Orgulho!

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domingo, 23 de outubro de 2011

O TEMPLO DOS LEPROSOS LUTERANOS


Imagem: abandonada, a antiga capela luterana
serviu à comunidade isolada pelo preconceito

Belo e original projeto do arquiteto alemão Theo Wiederspahn
Crédito: Rene Hass

HISTÓRIA
O templo dos leprosos luteranos



A sessenta quilômetros ao sul de Porto Alegre, na região de Itapuã, próximo à Lagoa dos Patos, emergiu na década de 1940 uma vila autônoma, com regras de convívio próprias. Tinha escola, duas igrejas (católica e luterana), enfermaria, padaria, lavanderia, refeitório, cadeia, olaria, entre outras estruturas urbanas. Curiosamente, possuía duas áreas: a suja e a limpa. Na área suja viviam cerca de 700 pessoas portadoras de hanseníase. Quer dizer, leprosos. Na área limpa, residiam freiras franciscanas, médicos e funcionários do Hospital Colônia Itapuã.A vila parecia, na verdade, um campo de concentração para leprosos, discriminados pelo preconceito de uma sociedade desinformada. Em seu cotidiano, os hansenianos procuravam reproduzir aspectos da sociedade externa que os havia excluído. No final da década de 1950, já não era mais necessário o inter­namento compulsório, que foi abolido por lei em 1954. Isso levou a uma diminuição dos pacientes do leprosário. Entretanto, muitas pessoas que saíram dali não foram mais aceitas em suas comunidades de origem e acabaram retornando. O maior problema social dos hansenianos era o estigma que carregavam por causa de sua doença. Assim, 60 anos após sua fundação, o Hospital Colônia Itapuã continuava sendo a casa de 75 leprosos, que passaram a dividir o espaço daquela cidade-fantasma com uma centena de pacientes do Hospital Psiquiátrico São Pedro, transferidos para lá na década de 1970.
Desde o princípio, também havia entre os internos do leprosário pessoas de origem luterana. Por volta de 1948, havia aproximadamente 100 luteranos, procedentes de várias comunidades do Sínodo Riograndense (conforme a Folha Dominical, edição de dezembro de 1948). Eles eram visitados regularmente pelos pastores de Porto Alegre (Gottschald, Schlieper, Vath). Os cultos e as celebrações da Santa Ceia eram realizados no refeitório geral, local impróprio para isso. Nasceu o sonho de ter um templo próprio. Então a Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE) de Porto Alegre empenhou-se espe­cial­mente para materializar esse sonho. Rendimentos de suas festas ajudaram a concretizá-lo. Assim, em dezembro de 1948, foi inaugurado o templo luterano do Hospital Colônia Itapuã. Era um belo e original projeto do renomado arquiteto Theo Wiederspahn.

Projeto arquitetônico de Theo Wiederspahn
Imagem: cortesia Elizabeth Thomsen

No dia da inauguração, o presidente do Sínodo Riograndense, pastor Hermann Dohms, foi a primeiro a entrar no templo. Na prédica em seguida, o pastor Karl Eduard Gottschald enfa­tizou que “temos a obrigação de servir àqueles que querem cultivar e conservar sua fé na forma da herança evangélica”. Rolf Droste, pastor que atendeu Itapuã em 1957, lembra que entre 30 e 40 pessoas frequentavam os cultos naquele ano. Nas celebrações da Santa Ceia, cada participante usava seu próprio cálice. Não se faziam visitas aos membros. Não havia contato físico, tudo era muito frio, recorda. Essa frequência caiu para 11 pessoas na década de 1960, lembra o pastor Douglas Wehmuth. Em 1977, baixou para seis pessoas por culto – que era mensal. Douglas, que atendia o povo luterano de Itapuã desde 1983, lembra que já não se usava mais o templo, pois o telhado caíra e o piso desmoronara. Os cultos aconteciam numa en­fermaria. Todos os que se declaravam luteranos estavam muito debilitados, sem condições de sair da cama. Douglas relembra que, em 1984, houve poucos cultos, pois todos os acamados haviam falecido. Restava apenas uma pessoa na Colônia Itapuã que se dizia luterana. Era homem; ele decidiu acompanhar sua esposa às missas na igreja católica. Terminou então o serviço luterano naquela comunidade, 36 anos após a inauguração do belo templo que hoje infelizmente está em ruínas. Apaga-se assim uma página singular de nossa história.


* Jornalista em São Leopoldo (RS)
Revista Novo Olhar
Julho e Agosto de 2011
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS

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