escreveu obras inesquecíveis como Língua Portuguesa, As Árvores, Nel Mezzo del Camin ... , Via Láctea. Escreveu conferências, ensaios,contos e textos. Faleceu solteiro e sem filhos. Participou intensamente da política e de campanhas cívicas. Foi membro-fundador da Academia Brasileira de Letras (cadeira nº 15).

E por sua atuação junto à campanha da Liga Nacional que Olavo Bilac marcou presença em Cachoeira ...

Renate Elisabeth Schmidt de Aguiar


Este poema, Velha Árvores, o professor de Língua Portuguesa e Literatura, Willy Simonis, declamava na sala de aula.
Bons tempos estes tempos que os professores de Língua Portuguesa e Literatura sabiam de cor poemas e sabiam repassá-los aos seus pupilos.
Bons tempos ...
Hoje o assunto é centrado na gramática, redação, provas objetivas, leituras obrigatórias, PEIES, Vestibular seriado, UFRGS,UFSM, simulados, ENEM, PROUNI, SISU, aprovação, classificação, ranking de escolas, cursos pré-vestibulares, listão, etc,etc,etc ...


VELHAS ÁRVORES
Olavo Bilac

Olha estas velhas árvores, — mais belas,
Do que as árvores mais moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas . . .

O homem, a fera e o inseto à sombra delas
Vivem livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E alegria das aves tagarelas . . .

Não choremos jamais a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória da alegria e da bondade
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!




O que foi a LIGA DE DEFESA NACIONAL?

A Liga de Defesa Nacional foi fundada em 7 de julho 1916 no Rio de Janeiro, no Salão de Conferências da Biblioteca Nacional, por Olavo Bilac, Pedro Lessa e Miguel Calmon, sob a presidência de Rui Barbosa, que era favorável ao apoio brasileiro aos Aliados na Primeira Guerra Mundial. A guerra ajudava a popularizar a idéia do serviço militar obrigatório e reforçava a importância das Forças Armadas. Por defender a idéia do "cidadão-soldado" e do serviço militar como escola de cidadania, a Liga recebeu desde o início o apoio do Exército.

A divulgação dos ideais da Liga era feita por meio de livros, panfletos, discursos e viagens por todo país. Bilac, seu mais importante líder, definia sua ação como um "apostolado de civismo e patriotismo". Em suas palestras, enfatizava a importância do engajamento dos intelectuais na causa nacionalista, apontando-os como responsáveis pela defesa da pátria e pela modernização das estruturas sociais.

A campanha da Liga de Defesa Nacional conseguiu mobilizar a população das principais cidades do país, em especial os estudantes, empolgados por um sentimento nacionalista trazido pela guerra. Conseguiu também que no próprio ano de 1916 fosse realizado o primeiro sorteio militar. Dois anos depois, já se exigia carteira de reservista aos candidatos a cargos públicos.

Fonte: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) é a Escola de Ciências Sociais e História da Fundação Getulio Vargas.




continua ...

VISITA DE OLAVO BILAC, O COMMERCIO, 18 DE OUTUBRO DE 1916


O COMMERCIO

ORGAM COMERCIAL, NOTICIOSO E LITERARIO

Noticiarista - Guilherme A Möller
Redactores – DIVERSOS
Proprietário – Henrique Möller Pinto
Redacção e officcinas: Rua 7 de Setembro 37 A

ANNO XVII
Estado do Rio Grande do Sul
Cachoeira
18 de Outubro de 1916
881.

Visita de Olavo Bilac
_______

Homenagem ao Grande Poeta
_______

Com procedência da capital do Estado, chegou sábado último, a esta cidade, o grande poeta brasileiro Olavo Bilac que foi recebido e acolhido com a elevada distinção a que faz jus a sua ilustre personalidade.

