Orgulho!

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sábado, 17 de março de 2012

EMPLASTRO SABIÁ

Eduardo Florence
Jornal do Povo, 20/21 de março de 2004

Os sapatos quase sempre eram apertados e duros. Melhora com o tempo, diziam. Álcool derramado por dentro era uma receita infalível,como seria contingente e uso posterior de um torturante band-aid no calcanhar. Almanaques velhos de remédios falavam de chás, ungüentos, pomadas poções, depurativos,elixires, purgantes, linimentos, xaropes. O anual Almanaque do Pensamento previa o tempo e as chuvas. Diziam com um ano de antecedência se choveria no dia de nosso aniversário. Épocas de plantio e de colheitas, horóscopos e citações de personalidades.

Quem não viu e viveu, perdeu os porres homéricos que euforizavam com o álcool contido num Biotônico Fontoura. Vendido no Brasil desde 1914, estimulava o apetite, com o mesmo poder daquele aperitivo de butiá ingerido por nossos pais. Perderam os chás de camomila, macela, erva cidreira, confrei. Viveram um tempo de fascínio nas velhas farmácias com aquelas gravuras do homem e do peixe. O velho e o mar. Nada mais era do que o óleo de fígado de bacalhau, a terrível Emulsão de Scott. Sadol e Fimatosan também faziam parte da tortura de pais sádicos contra indefesas crianças.




Escalda-pés e cafiaspirina após ficar molhados. Xaropes para a tosse, salofeno. Bálsamo Alemão para que afinal existiram. Houve um tempo de sangrias e que os males eram decorrentes das linfas e humores internos. Os enemas e lavagens eram uma coisa cotidiana nas vidas das famílias. Quase fixação por laxativos e lavados intestinais. Pílulas de Witt, cor-de-rosa, Lacto-purga e Purgo-leite. O contrário e o mais caseiro, chá de casca de romã e de pitangueira.

Quem não viveu o tempo no qual o fígado era o maior vilão. Epocler e Heparema. Verminoses e sementes de abóboras. Lombrigas e ascaris? Licor de alcatrão e de cacau. Medicina do lar que se prezasse tinha sempre Sal de Frutas Eno, Magnésia Bisurada, Leite de Magnésia de Philips.

Ferimentos tinha o mercurocromo, Merthiolate, Violeta Genciana, e as pessoas viviam roxas. Caladryl nas queimaduras e para tudo, mas tudo mesmo, principalmente nas espinhas e acnes adolescentes. Pomada Minâncora e os jovens viviam brancos. Lysoform desinfetante, Cibalena, pílulas Foster e a instigante Maravilha Curativa do Dr. Humphreys.

Assepsia bucal com pastilhas Valda . E o Leite de Rosas enchia o ar de perfume e frescor. Polvilho anti-séptico Granado, Pó Pelotense, as colônias de Alfazema e os perfumes Mirurgia.

Mistério era apenas um. O emplastro Sabiá. O mundo havia evoluído e as pessoas insistiam em usar uma espécie de ventosas que aliviavam dores ocasionadas por governos opressivos que asfixiavam qualquer realidade que não fosse a promessa de uma país de futuro. O tempo passa e muda alguma coisa, para nada modificar. Pior do que tudo, estamos parados assistindo que só não é corrupto que nunca foi poder. Precisamos da Maravilha Curativa, de muito anti-séptico, de Biotônico Fontoura, mas com álcool, e a urgente volta do emplastro Sabiá. Nas costas, para relaxar o dorso, e um na boca para calar os impropérios que pensamos em falar aos arrogantes que nos mentiram tanto. Os sapatos nunca foram tão apertados.

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