10 horas da noite. Momento que na viagem nós os pobres stewarts sempre temíamos, quando na tolda superior, nas maravilhosas salas da primeira classe, debaixo dos luxuosos cortinados dos cafés e botequins, nos camarotes principescos, temos que correr à primeira chamada, acudir a trinta partes a um tempo com pontualidade e tino, às ordens de todos os passageiros que se se divertem ou se aborrecem, mas não toleram no serviço a demora nem dum segundo, e muito menos um esquecimento ou uma impossibilidade: para um bilionário acaso não é possível tudo o que ele quer?
Imagem: Maritime Quest
Exatamente, uma chamada imperiosa fizera-me chegar num pulo ao número 28, um dos mais ricos aposentos do convés-passeio. ali me achei diante duma senhoraça loira, que não acabava de raivar. Já tinha feito vir o primeiro chefe de criados, porque o seu telefônio se desarranjara. tinha no andar inferior umas amigas com quem queria a todo o custo, cavaquear um bocadinho antes de se deitar. Quando ela já passava para a sala dos banhos fazendo um badanal com portas, dá-se um choque seco e breve; logo um prolongado ranger surdo do navio inteiro, de encontro a um paredão; depois, nada mais.
- Então, ouviu? - disse eu ao sobredito chefe.
-Safa! Que será isto?
Algum pequeno iceberg, respondi-lhe a rir; mas toca a despendurar os cintos de salvação.
"Ora esta!" Rosnou o marido da tal senhora, acabando de chegar ao camarote e estacando, com o charuto entre os dedos, o rosto, subitamente enfiado. E, para o animar, ia a soltar um gracejo, que me ficou na garganta: as máquinas já tinham parado.
Os três homens que éramos, num instante, galgávamos ao convés, onde ninguém, ao parecer, dera fé de nada.
Mas logo, como eu conhecia a vida de bordo, notei a turbação profunda dos tripulantes, que ainda não sabiam aonde acudir e guardavam ordens.
Começaram a esfusiar os apitos, uns sobre outros: para os profanos eram avisos de quaisquer manobras; para os iniciados, verdadeiros toques do funeral do navio.
Primeiro desceram os engenheiros com a mestrança para ver da água aberta e trabalhar em vedá-la. Não voltou nenhum acima.
A seguir foram mandados fechar os grandes compartimentos à prova d'água; mas, com quanto laborassem bem os maquinismos, não havia barreiras que resistissem muito tempo ao ímpeto dos mares que irrompiam pelo enormíssimo rombo.
Eram as onze e meia. Sobre o tumultuar espavorido dos passageiros que afinal compreendiam o caso, sobre os assustadores estalidos do casco e o agudo apitar do vapor, sobre toda a faina confusa e aterradora duma nau que sossobra, fez omegafônio do capitão Smith ouvir um pregão que mandava arriar as barcas de salvamento e embarcar mulheres e crianças.
Em certas passagens, com o apertão da gente levantava-se um susto pânico: então o rolo da massa humana precipitava-se nos batéis, meio infalívelde de os meter a pique. Importava reagir a todo o custo: a orquestra tocava com quietação estóica, para aclamar um pouco os nervos exasperados; nas escadas dois energéticos cabos de marinheiros, com bastante marinhagem, ainda continham o tropel que em delírio queria invadir as cobertas já obstruídas. Mas não bastanto às vezes para o intento descarregar murros, tinham que dar coronhadas, tão brutais quanto necessárias. Foi preciso, em mais dum caso, recorrer a meios extremos; e lembra-me que passei de salto sobre o cadáver dum cavalheiro muito bem trajado, em quem um oficial de bordo acabava de fazer justiça sumariamente no momento em que obstinava a entrar num barco antes da mulheres e crianças ...
Enlouquecida, uma mulher corria o convés às gargalhadas. Uma velha a todos detinha para que lhe dissessem onde era o beliche 315. Neste comenos desabou um compartimento estanque, dando ao baixel uma inclinação de quatro ou cinco metros; e no grande estrépito da derrocada ouvia-se ainda: "Onde é o 315?" E o estridente gargalhar daquelas duas desaventuras, que já iam rolando ao mar!
Graças a Deus, não faltou até o final o heroísmo sereno e em alguns momentos sublime, como se viu à meia-noite, quando a brigada dos maquinistas de serviço formou junto à escotilha, como se aquilo não fosse nada; e todos um atrás do outro, sem uma só hesitação com um "good bye"! Ou um "good luck, to you"! Se foram, pela escotilha abaixo, buscar o seu posto de morte.
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Continua ...
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