Orgulho!

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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O MARCO DE SANTO ILDEFONSO (1777)

ADENDO: até setembro de 2012, considerava-se como (quase) certeza que o marco na fotografia onde também aparece o Claiton Nazar, fosse o Tratado de Santo Ildefonso. Foi quando recebi correspondência de Santa Maria, de um estudioso de marcos que trouxe luzes e novidades à questão. Também recebi um comentário de um estudante de História que está postado logo abaixo.
Com nossa discussão e fazendo as devidas comparações entre mapas conclui-se que o marco não corresponde ao Tratado mas, o que é então?
Publicarei nossa troca de correspondência no final.
Obrigada pela atenção,
Renate Aguiar


"A historiografia brasileira tradicional, cujas origens encontram-se no Império, produziu uma narrativa mítica sobre o território do país. Dessa narrativa surgiu a noção segundo a qual o território nacional foi uma herança recebida dos tempos coloniais.
Contudo, a análise da construção das fronteiras brasileiras revela que o processo de delimitação estendeu-se até a primeira década do século XX. Na verdade, menos de um quinto do perímetro nacional foi delimitado durante o período colonial. O Estado Imperial, em contraste, delimitou pouco mais da metade da extensão toal da linha divisória. O Estado republicano, nos seus primeiros tempos, quando o Barão do Rio Branco comandou a política externa nacional, delimitou a extensão restante."

Cenário Gaúcho, Representações históricas e geográficas. Demétrio Magnoli, Giovana Oliveira e Ricardo Menegotto. Editora Moderna, 2002.

Principais acordos entre as Coroas Ibéricas:

1493: Bula Intercoetera. A linha divisória localizava-se a oeste de Cabo Verde, com a benção do Papa Alexandre VI. A bula privilegiava a Espanha.

1494: Tratado de Tordesilhas. Este tratado atendeu os apelos dos portugueses. Segundo ele, todas as terras situadas a oeste do Meridiano de Tordesilhas (situado a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde), pertenceriam a Espanha, enquanto que a leste seriam portuguesas.

1580-1640: Anulação dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas com a União Ibérica.

1750: Tratado de Madri. Primeira tentativa de delimitação entre os territórios portugueses e espanhóis no Novo Mundo. O foco das negociações do Tratado de Madri consistiu na permuta entre a Colônia do Sacramento (portuguesa) e os Sete Povos das Missões (espanholas)*.

*A Coroa espanhola vizualizava no empreendimento missionário uma forma de reagir aos avanços territoriais portugueses pelo litoral meridional e, sobretudo, à fundação da Colônia do Sacramento. Consequência direta do Tratado de Madri foram as Guerras Guaraníticas (1754-1756). A decadência definitiva dos Sete Povos deu-se pela expulsão dos jesuítas, ordenada pelo Marquês do Pombal em 1759.

1761: Tratado de El Pardo. Anulou o Tratado de Madri.

1777: Tratado de Santo Ildefonso. Devolveu a região dos Sete Povos à Espanha. O Tratado de Santo Ildefonso, reconheceu as terras ocupadas por arranchamentos entre o Jacuí e Camaquã como sendo da Coroa portuguesa. Os limites no Sul se estenderam desde o arroio Chuí, margens da laguna Mirim, nascendo do rio Negro até a foz do rio Pepiri. Foram criados os camados Campos Neutrais que acompanhavam a linha de fronteira, aonda não podiam construir e nem estabelecer tropas militares. Os contrabandistas, gaúchos e bandidos usaram os campos neutrais como zona de refúgio.

1801: Tratado de Badajós. As coroas ibéricas concordaram em retomar a divisória negociada em 1750.

No mapa da esquerda observa-se (em verde), os limites impostos pela Tratado de Madri, de 1750, enquanto que o da direita a linha azul representa o Tratado de Santo Ildefonso.
Observando com mais rigor o mapa da direita, percebe-se que o tratado de 1777 cruza as terras cachoeirenses, (obviamente muito mais ampliadas naquele período).
Na visita a Escola Zilah da Gama Mór, falou-se muito na Estação Ferroviária abandonada, nos dois pontilhões próximos a ela e também no brasão imperial incrustrado no maior, detalhe sempre lembrado pelo amigo Eduardo Minssen. A foto do brasão acontecerá em breve porque depende de alguns detalhes técnicos.
Então falou-se num marco existente na região. Conversa vai e vem, quando o amigo Claiton comentou que na sua propriedade TAMBÉM HAVIA UM MARCO. E do que se tratava?
Resposta: o marco representa o ponto por onde passava a linha do Tratado de Santo Ildefonso, de 1777. A foto do Claiton é de mais ou menos 15 anos atrás.


