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Weilburg |
*Renate Elisabeth Schmidt
A
comunidade da minha cidade é muito Bartmann. É Bartmann pra lá, Bartmann pra cá
e a todo momento de uma forma ou de outra um Bartmann vem à luz dos nossos
pensamentos ou olhares por coisas que movem e nos movem porque elas orbitam
estas terras generosas das quais orgulhosamente compartilhamos.
Decorrido
um século e meio, muitos outros sobrenomes vieram ao encontro daquele que dá o
título a este artigo, orgulho dos que vieram depois. Diria que ela, a
descendência, é quase como satélites orbitando em torno do astro-rei. São
muitos nomes e novos sobrenomes, escrevo então que o espaço exíguo deste papel
tornou-se uma barreira para nominá-los.
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Wiesbaden |
Há
Bartmanns em outras latitudes mas então vou contar um pouco dos pioneiros que
vieram para a Colônia Santo Ângelo.
O
sobrenome Bartmann nos remete à Colônia Santo Ângelo cujo início em 1857,
aconteceu pelas mãos do Barão von Kahlden. Nos remete à imigração alemã no Rio
Grande do Sul que ora comemora 190 anos. Nos remete à cidade de Weilburg an der
Lahn, Hessen, onde nasceram Jacob e Margarida, os imigrantes pioneiros Bartmann
da referida colônia. Assim como Cachoeira abrigou muitos descendentes, por sua
vez, na própria colônia dispersou-se também o clã.
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Genearca Magdalene Luise Antoinette Schnabel Bartmann,, Weilburg (*1814 – †1874) |
A
raiz comprovada por documentos (e uma fotografia memorável) provém dos
genearcas Theodor Johann Wilhelm Bartmann e Magdalene Louise Antoinette
Schnabel (nota-se a forte influência francesa no nome feminino), pais do
patriarca Jacob. Era uma Alemanha napoleônica na época.
Os
Bartmann de Cachoeira são fruto da prole de Jacob Moritz August e de Margaretha
(Margarida) Weirich Bartmann. Jacob foi o filho primogênito de Theodor e
Magdalene.
Jacob
e Margarida imigraram para a Colônia Santo Ângelo que recebeu, por sua vez, a
primeira leva de imigrantes alemães em 1º de .
novembro de 1857, colônia esta sob
a direção imediata do Barão von Kahlden.
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Hessen |
Setenta
e sete anos antes, na década de 1780, a Europa Central era formada por
cidades-estado autônomas por vezes fazendo confederações para mostrar mais
poderio. Os conflitos entre estas cidades eram frequentes, escreve Osório
Bartmann, bisneto de Jacob. Nesse
cenário nasceu Theodor, em 1784, na aldeia de Dillenburg. A Alemanha de hoje
era na época, um conglomerado de principados e ducados. A unificação dela só
irá ocorrer em 1871 pela batuta do chanceler Otto von Bismarck.
Cinco anos após o nascimento de Theodor, estourou a
Revolução Francesa, refratária ao sistema feudal. Com a tomada do poder após um
doloroso processo de autofagia em 1799 por Napoleão Bonaparte (um pró-revolucionário
convicto), a Europa enrodilha-se numa tumultuada época de guerras de conquista
que iam saciando por ora as ambições imperiais do corso esfaimado (e líder
carismático, estrategista genial, criativo e reformista). Nessa época, Theodor
contava com 15 anos.
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Dillenburg |
Quando Napoleão coloca sobre sua cabeça a coroa
imperial francesa em 1804, Theodor agora com 21 anos, ficou à mercê deste
império que segue se agigantando e exigindo homens e dinheiro para as campanhas
do exército. Segundo Rudolfo Bartmann, neto de Theodor e pai de Osório, o avô
teria se deslocado por várias regiões onde hoje é a Alemanha, certamente com as
dificuldades subentendidas aos tempos de inquietude política, principalmente.
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Igreja Luterana de Heckholzhausen,
Landkreis Limburg-Weilburg, Hessen.
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Mas eis que aos 45 anos, conheceu Magdalene, nascida
em Mosbach no ano de 1814 (ano da abdicação de Napoleão). Casou-se com ela em
1833, na pequena cidade de Heckholzhausen (ele a dois dias de completar 49 anos
e ela com 18) e o casal resolveu fixar residência em Weilburg an der Lahn,
lugar onde surgiu oportunidade de trabalho para Theodor: serviu ao Ducado de
Weilburg, como “Capitão Ducal - Hauptman zu Weilburg”, cargo pelo
qual recebeu uma medalha pelos dez anos de ótimos serviços prestados. O
objeto acabou vindo junto na bagagem de
Jacob por ocasião da sua imigração e é conservado até hoje.
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Mosbach, Wiesbaden, Renânia. |
Theodor
e Magdalene tiveram cinco filhos: Jacob (meu bisavô), Wilhelmine, Elisa, Elise
e Carl Emil. Ao nascer último filho, Theodor contava com 62 anos.
Jacob
veio morar na Colônia Santo Ângelo, mas e os seus irmãos? Permaneceram na
Europa? Há “Bartmanns” vivendo nos Estados Unidos, parentes da linhagem
cachoeirense, será?