Desde as quatro horas da tarde, estavam reunidos na Estação Ferroviária muitos cavalheiros e exmas. Famílias, autoridades locais, comissões com os estandartes de diversas associações representantes da imprensa e numerosos alunos das escolas locais, públicas e particulares.

Às 4 e 45 chegou o trem sendo executada uma marcha festiva pela banda musical Estrela Cachoeirense*.


Cortesia da foto: Museu Municipal Patrono Edyr Lima

Desembarcando, Olavo Bilac foi cumprimentando e apresentado a muitas pessoas presentes. A menina Jenny Pinheiro ofereceu-lhe um artístico ramalhete em nome do povo cachoeirense. Recebendo as flores, o poeta beijou a mão da ofertante em sinal de reconhecimento. Descendo a escada do edifício da estação e rompendo a massa popular ali aglomerada, que aclamava o seu nome, o ilustre hóspede passou entre uma longa ala de alunos do Colégio Elementar Antônio Vicente da Fontoura, cuja diretora e professores estavam presentes. Nessa ocasião o menino Waldemar Brum ofertou-lhe um ramalhete de flores com dedicatória, do Colégio Elementar, com os seguintes versos:

Ame as flores crianças
Sois irmãos nos esplendores,
Porque há muitas semelhanças
Entre as crianças e as flores
Olavo Bilac

Em teus versos, da flor tão bem tu falas
E da criança, ó cantor dos cantores
Que ao passares é justo façam alas
Vivando-te, as crianças e as flores
Cândida Fortes Brandão


Em seguida, ao som da música e acompanhado da massa popular, Bilac foi conduzido ao Hotel do Comércio, onde ficou hospedado.
Pouco após, dispersaram-se os alunos e o povo.




Imagem: Hotel do Comércio em ruínas (em pleno centro de Cachoeira do Sul)

continua amanhã ...
Local: esquina rua Sete de Setembro com rua Presidente Vargas


* Ver explicação na última postagem.

NA INTENDÊNCIA MUNICIPAL

Em primeiro plano, Teatro Municipal, posteriormente Escola Elementar e mais adiante Escola Complementar. Ao fundo, Intendência Municipal em excelentes condições. Hoje está em ruínas, semi-abandonada.
Esta e demais imagens: Museu Municipal Patrono Edyr Lima


Na Intendência Municipal

À noite, em sua honra, houve recepção oficial no edifício que esteve repleto. A frente foi iluminada com lâmpadas elétricas poderosas, de cores várias, que foram dispostas de modo a formarem o dístico: Salve O. Bilac.

Houve reunião extraordinária do Conselho Municipal, sob a presidência do sr. coronel João Batista Carlos e com a presença dos conselheiros srs. Ramiro Ramos de Chaves, Felippe Moser, Augusto Brandão, Leonel Friedrich, Henrique Möller Filho e do suplente Virgílio de Abreu.

Às 8 ½ acompanhado por uma comissão de cavalheiros, composta dos srs. dr. Arlindo Leal, coronel Baptista Carlos e major Paulino Breton, Bilac chega, conduzido em automóvel, ao local da recepção, nessa ocasião a banda musical executou o Hino Nacional que foi ouvido respeitosamente.

Penetrando no salão principal do edifício, a numerosa assistência saudou-o com prolongada salva de palmas.

Alguns minutos depois subiu à tribuna o dr. João Neves da Fontoura pronunciando o discurso que adiante reproduzimos e que o seu autor ofereceu ao dr. João Minssen, membro da comissão de festejos.


Imagem: João Neves da Fontoura


Imagem: João Minssen

"Accedo à instância gentil do ilustre intendente do município e venho trazer a Olavo Bilac as palavras de boas vindas, em nome nome de nossa pequena terra engastada no coração geográfico do Rio Grande do Sul.

