POR UM FIO
Renate Elisabeth Schmidt*
*Professora de História
A débil
democracia brasileira anda temerosamente equilibrando-se numa corda bamba
estendida num precipício sobre o Hades da ditadura, entre o passado imprudente e o frágil
presente.
Moldado no
modelo de colônia de exploração, o Brasil padeceu as agruras dum sistema
pautado na extorsão de suas riquezas, arrancadas pela mão-de-obra escrava
africana. Os rios de ouro daqui engolidos inundaram a metrópole, impedindo o
colapso de sua economia paupérrima, concentrada na riqueza do mar, na produção
de vinho e na exploração da oliveira asfixiada porque atrelada às potências
europeias nascentes. Tão medíocre que o transporte do pau-brasil era feito por
navios holandeses.
O Brasil viveu
por 322 dos seus 515 anos, a ditadura colonial, para então trocá-la por um
império fraco, impopular e estagnado. A ditadura da Coroa rendeu trocados,
abastecendo o 1889 com meia dúzia de contos de réis democráticos, prato cheio
para uma República golpista, passando então o Brasil a provar o modelo
republicano, cujas origens perdem-se nas
histórias de Roma. Um ano antes, o marasmo imperial “libertou” os últimos
escravos, jogando-os no limbo social, situação que perdura na atualidade.
Foi então dada
a largada para a ditadura do “Café com Leite”, sob a batuta dos coronéis cafeicultores
e dos usineiros, copiados e invejados meio de longe pelos colegas sulistas do
charque. Tudo agregado aos currais eleitorais. Muito pouco da saudável prática
republicana redundou em melhorias para o coletivo. A briga sulista de
1835-1845, anterior à República, deixou evidentes os interesses direcionados em
questão.
Em 1930 a
ditadura é de baixa estatura e veste farda. No novo viés é preciso enfraquecer
o poder binário, até então senhor absoluto das terras brasileiras.
E o país segue
equilibrando-se na corda, vivendo arroubos institucionais contraditórios. Os
anos que se sucederam seguiam temerários porque se colhiam as consequências duma delicada fragilidade
nacional, a falta de matéria-prima bípede e supostamente inteligente, conhecida
como Homo sapiens.
Nas democráticas
terras do norte, nos EUA, a conversa é outra. As colônias do norte sangraram
sua própria carne (Guerra Civil) para defender o modelo econômico que se
adequava a elas, no contexto de recém ingressos na 2ª fase da Revolução
Industrial. Diferentemente do Brasil, os EUA configuravam uma ‘colônia de
povoamento’.
Como parte
vitoriosa da Grande Aliança, eles despertam como potência inquestionável. Excetuando
o ataque a Pearl Harbor, os seis anos da Segunda Guerra pouparam o solo
estadunidense da destruição e do caos. Invocada levianamente, desconsiderando o
custo de 50 milhões de mortos recém esfriando nas covas coletivas ou a céu
aberto, a Guerra Fria recobre o planeta, rugindo pelos seus 360 graus. A
paranoia anticomunista, em mutação, virou um cancro mortífero, alcançando
inclusive o Brasil.
Suas células
deformadas contaminaram razões e conspiraram ações fazendo o colapso de um
governo constitucional, agitado pela drenagem criminosa dos princípios
institucionais.
Jango jamais
foi comunista, porém já iniciou seu governo como paciente terminal, circundado
por células malignas reacionárias, que descendiam da cepa genealógica vigente
no Brasil desde os idos das capitanias gerais, na ocasião contraditoriamente
chamada de homens bons.
Aliás, quem seriam hoje os homens bons?
Aliás, quem seriam hoje os homens bons?