Orgulho!

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domingo, 3 de maio de 2015

OS BARTMANN



Weilburg
                         OS BARTMANN*

*Renate Elisabeth Schmidt


A comunidade da minha cidade é muito Bartmann. É Bartmann pra lá, Bartmann pra cá e a todo momento de uma forma ou de outra um Bartmann vem à luz dos nossos pensamentos ou olhares por coisas que movem e nos movem porque elas orbitam estas terras generosas das quais orgulhosamente compartilhamos.
Decorrido um século e meio, muitos outros sobrenomes vieram ao encontro daquele que dá o título a este artigo, orgulho dos que vieram depois. Diria que ela, a descendência, é quase como satélites orbitando em torno do astro-rei. São muitos nomes e novos sobrenomes, escrevo então que o espaço exíguo deste papel tornou-se uma barreira para nominá-los.

Wiesbaden
Há Bartmanns em outras latitudes mas então vou contar um pouco dos pioneiros que vieram para a Colônia Santo Ângelo.
O sobrenome Bartmann nos remete à Colônia Santo Ângelo cujo início em 1857, aconteceu pelas mãos do Barão von Kahlden. Nos remete à imigração alemã no Rio Grande do Sul que ora comemora 190 anos. Nos remete à cidade de Weilburg an der Lahn, Hessen, onde nasceram Jacob e Margarida, os imigrantes pioneiros Bartmann da referida colônia. Assim como Cachoeira abrigou muitos descendentes, por sua vez, na própria colônia dispersou-se também o clã.

Genearca Magdalene Luise Antoinette
Schnabel Bartmann,, Weilburg

(*1814 – 1874)

A raiz comprovada por documentos (e uma fotografia memorável) provém dos genearcas Theodor Johann Wilhelm Bartmann e Magdalene Louise Antoinette Schnabel (nota-se a forte influência francesa no nome feminino), pais do patriarca Jacob. Era uma Alemanha napoleônica na época.
Os Bartmann de Cachoeira são fruto da prole de Jacob Moritz August e de Margaretha (Margarida) Weirich Bartmann. Jacob foi o filho primogênito de Theodor e Magdalene.
Jacob e Margarida imigraram para a Colônia Santo Ângelo que recebeu, por sua vez, a primeira leva de imigrantes alemães em 1º de .
 novembro de 1857, colônia esta sob a direção imediata do Barão von Kahlden.
Hessen


Setenta e sete anos antes, na década de 1780, a Europa Central era formada por cidades-estado autônomas por vezes fazendo confederações para mostrar mais poderio. Os conflitos entre estas cidades eram frequentes, escreve Osório Bartmann, bisneto de Jacob.       Nesse cenário nasceu Theodor, em 1784, na aldeia de Dillenburg. A Alemanha de hoje era na época, um conglomerado de principados e ducados. A unificação dela só irá ocorrer em 1871 pela batuta do chanceler Otto von Bismarck.
Cinco anos após o nascimento de Theodor, estourou a Revolução Francesa, refratária ao sistema feudal. Com a tomada do poder após um doloroso processo de autofagia em 1799 por Napoleão Bonaparte (um pró-revolucionário convicto), a Europa enrodilha-se numa tumultuada época de guerras de conquista que iam saciando por ora as ambições imperiais do corso esfaimado (e líder carismático, estrategista genial, criativo e reformista). Nessa época, Theodor contava com 15 anos.

Dillenburg
Quando Napoleão coloca sobre sua cabeça a coroa imperial francesa em 1804, Theodor agora com 21 anos, ficou à mercê deste império que segue se agigantando e exigindo homens e dinheiro para as campanhas do exército. Segundo Rudolfo Bartmann, neto de Theodor e pai de Osório, o avô teria se deslocado por várias regiões onde hoje é a Alemanha, certamente com as dificuldades subentendidas aos tempos de inquietude política, principalmente. 

Igreja Luterana de Heckholzhausen, 
Landkreis Limburg-Weilburg, Hessen.
Mas eis que aos 45 anos, conheceu Magdalene, nascida em Mosbach no ano de 1814 (ano da abdicação de Napoleão). Casou-se com ela em 1833, na pequena cidade de Heckholzhausen (ele a dois dias de completar 49 anos e ela com 18) e o casal resolveu fixar residência em Weilburg an der Lahn, lugar onde surgiu oportunidade de trabalho para Theodor: serviu ao Ducado de Weilburg, como “Capitão Ducal - Hauptman zu Weilburg”, cargo pelo qual recebeu uma medalha pelos dez anos de ótimos serviços prestados. O objeto   acabou vindo junto na bagagem de Jacob por ocasião da sua imigração e é conservado até hoje.

Mosbach, Wiesbaden, Renânia.
Theodor e Magdalene tiveram cinco filhos: Jacob (meu bisavô), Wilhelmine, Elisa, Elise e Carl Emil. Ao nascer último filho, Theodor contava com 62 anos.
Jacob veio morar na Colônia Santo Ângelo, mas e os seus irmãos? Permaneceram na Europa? Há “Bartmanns” vivendo nos Estados Unidos, parentes da linhagem cachoeirense, será?
Um ano após o nascimento de Magdalene acontece a Batalha de Waterloo (1815), num encharcado campo belga. A artilharia napoleônica atolou no terreno empapado e este revés contribuiu para a derrota de Napoleão Bonaparte diante da poderosíssima coligação formada pela Inglaterra, Áustria, Prússia e Império Russo. Os países vencedores não perderam tempo e um congresso, o de Viena, tratou de repaginar mapas, remarcar fronteiras, restaurar tronos e defender interesses. 
Casamento de Caroline Bartmann e Alfredo Schütz. Na foto estão: 1. Hermine Schütz (irmã do noivo);
2. Carola Bartmann, 3. Ernesto Bartmann; 4. Alfredo Schütz; Heinrich Köhler;
5. Heinrich Köhler; 6. Elisabeth Bartmann, 'Elise'.
Acervo Pessoal
Dillenburg, Hessen
Sete anos antes do Congresso, em 1808, o rei português, D. João VI havia escapado da investida napoleônica à Península Ibérica. A terra lusa havia desrespeitado o bloqueio continental decretado pela França para sufocar as ilhas britânicas, bravas e invictas resistentes aos avanços napoleônicos.
O recém criado Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), em outras palavras, Brasil, um espécie de sede de governo português no exílio, começou a atrair imigrantes não portugueses.  Um pouco depois, em 1819, chegaram suíços que migraram para o Rio de Janeiro, fundando Nova Friburgo.