 Fonte: Caderno de História nº 50, Memorial do Rio Grande do Sul - Invasão Espanhola no Sul do Brasil, Moacyr Flores, Secretaria de Estado da Cultura, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, pág. 16

Fonte: Trabalhando com Mapas, Rio Grande do Sul, Editora Ática, 2003
Vamos reparar que para a idade dele, 235 anos está super inteiraço e AINDA ESTÁ NO LOCAL ao lado desta pequena ruína cujo significado ainda é desconhecido. A foto é de 1997.

No detalhe,  Claiton Nazar está apoiado no marco do Tratado de Santo Ildefonso. Existe mesmo um na Ferreira? Tomara que sim e que seja encontrado e fotografado. 
Concluindo, mais investigações serão feitas para saber se existem outros. Pela frente a missão de "fabricar" tempo para matar a charada.



Interessante correspondência trocada sobre o assunto:

Professora Renate

Estou entrando em contato através deste email,para tentar elucidar
aquela foto publicada do interior de Cachoeira, sobre o marco.
Este marco não é do tratado de St. Ildefonso, possivelmente
um centro para traçado de curva ferroviária no local. Verificar se
não passa ferrovia perto..Pode ser marcação de um local de
batalha ou de propriedade. Descobri em Santa Maria,o
local dos dois marcos que aqui existiram. Poderei mandar
futuramente as fotos dos referidos marcos.
Atenciosamente,

Darci Brondani
10.10.2012
.......

Boa noite, Darci!

Esta informação eu tenho do amigo Claiton Fernando Nazar. Peço que aguardes eu conversar com ele sobre este teu e-mail.
Sim, passa ferrovia por perto.
Gostei de receber teu e-mail, te darei retorno assim que obtiver melhores informações.
Sobre o marco ser do Tratado de Santo Ildefonso, a possibilidade não é toda descartada.
Gostaria, sim de ver as fotos. Se puderes enviar junto mais ou menos as coordenadas dela, é possível montar o quebra cabeça.
Cordialmente,


Renate Aguiar
11.10.2012
.......

Boa noite, professora Renate.

Da mesma forma também, gostei de receber o seu e-mail. Pesquiso
ha muitos anos, as posições dos referidos marcos. Eu sou autodidata
e procuro fazer este trabalho nas minhas folgas,tudo como um hobby.
Eu sou metalúrgico aposentado e gosto muito da história do Rio Grande.
Foram colocados marcos desde o Chui até a região do Monte Grande
(Santa Maria). De Bagé até S. Maria, foram 10.Foram colocados em pares,
cada um no seu território, seguindo e demarcando a linha da faixa neutra
de fronteira,(cf.Tratado). A faixa neutra tinha a largura de uma légua,ou
um pouco mais.Ela estava exatamente no divisor das bacias dos rio Ibicui
e Jacuí. A colocação iniciou-se em 1787.Apesar de eu ter em mãos, todos
os pontos dos 10 marcos, o trabalho de localização não é fácil. Diferenças de
medidas em relação as atuais e outros problemas, dificultam muito. Estou
colocando réplicas nos 2 primeiros locais. Os originais foram retirados e
colocados na fronteira do Uruguai,em 1852.A altura deles era de aproximada-
mente 2,30 m. (os da fronteira foram cortados pela metade)
Isto descarta completamente a possibilidade deste da foto ser um deles.
No texto da internet, há uma referência à Ferreira, isto me chamou atenção,
pois o primeiro marco colocado aqui está próximo ao Arroio dos Ferreiros,
erradamente chamado de Ferreira.

Obrigado pela atenção

Atenciosamente
Darci Brondani

11.09.2012
......

Boa noite, Sr. Darci

 É com grata satisfação que recebi a notícia da sua paixão pelo Tratado de Sto Ildefonso.

Gostaria de saber se o sr poderia colaborar conosco para esclarecer as dúvidas geradas a respeito dos marcos existentes em Cachoeira do Sul.

Eu sou a pessoa que aparece na foto do blog da Professora Renate.

Este marco, que está localizado em minha propriedade rural, é um velho conhecido meu.

Em torno de 30 anos atrás, um grande amigo meu, infelizmente já falecido, Dr. Fritz Stroeschoen, historiador renomado de Cachoeira do Sul, comentou sobre a época em que Cachoeira havia sido divisa entre as terras de Portugal e Espanha. Mencionando inclusive a localização das trincheiras dos portugueses, em uma coxilha à leste do Rio Jacuí, já na atual área urbana. Estaria localizada em uma área de propriedade de amigos meus, entre o Colégio Roque Gonçalves e o Hospital de Caridade e Beneficiência.

Este outro amigo, proprietário da área onde ficavam as trincheiras, encontrou pontas de lanças neste local quando criança.