Pena é que a pobreza intelectual do intérprete, longe de dar corpo, antes diminua a vibração das ondas de simpatia cívica, que emanam da multidão entusiasta, em vibrações luminosas ao redor do ex-poeta que nos visita. Mesmo assim, ouvi-me senhores, nunca é fraca a voz quando traduz as pulsações do grande coração coletivo nem a frase velada pela obscuridão permanente de quem a profere morre sem eco quando se inspira nos sentimentos generosos, que enlevam a alma das nacionalidades.

Olavo Bilac

Um dia, um plebiscito de senso alto, escrutínio que apenas concorreram os grande eleitores da poesia brasileira, foste sagrado o Príncipe dos Poetas delicioso múnus que exerces sem contraste nem confronto com o referendo unânime da população do país.

E que no patriciado da poesia brasileira, a tua referendum voz privilegiada, meigo cantor da Via Láctea, evocador feliz das Panóplias, nacionalista delicado do Caçador de Esmeraldas, a tua voz tem o ascendente soberano que a aristocracia do talento impõe no seio das democracias sem ideal e corre nas tuas veias este suspirado sangue azul, que é o emblema da supremacia intelectual.

Mas nunca imaginou ninguém que no sonetista exímio rival perfeito de Petrarcha em cantar o amor, estivesse oculto o missionário da regeneração brasileira, numa cruzada patriótica, a prol da instrução e da força ao serviço do direito.

Bendita oportunidade que revelou no maior dos nossos artistas o mais apaixonado paladino da nossa grandeza futura.

A tua missão fascina; energias latentes despertam ao contato da tua palavra mágica e o Brasil de amanhã acordará para a transformação definitiva.

Estamos pagando os tributos que os povos jovens devem aos erros do passado.

Nascidos da mescla de raças diferentes, aquecidas ao calor de um sol enervador acampados ao longo desse território desesperadamente grande, onde coexistem todas as tonalidades do clima, da flora e da fauna, mostruário completo de acidentes geográficos, senhores de um reino encantado, em que tudo nasce e prospera, desde a palmeira real, importada da África até a gramínea rasteira, emigrada do extremo oriente, temos sido até aqui os dissipadores inconscientes da fortuna, de que Nos fez doa a providência e, com a imprevidência atávica do aborígene, nunca realizamos a fórmula de TH. Buckle*, para quem a civilização consiste no domínio do homem sobre a natureza.

Padecemos do mar da plethora. Organismo dotado de uma vitalidade maravilhosa, malbaratamos a saúde e não pela corrigimos pela educação do caráter os exageros da força criadora, que transforma os rios em oceanos, as matas em florestas, os prados em vergeis, numa tela em que a gama indefinida das cores da natureza viva parece retratar as maravilhas da Bíblia, no jardim privilegiado das delícias.

Desde o infinitamente grande até o infinitamente pequeno, tudo conspira para envaidecer a supremacia a que nos julgamos com direito.

E assim, nessa congestão de força, de grandeza e de sangue novo, esquecemos de aprender na história dos outros povos as lições de amargura, que esperam os enamorados da própria imagem, nesse momento de narcisismo nacional, de que tão bem nos falou o ilustre Afrânio Peixoto.

Ao lado dessa contemplação de nossas belezas como um reverso lógico de exaltações mal pensadas um outro sentimento de seguido nos assalta e nos desencoraja, cada dificuldade que encontramos no caminho desencoraja covardia geral, que entibia os povos apetrechados de elementos de resistência à todas às desilusões, é esse desânimo sem causa a cada obstáculo, é esse esmorecimento infantil, essa preguiça nativa em resolver os problemas mais sérios, o desencontro das idéias, os esfervilhar das correntes interesseiras, o gregarismo estúpido que enfileira os homens diante de improvisados fetiches.

Desta sorte, o Brasil a cada crise se sente, vencido antes de ter lutado e se entrega algemado no primeiro autor de panacéias patrióticas.

