Orgulho!

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sábado, 25 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, UM PRACINHA QUE SE CHAMAVA ABRILINO


FOTO: ex-expedicionários Enedino Luiz Elesbão, Abrilino Luiz de Melo e Edvin Schultz no palanque oficial, por ocasião do desfile da Pátria de 2009. Ao lado está o prefeito municipal, Sérgio Ghignatti.
Cortesia: 3º Batalhão de Engenharia e Combate


Soldado Abrilino Luiz de Melo em 1943
Cortesia: familiares do ex-expedicionário

Há algum tempo atrás, quando estive no 3º Batalhão de Engenharia e Combate, o Batalhão Conrado Bittencourt, buscando informações sobre a Força Expedicionária Brasileira e sobre os pracinhas da guarnição de Cachoeira do Sul, soube que vivia ainda somente o Seu Enedino José Elesbão. Ao pesquisar em fotos do acervo da Seção de Relações Públicas, com a ajuda do Sargento Friedrich, percebi várias imagens nas quais o Seu Enedino estava ainda acompanhado do Seu Abrilino Luiz de Melo e do Seu Edvin Schultz (ambos falecidos).



Pois em uma das fotos localizei um rosto conhecido, o de um aluno, o Murilo. Conversa vai e vem quando certo dia Murilo aparece com uma entrevista recente concedida à Universidade de Santa Cruz, a UNISC, em data ainda desconhecida. Também ainda não consegui idenfificar quem foi o entrevistador que realizou este trabalho em nome da universidade.
Estou em busca destas informações.



O rapaz de azul claro é o Murilo, neto de Abrilino Luiz de Melo.

E hoje, 25 de setembro, ao folhear o Jornal do Povo dominical, deparei-me com um convite para a missa de um ano de falecimento do ex-expecionário Abrilino Luiz de Melo.
Quero homenagear um ex-combatente com a publicação de parte da entrevista.
Abrilino não serviu pela guarnição de Cachoeira, mas adotou esta cidade.
Procurei manter a originalidade do seu vocabulário e da forma como ele se expressava neste histórico texto.
Usei a maior parte do seu relato que é voz de uma TESTEMUNHA DOS TEMPOS, de tempos distantes e latentes.
Entreguei cópias ao Arquivo Histórico, Museu Municipal e ao 3º Batalão de Engenharia e Combate.


SOBRE O EX-EXPEDICIONÁRIO ABRILINO LUIZ DE MELO
Nasceu em julho de 1920 na cidade de Caçapava do Sul e faleceu em setembro de 2010 em Cachoeira do Sul.
Filho de agricultores e comerciantes, Seu Abrilino cursou o Ensino Fundamental. Antes de ingressar na FEB também era agricultor. Plantava-se de tudo, segundo suas palavras textuais, como milho, trigo, feijão e principalmente arroz.
Após a participação na guerra, volta a trabalhar na agricultura, onde se aposentou.


ENTREVISTA

Unisc - Qual foi o seu maior motivo para o ingresso na FEB?
Abrilino - O Brasil declarou guerra e eu havia dado baixa naquela ocasião. Estava na fronteira, longe dos meus familiares fazia um ano. Então eles nos colocaram em forma, pediram oito voluntários de boa conduta de cada esquadrão de Cavalaria Independente para ir ao Rio de Janeiro, não sabíamos ainda qual o motivo, apenas que nosso destino era o Rio.
O nosso chefe perguntou se tinha homem para ir ou não à guerra. Fui e disse para ele, estou aqui servindo como homem e saí de forma com mais dois companheiros e fomos escalados. Partimos para o Rio de Janeiro em abril de 1943.