Não recordo se o Dr. Fritz mencionou especificamente tratar-se do Tratado de Sto Ildefonso ou se eu pesquisei e deduzi na época, por eliminação, que o tratado mais próximo e que poderia passar por terras de Cachoeira seria o de Sto Ildefonso.

Temos 3 marcos conhecidos em Cachoeira. Pessoalmente só conheço o da minha propriedade, mas é possível encontrar os outros 2, pois um é na localidade de Ferreira, há 12 km de Cachoeira, e o outro é na Fazenda Lajeado, fazenda histórica, sítio de episódios da Revolução Farroupilha, que também é de uma família que tenho relacionamento.

Temos informação que um dos 3 marcos pode ter uma inscrição.

Estou combinado com a Professora Renate de procurar estes marcos e observar se possuem um padrão de similaridade ou identificação.

Gostaria então de convidá-lo para, se possível, fazer-nos uma visita futuramente e colaborar com estes esclarecimentos.

Como o sr mencionou que não conseguiu encontrar todos os marcos do Tratado de Sto Ildefonso, não poderiam ser estes daqui? Pois em alguns mapas a linha divisória do Tratado aproxima-se muito de Cachoeira, e a cartografia na época poderia ser bastante imprecisa.

Os marcos não parecem ter nenhum vínculo com rede ferroviária ou outro objetivo que não seja a demarcação de terras.

De qualquer forma, se realmente não são do Tratado de Sto Ildefonso, devem ser de algum outro acordo histórico, que gostaríamos de esclarecer e identificar do que se trata.

Agradeço a sua atenção

 
Abraço,

Claiton Nazar

13.09.2012


5 comentários:

  1. Saudações Professora!
    Sou estudante de História(licenciatura e bacharelado) na UFSM, e tenho interesse na Campanha de 1801 nas Missões.
    Ao olhar o mapa postado, verifica-se que está em desacordo com várias publicações que existem à respeito, pois tem o traçado da fronteira partindo de um local próximo ao Arroio Chui, enquanto o tratado prevê (tando o de 1750, quanto o de 1777), que seja partindo de Castilhos Grande, muito mais ao sul, numa distancia média do que hoje conhecemos como Barra do Chui e Punta d'el Este, nas rochas (torres) de Castilho Grande.
    Também ao norte verifica-se uma inconsistência ao oeste do Amazonas, e no atual estado do Amapá, onde a fronteira só foi definida depois da Campanha da Cayena (ou Caiena), desencadeada pelo Príncipe Regente D. João após sua chegada ao Brasil, em retaliação a invasão francesa de Portugal.
    No intuito de auxiliar...
    jose luiz (jose.schardong@via-rs.net)

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    1. José Luiz, desculpa minha intromissão mas o tratado de Santo Ildefonso, partia dali do Chuí mesmo, a lagoa mirim ficava na zona neutra não seria nem de Portugal nem da Espanha e dali subia pelo divisor de aguas entre o Jaguarão e o Piratini, passava por Pinheiro Machado. O tratado de Madri partia da lagoa de Castilho Grande e despontava todos os rios e arroios que correm para a Lagoa Mirim, tinha três marcos que foram quebrados de propósito, pelo governador, para que os portugueses não intentassem em querer aquela área novamente, mais tarde juntaram os pedaços dos marcos e tentaram refazê-los. Um está no Forte São Miguel, ali perto da Lagoa Mirim, outro na cidade de Rocha e o outro em Maldonado.

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  2. Boa noite, José Luiz!
    Retirei este mapa de um livro de História, creio ser natural que haja alguma divergência. Vou postar mais um, mais ampliado, então neste é possível que os dados batem melhor com as tuas informações.
    Muito obrigada por interagir e colaborar com o blog.
    Cordialmente,
    Renate Aguiar

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  3. Boa noite. Gostaria de algumas informações sobre esses marcos de fronteira dos tratados entre Portugal e Espanha.

    Muito obrigado.

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  4. boa noite professora Renate, estas postagens são de 2012, parece que o sr Darci Brondani já não existe mais. Eu também sou estudioso de tudo que se refere aos jesuítas, fiz ha pouco tempo um relatório com as coordenadas dos marcos divisórios, tanto do tratado de Madri, como do de Santo Ildefosso, claro que não é 100 por cento, mas é com bastante aproximação. Partindo aí de Santa Maria, onde diz que existe uma réplica, que seria do marco português, o próximo seria lá perto da ponte do Ibicuí Mirim na Localidade de Canabarro, próximo a São Pedro, lá é o primeiro marco espanhol. Pretendo procurar, acredito que ainda existam alguns, se alguém tiver fotos, por gentileza coloquem no blog, pois eu gostaria de vê-las. um abraço.

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