É preciso ter a coragem da reação e que todos os homens válidos de caráter se agrupem em torno da bandeira salvadora hasteada pela Liga da Defesa Nacional e que traz rutilando nas dobras verde e outro o programa de ensino das letras e das armas, a sistematização das energias dispersas, o levantamento em massa à sombra da unidade da pátria, para que esta, livre de receios e curada de fantasias, se erga em toda a magnificência da sua grandeza, estimulando o trabalho, cultivando o sentimento da fraternidade e da honra, lendo, escrevendo, pensando, senhora efetiva de uma soberania real e não somente fictício para que o Brasil termine a longa elaboração das raças, dos princípios e dos sentimentos e seja afinal a pátria feliz de todos os brasileiros.

A ti, Olavo Bilac, reservou o destino o papel de ser o pregoeiro do ressurgimento nacional, o orientador da nova corrente, que se avoluma com a adesão espontânea de todos os cidadãos ...... aplauso fervoroso de todas as crenças e com a colaboração de todos os patriotas.

Depois de sagrado príncipe da poesia, te transformas em apóstolo e nenhum fecho mais digno para a vida excelsa do que o de prefaciar nesta excursão memorável o catecismo, que na tua frase inspirada aos estudantes primeiros irá parar em mãos de cada professor e de cada discípulo, de cada patrão e de cada operário, de cada oficial e de cada soldado.”

O Brasil não acalenta sonhos de imperialismo nem busca hegemonias continentais.
Sem problemas externos, com suas fronteiras extremadas pelo homem, que Rui Barbosa chamou o Deus Terminus de nossa pátria sem a necessidade apremiante de forçar com as armas a conquista do mercados, porque os seus produtos primaciais têm escoadouros seguros e clientes certos na feira das nações, está fadado a resolver no tribunal da arbitragem, as pendências que lhe forem criadas no futuro pela eventualidade dos sucessos.

Pacifistas, não devemos, esquecer, que na vida dos homens e das nações a força, dentro dos limites da prudência é a sanção coercitiva do direito.

Até que a utopia do desarmamento geral se corporifique, até que os votos da consciência humana se concretizem num código de lei imposto às sociedades políticas, até que a humanidade, cansada de lutas resolva na frase de Pascal “fortificar o direito e não justificar a força”, até aí o dever dos povos másculos, que queiram viver, é instruir os cidadãos, para que sejam agentes de defesa e possa pagar à pátria num dado momento o imposto de sangue.

Pelo serviço militar, pelo cultivo da força física nos desportos favoritos, pela educação primária e profissional, pela guerra sem tréguas ao analfabetismo, pelo culto do passado e das tradições imperecíveis da nacionalidade, é que o Brasil se há de transformar, sem necessidade de apelo a reformas constitucionais e despreocupado de fórmulas de governo, porque o futuro de prosperidade, de grandeza cabe nas linhas esculturais de qualquer sistema político.

Se aos indivíduos, a sociedade, que os não pode amparar no momento preciso, em que recebem o ataque pela violência, lhes delega a missão de repelir a força com a força, delineando a figura jurídica de legítima defesa, porque a humanidade não há de conceder às nações o exercício do mesmo direito e a prática da mesma garantia?

Senhor desses princípios, inscritos na consciência geral, tomaste a ti, Olavo Bilac, a missão de concatená-los, pregá-los, divulgá-los, para que todos os brasileiros partilhem da mesma crença e pratiquem os preceitos da mesma fé.

Um dia, um padre, obscuro pelos talentos, mas animado de intenso fervor apostólico, aportou a estas terras ainda quase virginais do Brasil e, simples na sua modéstia evangélica, com o breviário debaixo do braço, se embrenhou pelas florestas para a catequese silvícola. José de Anchieta começou a iniciar os habitantes deste país nas doçuras e nos mistérios da nova crença atraindo para Deus os espíritos aos quais faltava a luz da fé.