Unisc - Como foi sua preparação antes do embarque para a Itália?
Abrilino - Formatura diária e instrução, porque o Ministro da Guerra dizia que era mais fácil a cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra e nosso distintivo era uma cobra fumando. O Ministro da Guerra era o finado Eurico Gaspar Dutra, foi para os Estados Unidos, para mandar o Brasil ir lá ajudar, porque os aliados estavam fracassados. Então ele foi lá e convenceu o Ministro Beltrão, pois os mesmos eram contrários ao presidente, que queria mandar apoio logístico. Mas não queria mandar soldados brasileiros ir morrer no estrangeiro, mas como o Ministro foi lá e acertou com eles, o presidente não quis voltar atrás.
Lá foi incorporando gente de tudo quanto era lugar.
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O camarada chegava lá e tinha instrução com os americanos sobre o armamento, sistema de combate, uniforme, tudo era diferente. Nos organizaram primeiro para ficar recebendo instrução uma porção de dias, para em seguida entrar em combate.

Unisc - Qual foi a reação da sua família quando ficou sanbendo da sua ida para a guerra?
Abrilino - Minha família só ficou sabendo porque nós fomos embarcar numa segunda-feira e eu mandei uma carta a meu pai, avisando do embarque. Meu pai recebeu a carta no interior e foi assinar o salva-conduto que tinha que ter para viajar. Iríamos embarcar numa segunda-feira, mas acabamos embarcando na sexta-feira santa.
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Saímos à tardinha de São Gabriel, quando passamos por Santa Maria já era noite. Seguimos a Cruz Alta. Depois de passar por Santa Catarina, Paraná, tiramos dois dias para descansar em São Paulo, ficamos de uma dia para outro para trocar de trem pois as bitolas eram diferentes.
Viajamos cinco dias e quatro noites sem parar, nas estações foi incorporando gente. Quando saímos da fronteira eram 56 homens, no Rio de Janeiro eram cerca de 400. Após a apresentação junto ao Ministro da Guerra, nos mandaram para o 2º Regimento de Infantaria, onde ficamos 28 dias atirados num pavilhão aberto e chovia por todo o piso de cimento. Os 400 pracinhas aproximadamente, comiam o que sobrava do Regimento.
Ficamos depois num alojamento porque o resto já tinha embarcado para o norte.
Ficamos no 3º Batalhão entre quinze e vinte dias. Depois fomos para os acampamentos, onde hoje é o Maracanã, ao lado da ponte de São Cristóvão. Passamos para o Regimento de Infantaria, ali havia instrução. Havia a presença do general Mascarenhas de Moraes, auxiliado por Cordeiro de Farias e Zenóbio da Costa. Eu tenho um livro com as fotos de nosso desfile na Avenida Rio Branco, no Rio. O calor era horrível, uns caíam para um lado, outros para outro. Era muito calor. Desfilaram também as enfermeiras que nos atendiam no quartel.

Unisc - Como foi a viagem para a Itália?
Abrilino - Foi o maior sacrifício porque todos os dias nos enganavam sobre o embarque. Quando chegou o dia da turma ir, era bem de tardezinha, mas ninguém queria embarcar de 1º escalão. O sargento Paulino foi o primeiro a entrar no navio. Depois foi o 2º e 3º escalão. Quando o último escalão chegou lá, a guerra já tinha terminado, porque o primeiro combate foi o de Monte Castelo. Consta que morreram cerca de 460, mas morreram muito mais.
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Nossa infantaria lançava torpedos por cima da infantaria lá no meio do inimigo e assim foi até tomar Monte Castelo. Dali os nazistas começaram a se retirar para o norte da Itália. Achavam que não aguentariam mais, isso em 21 de fevereiro de 1945, a tomada de Monte Castelo. Depois do fim da guerra, 8 de maio, renderam cerca de 20 mil nazistas. Destes, 800 eram oficiais.

Unisc - O senhor estava preparado para entrar em combate?
Abrilino - Estava bem treinado. Desde o tempo da fronteira já tinhamos treinamento de cavalaria. Nossa instrução era a cavalo, com espada, lança e mosquetão. Depois fomos para a infantaria, quando tivemos instrução motorizada, de carro de combate, daqueles bem possantes com esteira. Eu até era motorista de um carro daqueles. Fiz o curso de motorista no quartel. Treinamos tiro antiaéreo em distância, de mosquetão, e com o canhão de 75 e 25 mm.