Um
ano após o nascimento de Magdalene acontece a Batalha de Waterloo (1815), num
encharcado campo belga. A artilharia napoleônica atolou no terreno empapado e
este revés contribuiu para a derrota de Napoleão Bonaparte diante da
poderosíssima coligação formada pela Inglaterra, Áustria, Prússia e Império
Russo. Os países vencedores não perderam tempo e um congresso, o de Viena,
tratou de repaginar mapas, remarcar fronteiras, restaurar tronos e defender
interesses.
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Dillenburg, Hessen |
O
recém criado Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), em outras
palavras, Brasil, um espécie de sede de governo português no exílio, começou a
atrair imigrantes não portugueses. Um
pouco depois, em 1819, chegaram suíços que migraram para o Rio de Janeiro,
fundando Nova Friburgo.
Oito anos após, o príncipe D. Pedro, da Casa de Bragança, casou-se por procuração em Viena com a arquiduquesa Leopoldina Carolina Josefa. Leopoldina era filha de Francisco II, último imperador do Sacro Império Romano da Nação Alemã. Francisco ao mesmo tempo era Francisco I,
primeiro Imperador da Áustria, da Casa dos Habsburgos.
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Weilburg an der Lahn distrito de Limburg-Weilburg, região de Gießen, estado da Hessen. |
A antepassada de Leopoldina, a Imperatriz Maria Teresa, havia colonizado terras ao longo do Danúbio, para impedir o avanço dos turcos em direção ao centro da Europa, com ameaça ao território austríaco.
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Anna Luise Schmidt Chagas, Margarida Bartmann e Roberto Prediger. Contenda, 1968. Cortesia Vonir Boijink |
No sul do Brasil havia uma situação parecida. Constantes invasões obrigavam a atividades bélicas permanentes. E para colonizar o sul nem pensar em portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses
A
Prússia que um dia tomaria parte da Alemanha, historicamente nacionalista,
militarista e disciplinada, era respeitada por D. Pedro que optou por trazer
mercenários alemães “misturados” aos colonos para “disfarçar”.
Influenciado
pela esposa, D. Pedro I em 1823 distribuiu proclamas pelos estados alemães para
promover a emigração desses lugares para a nova nação que se formava, escreve
novamente o bisneto de Theodor, Osório Bartmann.
E
em 1824 chegaram os primeiros colonos ao Rio Grande do Sul, 39 mais
precisamente, contratados por conta do Governo Brasileiro por Jorge Antônio von
Schäffer na Alemanha, para a Feitoria do Linho Cânhamo. Corria o dia de 25 de
julho, um domingo, data da fundação do primeiro núcleo de colonização alemã no
sul do Brasil, que viria a evoluir para a cidade de São Leopoldo.
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Capa do opúsculo "Aus Weilburg an der Lahn nach Colônia Santo Ângelo" |
Muitas
águas agitadas, cristalinas e turvas (turvas não pela poluição da Revolução
Industrial, que andava preguiçosa para ancorar no Brasil), rolaram pelas
cachoeiras do processo migratório porque evidentemente nada era simples.
Renúncia à nacionalidade alemã era uma imposição aos imigrantes, a hostilidade
da paisagem, viagens perigosas, propaganda enganosa, precariedades, doenças e
perigos, formavam o séquito de
dificuldades.
Jacob emigrou ao Brasil
pobre e solteiro. Atraídos pelos agenciadores, pela política oficial
brasileira, pela Lei de Terras de 1853, pela chance jamais sonhada na Europa de
possuir uma propriedade sua e espantados pela vasta legião de desempregados,
pelos sub-empregos, pela onda de revoluções e consequências diretas e indiretas
da Revolução Industrial, como por exemplo a elevadíssima mortalidade infantil,
milhares de alemães deixaram a Europa e atravessaram o Atlântico. Parte deles
veio para o Brasil.
Em 1857 foi a vez de Jacob Johann Weirich e Anna Maria
Schwier, prussianos, embarcarem em Hamburgo no Patacho Helena com os cinco
filhos: Joseph, Suzana, Margaretha (futura esposa de Jacob), Elisabeth e
Michael. Nesta ocasião, Margarida estava com 13 anos. Chegaram a Porto Alegre
no vapor Continentista em novembro de 1857.
Entre Jacob e Margarida havia uma diferença de 10 anos. O casamento
ocorreu pouco antes da unificação alemã.
O casal teve extensa prole: Maria, Emílio, Alfons, Joseph,
Wilhelm August, Carlos Otto, Maria Antoinette (minha avó paterna), Ernesto,
Margaretha, Elisa, Carolina e Johann Karl.
Dos onze filhos provêm os Bartmanns cachoeirenses.
Hoje,
o "cemitério Bartmann",
como é conhecido, é guardião dos túmulos do casal, cujas lápides pouco a pouco
estão se esvaindo. Ao lado do pequeno cemitério, as plantações dos colonos
crescem e produzem fartura para a terra que que os acolheu e que guarda tantas
histórias. Um imigrante nunca será somente um número e uma estatística.
Histórias de enfrentamentos e superações compartilham vicissitudes.
Assim sendo, dedico este pequeno texto a todos os imigrantes
que acreditaram e para cá vieram para finalmente terem a terra que seria sua. O
trabalho deles está semeado a nossa volta sempre a intrigar. Mágicos?
Trabalho, muito trabalho e ao lado, estudo!
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