Quatro séculos depois, um novo taumaturgo inicia a conversão dos pessimistas, destes novos silvícolas descrentes já de dias melhores e, só com a sua religião, sem a munificência dos governos, sem o ascendente oficial vai percorrer o país nesta peregrinação patriótica, educando os catechumenos que desesperam do futuro do Brasil, animando os fracos, visitando as escolas, ensinando, pregando, batizando outra vez com a água da redenção nacional.

Na França, Maurice Barrés chefiou o movimento renascença patriótica, mas em condições difíceis. Nós não temos territórios a reconquistar, não temos nódoas a lavar com sangue nem procuramos revanches.


Maurice Barrés

A tua missão é de paz; querem apenas despertar o Brasil desse crepúsculo de consciência para a alvorada da vida nova.

O Rio Grande do Sul não podia deixar de formar a teu lado na campanha, em que te empenhaste.

Ele tem ligações decisivas no cimentar com sangue e com lágrimas os alicerces sobre os quais há de repousar no futuro a nossa nacionalidade.

Mal compreendidos lá fora, em que há quem pinte como guerrilheiros insubmissos em eterno tropel de aventuras revolucionárias, somos antes um povo de pastores e lavradores, amando a ordem, presa ao arado do trabalho, que sulca a terra fecunda e florida.

De certo a crônica registra fundos abalos na nossa vida cívica, porque, individualistas, habituados a suportar a aspereza do clima e colocados parede meia com dois povos estrangeiros, não raro temos empunhado as armas, em defesa da pátria e da liberdade.

Mas nada mais injusto do que atribuir-nos instintos selvagens ou sentimentos de violência, porque escondida na energia do gaúcho palpita uma bondade de criança.

Tu nos viste agora, tu nos amarás, como irmãos iguais aos outros plasmados na mesma argila, virtudes e defeitos comuns, postados aqui no extremo sul, cuidadosos e vigilantes como vedetas imperturbáveis do coração do Brasil.

Podes contar conosco – juramos bandeira nos arraiais do Brasil – nós te seguiremos no caminho da regeneração nacional.

Coroa digna de uma carreira rutilante, o teu nome está ligado aos nossos destinos, como um legenda de tenacidade e esperança.

O grande espírito de Metterlinck afirmou que bastaria um nada um lóbulo cerebral destacado da circunvolução de Broca, orientada de maneira diferente e provida de um feixe de nervos, para que o homem descortinasse o porvir, porque o tempo é um mistério, que nós dividimos arbitrariamente em passado e futuro.

Pois bem – nós dividimos esse futuro, o futuro da tua missão – o êxito, a vitória, a digna coroação desse esforço.

Não, o Brasil não desertará, não deixará que se apague o lume irisado no tope dos seus mastros pela mão querida, que traçou nas páginas do seu livros, os mais lindos versos da sua história literária.

Olavo Bilac – líder dessa revolução proveitosa e pacífica – és o méneur da multidão que por toda parte te escuta; nós te seguiremos tranqüilos e crentes.

E, se por infortúnio imprevisto, a geração de amanhã falhar ao compromisso de honra, outras virão reatar os elos da cadeia quebrada, restaurando o apostolado, de que te pertencem as primícias.

Já o velho Homero, na Ilíada, pela boca de Glaucos, assim falava na continuidade dos seres: “ A geração dos homens é como a das folhas. O vento atira as folhas à terra, mas a floresta fecunda as reproduz de novo, quando a estação da primavera volta; do mesmo modo a raça dos humanos nasce e passa.

Humildes cidadãos riograndenses congregados em torno de ti, nesta hora de júbilo patriótico, depomos nas tuas mãos o fervor das nossas homenagens e a sinceridade da nossa adesão.

A tua campanha triunfará e o Brasil de amanhã emancipado de tutelas odiosas, esquecido dos erros, reconciliado, unido, no gozo perfeito da sua maioridade nacional, há de ser belo e viril, cabendo toda a sua história na frase eloqüente de Saint Victor sobre o gênio de Shakespeare – “A sua graça iguala à sua força, o seu gênio sutil e robusto lembra a tromba do elefante, que tanto pode colher uma flor como estrangular um leão”.

