Orgulho!

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terça-feira, 18 de agosto de 2015

O HOLODOMOR RUSSO

O "LEVIATÃ VERMELHO"

        Segundo o historiador Voltaire Schilling, os russos promoveram os acontecimentos mais espetaculares dos tempos atuais. Inauguraram o século realizando a revolução social e política mais radical de todos os tempos, uma revolução que erradicou completamente o poder dos barines (antigos senhores do campo), a classe de senhores que havia dominado o país de maneira inconteste por mais de cinco séculos, jogando toda a tralha feudal na poeira da História. Logos a seguir, sobreviventes da terrível guerra civil, de 1918-1920, e da intervenção estrangeira que quase esquartejou o colossal império, lançaram-se com energia e ardor na industrialização acelerada do país, obedecendo às orientações da piatileka, os planos quinquenais que se sucederam numa verdadeira volúpia modernizante.
        A ferro e fogo, de forma impiedosa, esmagaram a propriedade camponesa e tangeram a mão de obra dos rústicos para dentro dos enormes complexos fabris e para as imensas hidrelétricas, as pirâmides do sistema soviético.
        Desmantelado o anacrônico estado czarista, construíram um outro, de mil olhos, cujo poder estarreceu toda a ciência política e tornava os tiranos do tempos de Maquiavel em habitantes do país de Gulliver. Esse Estado em nenhum instante vacilou em exterminar, não apenas qualquer oposição, mas até seus próprios servidores, fossem da administração civil, do exército, da polícia política ou aqueles que simplesmente caíam em desgraça, os dvurujnick como os chamava Stalin, isto é, que agiam com duplicidade.
        Suprimiram também o braço russo da Igreja Bizantina, com suas resinas medievais e com seu terrorismo teológico e obscurantista, que mantinha os camponeses apavorados e embrutecidos, afundados na superstição.
        O mundo assistiu a tudo aquilo espantado, entre o fascínio e um medo primitivo. Nessa ambiguidade de sentimentos provocados pela Revolução de Outubro de 1917, emergiu o nazi-fascismo que passou a dedicar todo seu ardor e energia em destruir aquele Leviatã vermelho procedente das estepes asiáticas da Europa oriental.

A "PIATILEKA", OS PLANOS QUINQUENAIS
        O primeiro plano quinquenal deveria ser o ponto de inflexão na construção do socialismo, a ruptura decisiva com o passado, e Stalin e seus aliados viam-no como uma guerra de classes.
Vítima da coletivização e do caos

        As metas cada vez mais crescentes do plano e o caos que resultou da coletivização fizeram que milhões de pessoas fossem deslocadas, cruzando o país de um canteiro de obras para outro. O padrão de vida da população começou a cair vertiginosamente. Em alguns lugares houve greves por causa da escassez de comida. Os gerentes das indústrias essenciais não conseguiam manter sua mão de obra sem medidas radicais, que não se limitavam à oferta de comida nos refeitórios das fábricas, mas incluíam a construção de prédios de apartamentos e escolas, linhas de bonde e clínicas para os trabalhadores. Um tipo inteiramente novo de hierarquia surgiu na sociedade soviética, que punha não só a elite do partido, mas também fábricas e indústrias inteiras acima do restante.
"Exorcização dos kulaks, os ricos e bem sucedidos proprietários de terras

        Os trabalhadores em indústrias prioritárias, como as fábricas de automóveis e tratores ou o complexo de defesa, conseguiram atravessar esses anos com pelo menos as necessidades básicas da vida satisfeitas, ao passo que, nas fábricas têxteis ou outras indústrias leves, muitas delas com mão de obra predominantemente feminina, os trabalhadores tinha comida insuficiente até para trabalhar o dia inteiro.
Grão eram escondidos até em cemitérios e ... ENCONTRADOS!
Os milhões de mortos espalham-se por todos lados
        No outono de 1929 Stalin decidiu tentar obter o máximo de coletivização que pudesse. Para preparar o terreno, a liderança decidiu a "liquidação dos kulaks como classe" e a GPU (antiga Tcheka, polícia repressiva) começou a prender e deportar os kulaks. Muitos milhares foram executados e quase dois milhões foram deportados para o Norte, os Urais e a Sibéria, onde foram colocados em "assentamentos especiais" para cortar lenha ou às vezes trabalhar nas minas ou na construção. Eles chegaram em áreas remotas, onde tiveram de construir suas próprias casas, muitas vezes no meio do inverno, sem quaisquer instalações, atendimento médico ou suprimento de comida. Milhares escaparam e milhares morreram, até que, em 1931, a GPU assumiu os assentamentos especiais, o primeiro grande grupo a cair sob a égide da Gulag.
Deportação de kulaks
 
O impiedoso confisco de cereais

        Como os kulaks fora do caminho, a coletivização prosseguiu em velocidade máxima. Sob intensa pressão dos oficiais rurais do partido e de emissários enviados das cidades, os camponeses foram convencidos a abandonar suas faixas de terra e combiná-las, pelo menos em teoria, numa única fazenda a ser trabalhada em conjunto.


Alguns camponeses conseguiam chegar às cidades, neste caso, Karkhov, Ucrânia.
 Tarde demais, desnutridos, doentes e exaustos morriam como mosca pelas ruas.
    Enqu   anto a coletivização continuava, com todos os transtornos que causava, o clima pregou uma peça cruel. Em 1931 e 1932, o tempo ruim - frio em algumas áreas e seca em outras - abateu-se sobre a Ucrânia e a Rússia meridional, as principais regiões produtoras de cereais. A consequência no verão de 1932, foi uma fome que atingiu um vasto cinturão que ia da fronteira polonesa até a Sibéria.
O horror, o horror: canibalismo.
Anos mais tarde, o cerco de 900 dias a Leningrado produziu cenas dantescas como esta.
        As autoridades reagiram com lentidão e mantiveram seus estoques de cereais nas quantidades fixadas em anos melhores. Somente mais para o fim do ano elas começaram a afrouxar, mas já era tarde demais e a fome havia se espalhado, levando consigo cerca de 5 a 7 milhões de camponeses nas regiões meridionais da URSS aproximadamente metade deles na Ucrânia. As vítimas da fome, e não os kulaks, acabaram sendo as principais vítimas da coletivização. A seca atingiu os camponeses quando a quantidade de gado havia diminuído, em média, pela metade, e eles não tinham reservas de cereais; tudo isso foi resultado do caos da coletivização e do confisco implacável de cereal para as cidades.


Monumento aos mortos do Holodomor, o genocídio ucraniano
Local: Kiev, Ucrânia
        A fome perturbou as autoridades, mas elas fizeram muito pouco contra ela. Stalin não tomou nenhuma medida extraordinária contra a fome, que esmagou a oposição à coletivização. Foi somente quando um clima melhor em 1933 produziu uma safra mais farta que a fome chegou ao fim.
A menina-símbolo do genocídio ucraniano - o Holodomor
        
        Dentro de pouco tempo haverá expurgos brutais nas Forças Armadas e no Partido, que gerarão novos genocídios e que ficarão igualmente impunes.


"Mil olhos" vigiavam dissidentes, kulaks, inimigos nos gulags siberianos, onde viver era quase impossível!

Fonte: História Concisa da Rússia, Paul Bushkovitch, Edipro, 2014.
Tempos da História, Voltaire Schilling, SoLivros, 1995.

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