Unisc - O senhor tinha noção do que iria enfrentar na Itália?
Abrilino - A gente não sabia de nada porque não tinha rádio, televisão, íamos pelo que eles diziam e a própria correspondência era dificultada pela censura. Mandei cartas para minha família, mas às vezes não recebiam.
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Unisc - Qual era a sua patente e função na FEB?
Abrilino - Tinha curso de cabo e motorista e cuidava a turma dos motoristas. Eu tinha pouco estudo, lá não exigia. Fiz o curso de cabo e fui promovido. Comecei a estudar e fiz curso para sargento. Não tinha tempo para mais nada. Fui promovido a sargento depois que saí. Hoje eles me promoveram como oficial da reserva agora depois de muito tempo.
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Unisc - O senhor sentiu diferença do padrão brasileiro em relação ao padrão americano de guerra?
Abrilino - Não, era a mesma coisa pois estávamos todos juntos.

Unisc - Como foi contato com o inverno rigoroso?
Abrilino - Era horrível, muito frio e o inverno brabo inclusive no dia da tomada de Monte Castelo. Lá para tudo havia uniforme, para enfrentar frio e gelo. Aqui não tinha, fomos ao Rio e nem capote nós levamos.

Unisc - O senhor sentia medo da guerra?
Abrilino - Não, nunca tive medo porque estava longe da família, já não contava mais com a vida.

Unisc
- O senhor perdeu muitos companheiros em combate?
Abrilino - Exterminaram com muitos companheiros. Um colega nosso que tinha o apelido de Bigode, porque vários soldados usavam naquela época, era motorista e transportava a munição num jipe americano quando passou por um terreno minado. Com a explosão o coitado desapareceu. Tinha um Primeiro Tenente da minha companhia. Esse tiraram a perna fora com um tiro de metralhadora. Levaram para os EUA e não morreu. Também desapareceu muita gente, não se sabe se morreu ou ficou prisioneiro.
Inclusive lá tem um cemitério brasileiro, que o presidente Castelo Branco junto com Mascarenhas de Moraes mandou reunir os corpos de outros cemitérios para enterrar naquele. Trouxeram vários para o Rio de Janeiro. No fundo do cemitério tem uma pedra de mármore, contendo o nome dos pracinhas que morreram. Mas muitos eles nem sabiam o nome, só Deus é que sabe. Nem todos usavam identificação na mochila. Aconteceu de três irmãos de Santa Maria irem como voluntários. Quando voltamos, seus pais foram esperá-los na Estação Férrea e desembarcou apenas um.

Unisc - O senhor tinha ódio ou raiva dos seus oponentes?
Abrilino - Não.

Unisc - Como dava-se a relação da FEB com os italianos?
Abrilino - Os italianos não se davam muito com a turma, pois se entregaram e foram dominados. Cederam o cemitério para o Brasil. Até café eles não tinham.

Unisc - O senhor voltou com o pensamento político diferente para o Brasil?
Abrilino - Muitos voltaram marcados, inclusive um colega meu que morreu há pouco tempo, ficou marcado para o resto da vida. Quando tinha formatura em comemoração ao dia da vitória, quando começavam a tocar a marca, ele chorava e tremia, parecia que ia cair.
Tinha um crioulo que um advogado matou pensando que era um assaltante. O crioulo estava bem de saúde mas tinha dias que se impressionava com as lembranças da guerra e enlouquecia, saía correndo dizendo que o inimigo vinha. Em um desses episódios ele pulou o pátio de uma senhora gritando. Ela pediu socorro e um advogado que morava perto, enxergou ele e atirou matando o pobre miserável. Também outros ficaram defeituosos, poucos ficaram bons.
Aquela coisa lá, tomara que nunca mais o Brasil veja o que aconteceu naquela época, que aquilo não foi brincadeira.
Hoje a turma acha que o quartel é isso e aquilo,ruim era no nosso tempo que nos escondíamos em valetas e os carros passando por cima e nos tapando de terra.
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Unisc
- Como é o seu tratamento hoje pela população como idoso e ex-combatente da FEB?
Abrilino - Somos muito bem tratados pelos militares que vêm nos buscar em casa para nos homenagear.