E o Brasil do futuro será a terra descrita e cantada no teu soneto impecável:

Pára! Uma terra nova no teu olhar fulgura!
Detém-te! Aqui, de encontro a verdejantes plagas,
Em carícias se muda a inclemência das vagas...
Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura!

Treme-lhe a voz afeita às blasfêmias e às pragas.
Ó nauta! Olha-a de pé, virgem morena e pura,
Que aos teus beijos entrega, em plena formosura,
Os dois seios que, ardendo em desejos, afagas!

Beija-a! O Sol tropical deu-lhe à pele doirada,
O barulho do ninho, o perfume da rosa,
A frescura do rio, o esplendor da alvorada!

Beija-a! É a mais bela flor da Natureza inteira!
E farta-te de amor nessa carne cheirosa,
Ó desvirginador da Terra Brasileira!"

Ao terminar o orador foi longamente aplaudido.
Olavo Bilac respondeu, manifestando-se profundamente reconhecido pelas elevadas homenagens que lhe rendia o povo de Cachoeira, nos termos seguintes:


Imagem: acervo Eduardo Minssen
Não é Olavo Bilac. É alguém muito parecido com ele lendo "algo" posicionado numa sacada de uma casa na rua Sete de Setembro.
Quem é ele? Se souber, entre em contato.
Porém, sem dúvida que o cidadão é muito parecido com Bilac, por isso postei a foto. Fiquei imaginando uma cena meio parecida.


"Senhores

Vindo de Porto Alegre, e iniciado por esta formosa cidade uma curta excursão pela campanha do Rio Grande do Sul, é para mim um grande prazer esta recepção festiva.
Compreendendo bem, que não estimais em mim o meu próprio valor, mas o valor das ideias de todos os bons brasileiros, que acidentalmente represento e proclamo.

No Rio Grande, como já disse em Porto Alegre, seria ociosa, e até irritante, qualquer propaganda em favor do revigoramento do civismo brasileiro. As tradições desse povo, perpetuadas no brasileirismo e na dedicação de tantas gerações, repeliriam qualquer estímulo alheio. Seria triste e ridícula a pretensão de quem pregasse heroísmo a um povo de heróis.

Mas a minha presença, aqui, significa esta certeza, que deve ser grata a todos os corações rio-grandenses: em todo o Brasil, um largo sopro de novo entusiasmo sacode todas as almas; a Pátria, destinada para dias gloriosos, está recebendo, como num estuário imenso, as torrentes de fé e de fé que descem de todas as vertentes da racionalidade; e este frêmito de esperanças, esta vibração de energia, este fulgor de crença estão resgatando a triste indiferença de tantos dias sem brilho e de tantos erros acumulados.

E há ainda outra vantagem da minha presença: os vossos aplausos, dirigidos não à mim, mas à Liga da Defesa Nacional, vão chorar em todo o Brasil, premiando e esforçando a propaganda que se difunde por todo o território nacional.

Não esperais de mim, estou certo, um discurso. Todas as ideias essenciais do nosso programa estão lançadas e afirmadas no que foi dito na capital do vosso grande Estado. Mais do que todas as palavras, que eu pudesse dizer, fala o entusiasmo desse povo, e significa o acolhimento que me dais, senhores representantes desta cidade.

Agradeço, senhores, a generosidade com que me recebeis nesta Casa do Povo. Saúdo a cidade laboriosa e leal que hora me hospeda; saúdo o trabalho intenso que a anima, nas lavouras que a rodeiam, nas fábricas que no seu seio se agitam, no comércio que lhe dá prosperidade; e saúdo o patriotismo sagrado que sempre exaltou os seus filhos.
Glória à cidade de Cachoeira!"

