Orgulho!

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quarta-feira, 18 de maio de 2016

COMO ESCREVI "A CATEDRAL DE COLÔNIA"

Depoimento de Affonso Romano de Sant'Anna

POESIA SEMPRE
Ministério da Cultura
Fundação da Biblioteca Nacional
Rio de Janeiro, 1994
Ano 2, número 4

Em 1978 cheguei à cidade alemã de Colônia para lecionar literatura brasileira na universidade local durante uns três ou quatro meses. Diziam que era primavera. Mas fazia um frio incômodo.
Ouvira falar da catedral - o único monumento que teria resistido ao bombardeios dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Não me lembro de sua fotografia antes. Recordo-me apenas que num dos primeiros dias de minha estada, ia andando pela Hohe Strasse, uma rua meio estreita e cheia de lojas quando, de repente, por trás dos prédios veio irromper aquela aguda e pesada sombra, a catedral. Andei mais um pouco e o impacto foi ainda maior.




O vetusto, esse é o termo, edifício contrastava com a cidade reconstruída. Percorri com os olhos a fachada, entrei, abismei-me nos seus detalhes.



Foto: Luciana Beatriz Chagas


Não tinha em mente nenhum poema sobre ela.
Lá voltei muitas outras vezes, siderado.
Vindo de um país COM UMA HISTÓRIA RALA E MAL CONTADA, a densidade da história europeia sempre me deixou atônito.
Um dia, creio que já no final de minha estadia, dei por mim, no apartamento, escrevendo uma meia dúzia de versos que começavam assim:

A Catedral de Colônia
é uma escura montanha
de pedra, palavra e espanto
numa aguda arquitetura.
A Catedral de Colônia
é um gótico cipreste,
um cone de feno negro,
um monte de trigo em prece.

[...]



A ideia era fazer um poema pequeno, de uma página, em versos curtos, repetindo arquitetonicamente
a superposição de versos/pedras.
Voltei ao Brasil só com aqueles versos. Em Colônia, na verdade havia acabado um longo poema, que me custou vários anos: "A grande fala do índio guarani". Estava exausto. Não queria tão cedo meter-me num longo poema, coisa que exige a dedicação de quem escreve romances. Quando cheguei em Colônia, tinha, aliás os fragmentos de "A grande fala", mas não sabia ainda o que era em conjunto.
[...]

Portanto, não pensava em mergulhar em outro texto longo. Mas, de repente, o poema da Catedral começo a crescer dentro e fora de mim. A primeira parte com sete sílabas não esgotara meu pasmo. Tinha algo mais a dizer. E fui anotando.
[...]
Essa ideia de que a Catedral se foi construindo aos poucos durante uns seiscentos anos, fez com que algo crescesse em mim. E aos poucos percebi que uma arquitetura poética se ia formando. Comecei a abrir cada parte temática com os versos de sete sílabas, como se fosse pilares ou torres do poema. Em breve, quer dizer, ao fim de SETE ANOS, em 1985, quando o terminei, dei-me conta de que a Catedral era uma metáfora de inúmeras coisas.
O poema se converteu numa longa viagem dentro de mim e dentro da história europeia. Viagem de um brasileiro, mais ainda, de um mineiro, ainda mais, do menino que viveu, lá, em Juiz de Fora, enquanto os alemães consumavam a tragédia da Segunda Guerra Mundial.



[...]
A história sempre me atordoou. Minha obra reconheço, está prenhe deste pasmo. "A Catedral de Colônia" é a metáfora dessa perplexidade, símbolo de destruição e resistência, uma consciência erguida no tempo.




Foto: Luciana Beatriz Chagas

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