Unisc - Ao longo desse tempo todo o exército mudou. Como o senhor vê essa mudança?
Abrilino - O exército melhorou quanto aos quartéis, uniforme até o tratamento. No meu tempo não tínhamos direito a nada. Os próprios civis tratavam a gente como uma classe desmoralizada, mas depois da guerra começaram a nos respeitar, porque antes o militar não tinha valor.

Unisc
- Como o senhor vê os militares fazendo política no regime militar?
Abrilino - Agora os militares fazem até política, inclusive não havia eleição. Era só o presidente Getúlio Vargas.

Unisc - Se o senhor pudesse voltar no tempo, mudaria aguma coisa ou não se arrepende de nada?
Abrilino - Para mim foi muito bom, aprendi muito do que eu não esperava conhecer e ver, apesar do sofrimento e angústia, por que achávamos que nunca mais veríamos o Rio Grande. Graças a Deus criei minha família e estou no meio dela. Mas se não fosse a guerra, jamais conheceria outros países e estados e viajaria de navio.

Unisc - Ao longo de sua vida, o Brasil passou por muitas mudanças. O senhor acha que melhorou ou piorou?
Abrilino - A vida militar melhorou, o restante da vida civil que não tem melhorado nada.


COMO O BRASIL ENTROU NA GUERRA
A posição de Vargas perante a guerra foi de indefinição, ora pendendo para um lado, ora para outro. Na verdade, essa indefinição acompanhava as tendências de seus auxiliares mais próximos no início da guerra: Filinto Müller, chefe de polícia, Lourival Fontes, do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), Francisco Campos, ministro da Justiça, e o próprio general Dutra, chefe do Estado Maior do exército, inclinavam-se para o Eixo; do outro lado, Osvalo Aranha, ministro do Exterior e ex-embaixador em Washington, defendia o alinhamento comos Estados Unidos.
No dia 11 de junho de 1940, em meio às espetaculares vitórias da Alemanha na Europa, que incluíram a ocupação e a rendição da França, Vargas pronunciou um discurso violento, saudando o sucesso nazista. Temerosos, os Estados Unidos iniciaram a partir deste momento uma tentativa de aproximação cada vez maior com o Brasi. Já em setembro, o governo norte americano autorizou um empréstimo de 20 milhões de dólares com o objetivo de iniciar a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda. Tal decisão, por sua vez, forçou uma definição do Brasil em relação à guerra, agora favorável aos Estados Unidos.
A participação dos EUA era considerada inevitável. Portanto,um dos objetivos da diplomacia norte-americana, nos anos que precederam a entrada oficial do país na guerra, foi garantir o apoio de todo o bloco americano aos Aliados. No caso do Brasil, esse apoio foi conseguido com a siderúrgica.
Em janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo e, em agosto, declarou guerra. A declaração foi facilitada pelo afundamento de diversos navios brasileiros por submarinos alemães, que tinham relativa liberdade de ação por todo o Atlântico.



Rio de Janeiro, 1942. O presidente Vargas, reunido com seus ministros, assina a declaração de guerra contra os países do Eixo.

Imediatamente após a declaração de guerra, iniciou-se a preparação de um contingente militar para ser enviado para a guerra. Não é exagero dizer que Vargas trocou uma participação mais ativa do Brasil na guerra pela Usina de Volta Redonda.
A FEB era formada por uma divisão de infantaria reforçada, de aproximadamente 25 mil homens, e foi colocada à disposição do Alto Comando Aliado juntamente com elementos da Força Aérea Brasileira, a FAB. Entre julho de 1944 e o final da guerra, a FEB e a FAB participaram da Campanha da Itália, como parte integrante do 5º exército norte-americano.



Soldados brasileiros embarcando rumo à Itália.

A Itália, principalmente a partir de 1944, não era certamente o teatro de guerra mais importante da Europa, e os brasileiros enfrentaram tropas alemãs de segunda linha, mal-equipadas e desabastecidas. No entanto, tratava-se de uma guerra europeia e, pela primeira vez, uma tropa latino-americana combatia num conflito tão intenso. Seu desempenho nessas condições foi bastante satisfatório.


Fonte:
História do Brasil
Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo, Editora Scipione.

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