Esta oração de agradecimento, o poeta ofereceu-a ao senhor coronel Baptista Carlos, presidente do Conselho.

Em seguida, a comissão de festejos, constituída dos senhores dr. João Minssen, capitão Francisco Gama e Virgílio de Abreu, ofereceu farta mesa de champagne aos presentes, realizando-se, após, um animado baile no vasto salão.



Imagem: Francisco Fontoura Nogueira da Gama

Continua ...

NA GRANJA DA PENHA

Na Granja da Penha*

Desde às 9h da manhã de 15 começou o movimento dos automóveis, carros e outras viaturas conduzindo gente para a bella granja que, a meia légua desta cidade, possui o Dr. Balthazar de Bem, e na qual devia realizar-se uma festa campestre dedicada a Olavo Bilac.

A manhã, fresca, serena e clara, brilhando sob um céu de puríssimo azul, juntava, assim, aos esforços dos ofertantes da festa, um poder decisivo para que esta assumisse, desde logo, a feição de carinho e de altíssimo apreço com que a sociedade cachoeirense vem acolhendo o laureado poeta emissário da egrégia Liga da Defesa Nacional.

Às 10 horas e um quarto chegava à granja o automóvel conduzindo o ilustre visitante, acompanhado dos srs. capitão Francisco Gama, Coronel Horácio Borges, Major João Augusto Leitão, Franklin Araújo, Virgílio de Abreu e do nosso companheiro Guilherme Antônio Möller. Ali já o aguardava uma quase multidão de senhoras, senhoritas e homens entre umas quarenta meninas pitorescamente trajadas à camponesa que o recebeu com aclamações e grandes manifestações de carinho.

Introduzidos no vasto salão da Granja, as meninas, ao som de pandeiros e de uma orquestra de violões e violinos, entoaram canções populares em honra ao príncipe da poesia contemporânea brasileira. Essa parte da festa campestre produziu em Olavo Bilac um quase deslumbramento: meio envolvido no grupo das graciosas meninas aplaudia-as calorosamente, fazendo bizar todas as canções, ao fim das quais beijava as mãos daquelas que se destacavam pelo donaire, pela graça.


Imagem: A minha Cachoeira, João Carlos Alves Mór

E, como houvesse morrido uma vaquilhona Devon da qual, lá fora, preparavam-se os churrascos, as meninas cantaram O meu boi morreu, dedicada ruidosamente ao dr. Balthazar de Bem, dono do lindo animal sacrificado em holocausto ... à Poesia.
Foi um sucesso!

Após essa lindíssimas expansões de alegria, o dr. Balthazar convidou o laureado poeta a fazer uma pequena volta pela floresta de eucaliptos, terminando por mostrar-lhe algumas das dependências da Granja.

Esse estabelecimento, como todos sabem, está caprichosamente organizado e tem uma feição particularmente pitoresca. Há menos de quatro anos aquilo era uma coxilha completamente nua, de aspecto estéril. Hoje é a miniatura de uma fazenda modelo com a vantagem de possuir uma floresta de mais de 100 000 pés de eucaliptos, disposta de maneira a fazer abrigos para o gado e produzir trechos de paisagens de notável beleza, sendo ao mesmo tempo, essa floresta, uma riqueza a explorar.

Ali tudo está bem disposto: potreiros, currais, baias, tanques para bebedouros e para banhos, servidos por encanamentos partidos da caixa d’água alimentada pela força de um moinho de vento.

Olavo Bilac não pode deixar de manifestar repetidamente a excelente impressão que lhe causava a beleza e o bom arranjo da granja admirando no dr. Balthazar de Bem a sua inteligente operosidade.

Ao meio-dia, mais ou menos, foi oferecido o churrasco abundante, e gordíssimo, e saborosíssimo da Devon à numerosa assistência que, na verdade, já andava vibrando de entusiasmo pela chegada desse bendito momento.