Oito anos após, o príncipe D. Pedro, da Casa de Bragança, casou-se por procuração em Viena com a arquiduquesa Leopoldina Carolina Josefa. Leopoldina era filha de Francisco II, último imperador do Sacro Império Romano da Nação Alemã. Francisco ao mesmo tempo era Francisco I,
Weilburg an der Lahn
 distrito de Limburg-Weilburg,
 região de Gießen, estado da Hessen.
primeiro Imperador da Áustria, da Casa dos Habsburgos.
A antepassada de Leopoldina, a Imperatriz Maria Teresa, havia colonizado terras ao longo do Danúbio, para impedir o avanço dos turcos em direção ao centro da Europa, com ameaça ao território  austríaco.
Anna Luise Schmidt Chagas, Margarida Bartmann e Roberto Prediger.
Contenda, 1968.
Cortesia Vonir Boijink
No sul do Brasil havia  uma situação parecida. Constantes invasões obrigavam a atividades bélicas permanentes. E para colonizar o sul nem pensar em portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses
Cemitério dos Bartmann, Cerro Branco. Túmulos de Jacob e Margarida
Weirich Bartmann . Na foto, Gelson Bartmann, bisneto de Joseph Bartmann
e Renate Elisabeth Schmidt, neta de Marie Antoinette Bartmann Schmidt.


Leopoldina era alemã. Então por que não, alemães?
            A Prússia que um dia tomaria parte da Alemanha, historicamente nacionalista, militarista e disciplinada, era respeitada por D. Pedro que optou por trazer mercenários alemães “misturados” aos colonos para “disfarçar”.
Influenciado pela esposa, D. Pedro I em 1823 distribuiu proclamas pelos estados alemães para promover a emigração desses lugares para a nova nação que se formava, escreve novamente o bisneto de Theodor, Osório Bartmann.
E em 1824 chegaram os primeiros colonos ao Rio Grande do Sul, 39 mais precisamente, contratados por conta do Governo Brasileiro por Jorge Antônio von Schäffer na Alemanha, para a Feitoria do Linho Cânhamo. Corria o dia de 25 de julho, um domingo, data da fundação do primeiro núcleo de colonização alemã no sul do Brasil, que viria a evoluir para a cidade de São Leopoldo.
Capa do opúsculo "Aus Weilburg an der Lahn nach Colônia Santo Ângelo"

Muitas águas agitadas, cristalinas e turvas (turvas não pela poluição da Revolução Industrial, que andava preguiçosa para ancorar no Brasil), rolaram pelas cachoeiras do processo migratório porque evidentemente nada era simples. Renúncia à nacionalidade alemã era uma imposição aos imigrantes, a hostilidade da paisagem, viagens perigosas, propaganda enganosa, precariedades, doenças e perigos,  formavam o séquito de dificuldades.

         Jacob emigrou ao Brasil pobre e solteiro. Atraídos pelos agenciadores, pela política oficial brasileira, pela Lei de Terras de 1853, pela chance jamais sonhada na Europa de possuir uma propriedade sua e espantados pela vasta legião de desempregados, pelos sub-empregos, pela onda de revoluções e consequências diretas e indiretas da Revolução Industrial, como por exemplo a elevadíssima mortalidade infantil, milhares de alemães deixaram a Europa e atravessaram o Atlântico. Parte deles veio para o Brasil.
         Em 1857 foi a vez de Jacob Johann Weirich e Anna Maria Schwier, prussianos, embarcarem em Hamburgo no Patacho Helena com os cinco filhos: Joseph, Suzana, Margaretha (futura esposa de Jacob), Elisabeth e Michael. Nesta ocasião, Margarida estava com 13 anos. Chegaram a Porto Alegre no vapor Continentista em novembro de 1857.
         Entre Jacob e Margarida havia uma diferença de 10 anos. O casamento ocorreu pouco antes da unificação alemã.
         O casal teve extensa prole: Maria, Emílio, Alfons, Joseph, Wilhelm August, Carlos Otto, Maria Antoinette (minha avó paterna), Ernesto, Margaretha, Elisa, Carolina e Johann Karl. Dos onze filhos provêm os Bartmanns cachoeirenses.
         Hoje, o "cemitério Bartmann", como é conhecido, é guardião dos túmulos do casal, cujas lápides pouco a pouco estão se esvaindo. Ao lado do pequeno cemitério, as plantações dos colonos crescem e produzem fartura para a terra que que os acolheu e que guarda tantas histórias. Um imigrante nunca será somente um número e uma estatística. Histórias de enfrentamentos e superações compartilham vicissitudes. 
         Assim sendo, dedico este pequeno texto a todos os imigrantes que acreditaram e para cá vieram para finalmente terem a terra que seria sua. O trabalho deles está semeado a nossa volta sempre a intrigar. Mágicos?
         Trabalho, muito trabalho e ao lado, estudo!

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