O nosso grande poeta não se fez de rogado: radiante de um contentamento expansivo, honrou como devia, o saboroso churrasco. Enquanto isso, o grande número de senhoras, senhoritas, criançada que também churrasqueava heroicamente, postadas ao longo das extensas mesas rústicas, aclamavam-no seguidamente. Por vezes, as senhoritas, do alto das bancadas diziam sonetos seus e muito grato lhe foi ouvir os que recitaram as senhoritas Lygia Araújo e Horaida Pinheiro.

Terminada a refeição, foi Olavo Bilac atraído do alegre grupo feminino e com a sua soberba arte de dizer declamou o soneto Benedicite, em meio de um silêncio quase religioso.

O poeta-apóstolo, então, assumia o papel de um verdadeiro pontífice abençoado, sob a sombra de uma floresta semeada pela mão do homem, todos os que neste mundo, concorrem para o conforto e para a dignificação da humanidade.

Imaginem os leitores que não tiveram a felicidade de assistir a esse ato, qual não foi a emoção da multidão que o cercava, acolhida à sombra das árvores amigas, quando caíram dos lábios do poeta estes versos magistrais e benditos:

Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o ouro brotar, do trigo;
E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;
E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano...
Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

Seria banal dizer-se que Olavo Bilac ao terminar esse belíssimo soneto foi delirantemente aplaudido, por que o que realmente se deu não foi isso: - foi religiosamente idolatrado.

Esta festa campestre prolongou-se até além das duas horas, sem nunca desmerecer de encanto.

Depois do almoço, grande parte da concorrência afluiu de novo para o edifício da granja e as camponesas, (meninas da melhor sociedade cachoeirense) repetiram, a pedido do eminente patrício, as canções populares.

O salão da granja, apesar de vasto, não podia conter senão uma parte relativamente pequena da concorrência, pois, neste dia, quase toda Cachoeira abalou para esse formoso arrabalde. Ali, em meio de cânticos e danças eram, de vez em quando, chamados à fala diversos oradores. Mas não houve, propriamente discursos. O Dr. João Neves, disse, com muitos aplausos, um soneto do festejado poeta. Waldemar disse um bom soneto de sua lavras; e por fim, fez uma breve alocução o Dr. Arlindo Leal.

Fez-se depois uma colossal polonaise em que quase todos tomaram parte. Tiraram-se algumas fotografias, sendo uma especialmente do grupo das “camponesas” cercando Olavo Bilac**.

** Onde estarão guardadas?


O Dr. Balthazar e sua excelentíssima esposa foram sempre de uma gentileza extremamente cativante.



Dr. Balthazer e família
Local: sua residência na época, hoje Casa de Cultura Paulo Salzano Vieira da Cunha

Foto: cortesia Museu Municipal - Patrono Edyr Lima

A vaquilhona Devon era engordada a campo na própria granja e estava em estado quase superior às exigências dos que gostam de carne gorda.

Desta granja é que saíram os touros, um dos quais conquistou na Exposição a medalha de ouro e o prêmio de dois contos de réis.

A floresta dos eucaliptos, que tem apenas três anos e meio de plantada, apresenta, apesar disso, o característico de uma mato frondoso.

Uma nota interessante e que impressionou vivamente o benemérito emissário da Liga da Defesa Nacional, foi a sua chegada receber a continência militar de um interessante filhinho do dr. Balthazar, que ainda parece não ter três anos de idade.

Depois das duas horas da tarde, começou o regresso a esta cidade, sendo Olavo Bilac acompanhado pelos membros da comissão organizadora das homenagens ao preclaro cidadão, que desta festa levará certamente uma recordação indelével.



Foto: cortesia Museu Municipal

*OBS: a Fazenda da Penha, na verdade eram duas. A da visita de Olavo Bilac localizava-se no Bairro Marina. Marina era o nome da esposa de Baltazar. Hoje há uma igreja católica no bairro Marina chamada Igreja da Penha.

Continua ...